quinta-feira

O dejá vu da desgraça

Apesar de só ter falado de futebol, eu andei atenta aos jornais, para lá da secção desporto. Dei conta que o mundo não parou e as tragédias e desaires humanos continuaram. Na verdade, uma pessoa só fala de futebol porque é a única coisa realmente nova. Por exemplo, no Médio Oriente, Israel continua a reagir exageradamente, os palestinianos continuam o seu água mole em pedra dura tanto bate até que os israelitas vêm por aí abaixo e levam tudo a eito. Depois há os amigalhaços, eu mato aqui e tu matas ali e é o compadrio do desmembramento e do sangue jorrado. A sensação é de desalento. Isto vai-se resolver messianicamente. Um dia, algures no futuro, dois líderes hão-de ultrapassar barreiras de ódio e fazer compromissos inimagináveis. O Nobel da Paz ser-lhes-á despachado lá da Escandinávia e muitos editoriais laudatórios serão escritos. As pessoas hão-de comover-se, quererão desesperadamente alguma luz, seguirão quem quer que seja com carisma que lhes diga do fundo do túnel. A probabilidade disto eu não sei. É necessário que nasçam pela mesma altura e que não sejam, pelo caminho, mortos por extremistas. É necessário que eles sejam tão fora de série que até os extremistas chorem como carneirinhos. Até lá, é o dejá vu da desgraça. Até lá os palestinianos falam a língua da morte e os israelitas, consoante o que lhes convém, não querem falar ou fazem de conta que falam, falam quando já não há ninguém, falam com eles próprios e enquanto fazem a gincana do diálogo, constroem um muro e fazem raides. Eu, por mim, queria a tal alienação de um campeonato mundial de futebol.

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