quinta-feira

Belleville e Persépolis

Eu adoro desenhos animados. Gosto mesmo imenso. Para dizer a verdade, gosto de desenhos em todos os estádios de movimento, incluindo o parado. Nas últimas semanas vi dois filmes amáveis ao último nível de paixao.

Um, eu merecia ser chicoteada num qualquer país islamo-barbárico, porque já é velho de 4 anos e eu em estado de virgem ignorancia (atentem no paradoxo de ser chicoteada por islamo-fundamentalistas por ser virgem... É como o filme: atentar os pormenores). O enredo é imprevisível e onírico. O desenho surpreendente, extremo, sedutor. Há um personagem que me lembra a caricatura do Paulo Portas. Esse extremo. As personagens sao bidimensionais ou até mesmo unidimensionais. Mas na sua simplicidade de intencoes sao irresistiveis. O filme comeca com a avo afazendo-se em adivinhar os desejos do neto para lhe apaziguar a tristeza (algo com os pais ausentes?) e na continuacao do filme a persistencia com que ela persegue o bem estar do neto, é de nos levar a adoptá-la. Mas o desenho, o desenho, a extravagancia do traco, a musica, a musica com o desenho. O filme nao transtorna nada a razao, mas é um absoluto prazer. Estao a ver ali embaixo o barco e a avózinha? É o antes da melhor cena animada de todos os tempos. Além disso, a avó chama-se Souza. Por nada. :)


O segundo filme é de agora e há os livros. É baseado em Persépolis. O estilo de desenho é o mesmo dos livros e de novo há a avó que se ama (choro com jasmim). É a história verdadeira de Marjane Satrapi a crescer, neste caso crescer iraniana durante a queda do Xá, a tomada pelos fundamentalistas religiosos, da guerra com o Iraque, de ser parte da diáspora. De novo, o desenho é fabuloso, aqui o enredo e' fundamental e o desenho salienta-o, nos seus contrastes agucados de preto e branco, sobreposicoes e nas suas excepcoes de movimento e cor, que demarcam as narracoes.



Dois filmes muito diferentes, mas ambos imprescindíveis para quem gosta de beleza animada.

quarta-feira

Surfar

Muitos dos blogues que visito nao se encontram na minha barra lateral. Nao é que eu queira esconder o facto que os visito, mas porque estao enquadrados no passeio que geralmente é o meu ler de blogues. Há até um par de blogues que estao ali para que eu nao os esqueca. Visito-os de vez em quando, mas quero ser relembrada desse de vez em quando. Há outro par que encontrei há pouco e ando a ver se gosto. Há outro par que irei apagar, um porque estou a entrar nele por outros blogue, outro porque já perdi qualquer interesse. E há os constantes pontos de partida.

Assim, exemplificando, eu visito a partir do dois dedos de conversa, o quase em portugues e o tempo dos assassinos. A partir do blogo existo eu visito o da literatura, a natureza do mal e o a causa foi modificada desde que o maradona mudou de posto e eu nao tenho tido pachorra para mudar a morada. Provavelmente, agora que já firmei rotina, vou-o eliminar da barra lateral e por (com chapéu) outros.

Porque conto isto? Primeiro: para asseverar que as barras laterais nao sao sempre afirmacoes "politicas" ou definicoes completas de "gostos". Podem ser tambem um instrumento para o bloguista surfar na net, como é o meu caso. Segundo: (e cheguei ao destino final) os bloguistas deviam ter em atencao a sua entidade passageira e fazer o surfar mais fácil. É uma chatice aqueles blogues que nao tem ligacoes para continuar na onda. Também é chato aqueles que abrem novas janelas, porque temos de fazer uma pausa de vez em quando para as fechar. Ok?

sexta-feira

Sem título

Queria falar-te, mas nao sei que diga
Nao quero estragar este momento a tentar o sol e a vomitar a luz da rua.
Por isso calo-me e toco-te
mas como(?) uma festa que seja mais que um coçar de comichao.
Podia tentar um beijo, mas quantos me sairam tortos a raspar-te pelo nariz?
Podia ser na parte de trás do pescoço se nao fosse as codeas em massa folhada.
Podia ser um doce comprado na pastelaria da esquina, ahhh, mas as maos sujas do empregado...
Sinceramente, és difícil de amar!

quinta-feira

Há banda sonora para tudo

Quando tinha quatro anos I fell and bumped my head, o que levou a certos episódios com piada que ainda hoje por vezes se introduzem em sonhos e me fazem rir. Estava a explicar isto a uma pessoa que se interessa pelos meus sonhos, a bifurcar por meandros de significado, quando a pessoa se levantou e colocou esta música. Eu parti-me a rir e disse: "Há banda sonora para tudo!"

quarta-feira

Sem meio

Tenho-me desleixado na actividade mais importante de um blogador: citar o que os outros dizem, fazendo-o nosso. Pode ser porque queremos chamar a atençao, porque queremos discordar, comentar ou porque concordamos tanto, tanto que dói.

Aqui fica: "Dá ideia que Portugal oscila entre o doutorado e o analfabeto. Falta aqui um estado intermédio, entre a mera sobrevivência e a grande teoria capaz de colocar Portugal no futuro distante, que nos permita perceber o que é prático e útil em cada momento."

Quando andava no liceu, chegava-se ao nono ano (se se chegasse) e ia-se trabalhar e aprender o mister a fazer. Os que continuavam a estudar era para ir para a Universidade. Ninguém nos perguntou se queriamos aprender a fazer, o que me leva a pensar que nao havia/há escolas profissionais. Aprender a ser mecanico, a ser costureira, a ser trolha, a medir o pH da água. Aprender a fazer, em vez de só aprender termodinamica, a revolucao industrial, a fisica de Newton, os átomos e pensar no assunto. Uma vez passei os olhos pelo programa de um curso num politécnico. É uma cópia mal-amanhada da Universidade. Uma pessoa sabe que devido aos níveis educacionais do antes do 25 de Abril, houve/há o culto do senhor doutor. Este senhor doutor nao faz, pensa, planeia. Agora Portugal é o país de pessoas que nao sabem fazer e pessoas que planeiam e estudam, mas nao fazem (e provavelmente sabem como fazer, mas nao fazer). Portanto, o que é feito, é mal-feito, mas há muitos estudos de como fazer. Há algo na minha teoria que nao encaixa: porque é que nao há filósofos portugueses? Sou distraída ou a filosofia é afinal uma disciplina prática?

terça-feira

Crying gap

Uma crianca a chorar obtem de mim uma avaliacao objectiva de necessidades em caso de estar ao meu cargo ou um suspiro de tédio no outro caso. Uma mulher a chorar obtem de mim, na primeira reaccao, desconfianca, pois tenho este preconceito de que as mulheres sao descontroladas e histericas. Um homem a chorar derrete-me. Um avozinho de barba branca a chorar consegue qualquer coisa de mim. E' por isso que tenho medo do Pai Natal.

domingo

Porcalhice

Estou-me aqui a rir com os postes sobre a ASAE fechar um boteco qualquer em Lisboa. Tanto o que tem pena de nao poder entrar num estabelecimento em que os pes se lhe colem ao chao, como ao que grita salmonelas. O que chora a alma portuguesa da taberna encardida e o que acha que a alma portuguesa devia ser sermos menos portugueses. Os portugueses tem uma certa piada, pois sao paranoicamente limpos em certas coisas e hiper-porcos em outras. As coisas em que sao limpos sao eles proprios. Tudo o que e' compartilhado com os outros pode descer 'a pocilga. Assim, um senhor a cheirar a alfazema pode sem problemas entrar num restaurante a tresandar a oleo rancoso e a harmonia do seu estomago nao se descompoe. Vao nos seus carros reluzentes a atirar lixo pela janela. A vivenda e' vizinha do entulho. Um corredor todo aparelhado na seccao desporto do centro comercial corre ao longo do engarrafamento. Nao sei bem como, mas as pessoas parecem viver na ilusao de viver em bolhas de limpeza. Por muita merda que atirem para fora, a merda nunca lhes ira' resvalar para dentro da bolha. Por falar nisso, preciso de tomar banho.

segunda-feira

Assombraçao

No Verao dos meus doze ou treze anos, o acaso dos meus olhos nos livros acomodados na estante escolheram duas obras que me lançaram numa quebra entre o antes e o depois. Uma era um conjunto de pesados tomos que me custaram a desalojar da prateleira mais alta sobre a segunda guerra mundial e que certamente me puseram em risco de queda e fracturas. A segunda era também um conjunto de vários volumes, mas mais leves, de "O Judeu" de Camilo Castelo Branco. Esta foi a partida para a descoberta da maldade humana e a descoberta da maldade humana na religiao que os meus pais me deram de herança. Nessa altura, a religiao era uma parte fundamental de mim. Além disso, era muito jovem e o que li foi chocante ao ponto de traumatizante. Nesse Verao, deu-se o início do meu abandono do catolicismo, porque acabei por sentir impossível a pertença a uma organizaçao com tal marca. Porque os padres que questionei deram-me respostas mesquinhas, porque enfim, nao havia qualquer razao para me sujar. Era repulsa o que sentia e olhando para trás nao sei quanto sangrou a minha ingenuidade. Os meus pais tomaram este resultado como o primeiro sinal da adolescencia. Rebeldia sem causa, devem ter pensado.

A minha ideia de Deus confundiu-se. Surgiu-me a questao que provavelmente chega a todos: como é que Deus deixa acontecer barbaridades? Mas largar Deus era um mergulho na escuridao e deixei-me viver na angústia. Mais tarde comecei a ler a Biblia e a descoberta nua e crua do Antigo Testamento irremediavelmente me lançou também fora da esfera daquele Deus. Era um Deus criado á imagem do Homem. Tudo começou nesse Verao, em que descobri que um povo que julgava da Biblia, que já nao existia, nao por violencia, mas por mudanças nominativas, assim como os fariseus e os canaenses, que esse povo ainda existia e que catástrofes inomináveis tinham submergido esse povo e com eles a minha ideia de e da humanidade e a minha religiao.

Assim, quando na blogosfera perguntam porque nos preocupamos tanto com Israel e os israelitas e nao tanto com os sudaneses ou os arménios, penso que nem tudo é explicado por anti-semitismo. O povo judeu está marcado na consciencia dos europeus a fogo e morte. O judaísmo é o pai do cristianismo. A Europa é a mae de Israel. O estranho seria que os judeus e Israel nao fossem uma presença marcada na consciencia dos europeus.

quinta-feira

Suspiros de cigarro



Beautiful Obsession 2003
Acrylic and ink on paper
Trine Boesen


O sol passa-me por cima em mortalha luminosa. O fumo do cigarro brinca com o pó transcendente, sobe levando os meus suspiros. Cada lufada um transbordo num mundo de fadas que dançam o sol e a brisa. Outro suspiro sobe e encontra-se com o anterior. Assisto a uma representaçao feita de leveza e luz, feita por mim e um astro. A música que chega quase me faz acreditar em algo mais que esta subtileza mínima. Que quando eu abandonar este espaço algo acontecerá para lá das leis da física que eu poetizo. Queria ser tao simplesmente bela quanto parece o mundo que vejo e sinto. A minha complexidade pesa-me.

terça-feira