segunda-feira

Sr. blogospectador

fazemos aqui um intervalo na programacao para anunciar:

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Está Verão!!!! A emoção é tanta que não sei se aguento.

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Povoam-me monstros


de Peter Hapak.

O que leva os seres-humanos a perpretar actos desumanos?

Existem duas correntes explicativas na sociopsicologia: as disposições individuais e as situações em que o indivíduo se encontra. Philip G. Zimbardo no seu livro “The Lucifer effect: understanding how good people turn evil” defende a segunda como a fundamental. Ele descreve a sua experiência de 1971, em que colocou 24 voluntários, todos eles considerados saudáveis e normais, todos eles estudantes universitários, numa situação de prisão, 12 actuando como guardas e 12 como prisioneiros. Nas entrevistas que foram realizadas previamente, todos eles tinham afirmado que prefeririam actuar como prisioneiros, pois não se imaginavam na situação de serem guardas, mas na cultura universitária do tempo, com as demonstrações anti-guerra, eles pensavam que poderiam ser presos e a experiência poderia ser-lhes útil. Supostamente a experiência deveria durar duas semanas. Durou 6 dias. Por esta altura os guardas tinham-se tornado agressivos e desumanos, obrigando os prisioneiros a punições degradantes e humilhantes, de tal forma, que vários tiveram de ser libertados e os que ficaram comportavam-se como zombies. Com base nesta experiência e outros casos exemplificativos ele defende que todos nós podemos na situação adequada tornarmo-nos “guardas”. Ele defende um processo de despersonalização e anonimatização, em que em ordem para a actuação como “guarda”, adquirimos para nós o papel de “guarda” entre “guardas”. Na despersonalização livramo-nos dos nossos próprios pruridos morais, na anonimatização adquirimos o senso de impunidade.

É assim?

O livro de Jean Hatzfeld, “Machete Season: The killers in Ruanda speak.” parece corroborar o situacianismo. No poste anterior, nomeadamente no testemunho de Pio, existia essa sensacão de arrastamento pela situação. Primeiro dia da matança:

Testemunho de Fulgence: No dia 11 de Abril, o juiz do Município em Kibungo enviou os seus mensageiros para juntar lá os Hutus. Montes de interahamwe* tinham chegado em autocarros e camiões, que seguiam pelas estradas buzinando e forçando caminho. Parecia um engarrafamento na cidade.

Lá o juiz disse a toda a gente que a partir daí não iriamos fazer outra coisa senão matar Tutsi. Bem, nós entendemos: aquilo era um plano final. A atmosfera tinha mudado.

Nesse dia, tipos mal informados tinham vindo sem trazerem uma machete ou outro instrumento para cortar. Os interahamwe repreenderam-nos: disseram-lhes que daquela vez passava, mas era melhor que não tornasse a acontecer. Disseram-lhes para se armarem com pedras e paus, para formar barreiras na retaguarda para cortar o caminho a fugitivos. A seguir, todos se juntaram em excitação a um líder ou aglomeraram seguidores, mas nunca mais ninguém esqueceu a sua machete.

Assim, com um historial antigo de demonização de Tutsi, com as autoridades a indicar o caminho (matar e somente matar), a despersonalização de assassino e do a assassinar parece que foi fácil. O ajuntamento excitado facilitou a anonimatização e a matança de 50 mil Tutsi num período de um mês tornou-se realidade.

E quanto às disposições individuais? Existindo pessoas que evitaram o assassinato, foram tão raras, que são extraordinárias. Os heróis são raridades.

Era perto do meio-dia do dia 11 de Abril, no primeiro dia da matança nos montes de Ntarama. Isidore Mahandago descansava de uma manhã de monda, sentado numa cadeira no terreiro da sua cabana. Ele era um camponês Hutu, de sessenta e cinco anos, que tinha chegado a Rugunga, no monte de Ntarama, vinte anos antes.

Uns tipos robustos, armados com machetes, passaram cantando pelo caminho junto à sua casa. Isidore chamou-os na sua voz velha e profunda e sermoneou-os na frente dos vizinhos: “Vós, jovens, sois malfeitores. Recuai e ide-vos. As lâminas das vossas machetes apontam na direcção da nossa tragédia. Não inflameis disputas demasiadamente perigosas para nós camponeses. Parai de atormentar os nossos vizinhos e retornai aos vossos campos.” Dois assassinos aproximaram-se dele, rindo-se, e sem palavras cortaram-no com as machetes. Entre o bando encontrava-se o filho de Isidore, que de acordo com testemunhas, não protestou nem parou para ver do pai. Os jovens continuaram o seu caminho cantando.

Isidore Mahandango é o Homem Justo de Ntarama.

Hatzfeld conta mais duas histórias, de cinco justos que foram assassinados. Mas escreve:

E os Justos ainda vivos, quem são e onde se encontram? Na verdade, depois de muitas visitas, de muito procurar, ainda não encontrei nenhum nos três montes de Kibungo, Ntarama e Kanzenze. Contudo, em vez, posso apontar outras pessoas merecedoras. Ibrahim Nsengiyumua, um comerciante próspero de Kibungo, pagou multa após multa ao ponto da ruína, para evitar participar na matança e nos saques. Ele fê-lo, explica Innocent [o guia Tutsi de Hatzfeld], “porque juntou suficiente riqueza para não arruinar a vida com sangue”.

Os merecedores também são poucos. E isto é o ser-humano.

* interahamwe – “Os que atacam juntos”: a milícia extremista Hutu criada pelo clã Habyarimana no início dos anos 90, treinada pelo exército ruandês e, por vezes, localmente, pelos soldados franceses.

Tradução minha do livro "Machete Season: The killers in Rwanda speak" a cor.