domingo

Nunca saberei como é o paraíso



Soube realmente deste filme palestiniano (vi uns cartazes por aí, mas não liguei) aquando dos óscares americanos. Era um dos filmes nomeados para melhor película estrangeira e associações judaicas nos EUA e em Israel protestavam que o filme fosse nomeado. O argumento de que me lembro era de que constituía um desrespeito para com as vítimas dos ataques suicidas. Na altura presumi que o filme de alguma forma fazia a apologia da violência. Ontem vi-o e dei-me conta que o que incomodou essas associações judaicas foi o facto do filme dar humanidade aos suicidas. São pessoas. Será que aqueles que protestavam viram o filme? Ou será só uma reacção pavloviana de negar os palestinianos?

Paradise Now não lava os palestinianos, nem os demoniza. Li que durante as filmagens, a equipe recebeu ameaças tanto de palestinianos como de israelitas. Uma demonstração como o filme é uma expressão de uma situação difícil sem maniqueísmos. Naquela região só se aceitam visões que sustentem a política de ódio, a negação da existência, o sangue nas mãos de ambas as partes.

O filme é assim valioso pelo que contém e por ser uma obra conjunta de palestinianos e israelitas. Abre uma brecha para olharmos para dentro de um muro que se constrói. "Tendo os israelitas convencido o mundo de que são opressores e vítimas, então fiquemos nós vítimas e assassinos." Esta é a frase, não textual, de um dos suicidas. Eles são escolhidos e docilmente se prestam a serem assassinos e vítimas e mártires pela causa que lhes é trazida pelos funcionários do terror. Movimentam-se entre a dúvida, a resolução e a tristeza. A preparação dos suicidas é ritual. Antes de sairem para a missão, comem com todos os outros operacionais, cena composta a ser uma alusão óbvia à última ceia de Jesus Cristo. Existe esse senso de que aqueles homens são sacrificados e que aqueles que os aprestam são Judas. Fiquei extremamente surpreendida por esta simbologia cristã, pois trata-se de um filme feito por judeus e muçulmanos. Outro momento meu, este de prazer sem mácula, foi quando identifiquei a palavra "Oxalá"; identifiquei-a mil anos após a palavra ter entrado na nossa língua...

É um filme que vale muito a pena.

----------------***------------------------

No filme há uma mulher que personifica o palestiniano estrangeirado que tem a voz de moderação. Há dois dias li um texto de Martin Kramer em que ele analisa as opiniões dos intelectuais palestinianos relativamente ao Hamas. Começa por colectar as opiniões de Edward Said, o representante da intelectualidade palestiniana, ainda hoje, mesmo após a sua morte em 2003. Seguidamente, colecta as opiniões de vários intelectuais em reacção à vitória do Hamas nas passadas eleições. Uma leitura interessante.

-------------***-----------------------------
Actualização:
A realidade.

A justiça de rua.

No filme, um dos suicidas perdeu o pai aos dez anos: foi executado por colaboracionismo com os israelitas. É uma das suas dores e questões interiores. A mulher que ele começa a amar é respeitada e quase venerada porque o pai dela foi um homem que morreu pela causa. Ainda antes de saberem da missão, o amigo diz-lhe, que sorte ele tem, ela é a filha de Abu!

Sem comentários: