quarta-feira

Liberais, liberais, costumes 'a parte

Na caixa de comentários do Blasfémias, um dos blasfemos pronuncia-se contra uma das pedras mestras do liberalismo.

«Se o "Sim" ganhar, ninguém vai impor nada a ninguém...»
Vai sempre, num caso ou noutro, as pessoas individualmente terão de viver numa sociedade que não se rege pelas regras que defendem.
Gabriel Silva | Homepage | 30.01.07 - 7:54 pm | #

Desconstruçao

A Helena continua a mostrar os calcanhares de alguns aquiles do "nao" tuga (e do assim nao).

p.s.: aquela "Carta 'a minha mae"... Sem palavras. É que nao penso que existam palavras para descrever o que aquele texto é. Estou, como diria o Marcelo Rebelo de Sousa, com uma indisposiçao, uma depressao, um estado de alma que nem sei.

p.s2: melhor ainda: deram as cartas a crianças de infantário. Se alguém me disser que um palhaço vestido de embriao anda a fazer uma tourné em Portugal eu já nao duvido.

I never came

terça-feira

Assim nao

Segundo entendi, a pergunta que o sr. Marcelo proporia seria "Concorda com a despenalizaçao da mulher grávida quando aborta?" Sem limites temporais. Eu votaria nao. Nao penalizar a morte de um ser sensível? Nao penalizar aos 6, 7, 8 meses? Nao penalizar a morte de um ser que já tem consciencia, que reaje a sons, que sente as vibraçoes do liquído amniótico, que ouve e se relaciona com a voz da mae, que fica triste se ela está triste, que fica feliz se ela está feliz? Nao, assim nao.

Nao sei se ainda nao entenderam, mas até 'as 20 semanas o feto nao tem consciencia, nao sente dor, nao tem qualquer percepçao do mundo que o rodeia, do que é ou deixa de ser. Assim, para mim a liberalizaçao do aborto até 'as 10 semanas nao vai contra o princípio fundamental, para mim, de protecçao de seres sensíveis. Um feto de 10 semanas é vida, mas somente vida. Nao há sentir, quanto mais pessoa. Merece respeito por ser parte humana e por isso é importantíssima a educaçao para a responsabilizaçao na sexualidade. Como parte humana nao deve ser banalizado. Mas esta é uma questao moral individual, que a sociedade, todos nós actuamos ao nível educativo. Sejamos racionais e vejamos o que está em jogo. As vidas sentientes que realmente estao em jogo. Nunca percamos de vista os valores fundamentais de protecçao de quem nao deve nunca sofrer por moralismos, por hipocrisias, marcelices e suas relativas indisposiçoes cerebrais.

Verifico agora que a actual pergunta que vai a referendo é perfeita para mim. Protege o que deve ser protegido. Despenaliza quando ainda nao há pessoa, permitindo a escolha da mulher em condiçoes seguras. É isto que quero. De resto, quando há uma pessoa deve haver penalizaçao. Nao entendo os do "Nao", acho-os incoerentes, incompreensíveis, agora com o Sr. Marcelo, passei a achá-los imorais.

P.S.: e como mulher continuo impressionada com a forma como as minhas capacidades intelectuais, morais e de livre-arbítrio sao vistas pelos homens portugueses. Faz-me lembrar o que se le de tempos passados: a mulher infantil, incapaz, a mulher anjo e demónio, a mulher temível, mas que necessita também de protecçao. Em que tempo medieval viveis? Que mulheres é que conheceis? Nao entendo.

segunda-feira

Há vida inteligente em MRS?

ProntoS, lá fui ao You Tube ver o que é que afinal disse Marcelo Rebelo de Sousa. Fiquei com dúvidas.

versao gatos fedorentos

Nao existir

Eu já tinha escrito este poste há uns tempos, mas estava indecisa em postá-lo. Resolvi faze-lo porque vi um poste em que se informa que os do "Nao" já andam com o absurdo slogan "E se tivesses sido abortado?". Por motivos pessoais esta é uma pergunta a que fui exposta. E se pensam que esta foi uma violencia desnecessária, informo que saí incólume, e se vos aflige quem me tentou usar os sentimentos, sintam a mesma repulsa pelos que usam esta táctica nesta campanha.

Entao cá vai:

Arremetida em lutas familiares que nao vou esmiuçar, desvelaram-me que quando eu estava em processo de construçao in uterus, o meu pai queria que a minha mae abortasse. Por esta altura, eu conhecia o meu pai intimamente. Nunca duvidei do seu amor por mim e pareceu-me descabido que algo que tinha acontecido antes de nos termos conhecido pudesse de alguma forma violentar a nossa relaçao. Comuniquei a irrelevancia do que me tinha sido dito e saí deixando os adultos nas suas infantis guerras.

Nunca a sensaçao de irrelevancia me abandonou, nao só no que o meu pai significa para mim, como se uma esposa fizesse uma cena porque o marido nao a amou antes de a conhecer, como a irrelevancia para a minha vida. Se eu nao tivesse nascido, nao tinha existido e nada. Há pessoas que diriam que eu teria sido assassinada. Para mim seria a nao existencia. Para mim nao existir e morrer nao é a mesma coisa. Relativamente ao que eu era nessa altura em que o meu pai duvidava, a discussao parece-me tao descabida como discutir o sexo dos anjos.

Eu votaria "sim" se pudesse, os meus pais disseram-me que votam "sim". Para mim, tem mais relevancia pensar nos que existem, nos que sentem, nos que tem consciencia, com tudo o que isso implica. Muitas vezes eu sinto, num amargor de coraçao, que se pensa mais no que nao existe, poderia existir ou no abstracto, do que nas pessoas de carne e osso. Eu sou pela pequena janela de oportunidade que este referendo dá, para a livre escolha da pessoa que está viva ao meu lado. Da mesma forma consciente e relevante que eu e o meu pai nos amamos porque ambos existimos. O resto é para o caso de eu querer escrever um livro de ficçao.

Convite para a vida

Há uma alínea da actual lei dos crimes contra a vida uterina, lá nas excepções, que a mim me causa arrepios. É quando dá a possibilidade de abortar até às 24 semanas em caso de mal-formação do feto. Há prematuros de 24 semanas que sobrevivem, ainda que com sequelas. Assim, fico transtornada com este pessoal do "Não" a afirmar a vida, a vida é desde a concepção, é para proteger! Parece que sim, desde que seja cem por cento como a maioria de nós. Mediana na normal e se não estiveres como deve ser, adeusinho, nem que o aborto já seja mais um parto. Se bem que pelo que escrevem, parece que o pessoal do "Não" ainda não se deu conta. Eles por vezes parecem desconhecer a actual lei. Isso ou hipocrisia. Mas quando finalmente derem conta, contem comigo para baixar este limite. Ok? Alegrar-me-ia vê-los a lutar realmente pela vida e dignidade da pessoa humana.


P.S.: já agora, isto é verdade?: O secretário-geral do PCP acusou sábado «as forças pró-não» no referendo do aborto de demagogia ao defenderem maior apoio à família, já que estiveram silenciosas quando a reforma do Código do Trabalho reduziu a licença de maternidade, escreve a Lusa.
«Onde estavam quando a reforma do Código do Trabalho promovida por Bagão Félix, ele próprio defensor do Não, veio reduzir a licença de maternidade e o carácter universal do abono?
Só me dais desgostos.

Sour Times

domingo

Porque sim, pá

Ontem encontrei um tuga numa festa. Dez minutos de conversação e passamos o resto da festa a evitarmo-nos. Para além de ignorante orgulhoso, há aquela postura do Portugal atrasado e quando "explica" (entre aspas, porque nao houve realmente explicaçao, houve uma enumeraçao de cliches) porque acha o país atrasado compreende-se que mais do que o país, o tipo é que é atrasado. Ah, ele é pelo sim no referendo, que ele nem sabia que ia acontecer, porque... Porque é moderno. Tão a ver? A razão é essa. Ele é pelo "Sim" porque os países não atrasados são pelo "Sim". Enfim...

sábado

My state of mind



The sound, not the lyrics.

sexta-feira

Quando o sonho nasce acorda para a realidade de ser pessoa e se for mulher digam-lhe que vale menos que o esboço.

leiam isto

Escolhas

Nao entendo o amor por um esboço sem sentir quando em detrimento do amor pelo próximo ao meu lado. Ou seja, o amor pela fantasia (porque pensais no esboço ou no que pensais será o esboço?) em detrimento do amor pela realidade. Ou seja, a escolha de nao ver a pessoa que sente, que sofre, que erra, que chora, para preferir o sonho. E no sonho toda a gente ri. Sao tao bons os sonhos.

fodinha

Coisas que nao entendo

Eu vejo por aí gente que tem uma opiniao generalizada das mulheres tao má, que nao entendo como é que podem querer que elas sejam maes.

A vida é uma viagem que aceito sem condiçoes



Capitão Romance
Ornatos Violeta

Não vou procurar quem espero
Se o que eu quero é navegar
Pelo tamanho das ondas
Conto não voltar
Parto rumo à primavera
Que em meu fundo se escondeu
Esqueço tudo do que eu sou capaz
Hoje o mar sou eu
Esperam-me ondas que persistem
Nunca param de bater
Esperam-me homens que desistem
Antes de morrer
Por querer mais do que a vida
Sou a sombra do que eu sou
E ao fim não toquei em nada
Do que em mim tocou

Eu vi
Mas não agarrei

Parto rumo à maravilha
Rumo à dor que houver pra vir
Se eu encontrar uma ilha
Paro pra sentir
E dar sentido à viagem
Pra sentir que eu sou capaz
Se o meu peito diz coragem
Volto a partir em paz

Eu vi
Mas não agarrei

quinta-feira

jogar a feijoes

Agora a malta da blogosfera de referencia entrou naquela fase que se pode comparar aos duelos de comida na cantina da escola. Assim, deixemo-los.

A Helena matutou no que vai ser levado a referendo a 11 de Fevereiro. Vale sempre a pena ler os matutos da Helena.

P.S.: encontrei um excerto soberbo de outro texto do JPP [o anterior]. Digamos que existe uma melhoria de opiniao prós meus lados relativamente a este senhor. Demonstra uma sensibilidade aguda do que significa o aborto para as mulheres. Estou quase a admirá-lo. Poramordedeus, que venha o dia onze depressa!

P.S.2: Falei cedo demais. Parece que o JPP no que falta do tal texto faz a sua habitual moralizaçao. Aquela que chateia até dar mosca. E os do "Sim" estao danados. Nao me apetece fazer as ligaçoes, mas em caso de interesse por ler despeitados: "arrastao" e "cinco dias". Nao sao textos interessantes, mas deram-me pelo menos o descanso de que o JPP continua a mesma pessoa que eu posso nao gostar calmamente.

quarta-feira

O grito no monte

Enquanto leio o último livro do Lobo Antunes, e como já me aconteceu antes a ler livros destes, eu penso que este livro foi escrito por uma necessidade funda de arrumaçao de sentires. Posso estar errada, possivelmente estou, mas imagino o acto de escrita para alguns escritores como o que o sonho é para o nosso cérebro: uma necessidade para manter a sanidade.

Confesso que procuro respostas. De novo estarei profundamente enganada. Poderei estar enganada de muitas formas; nem respostas, só perguntas, nem perguntas.

Depois do acto de escrever importar-se-á o escritor com o que acontece com o livro? Pensará como é que estará a ser interpretado? Se alguém lhe captará o significado, se alguém lerá o seu espectro?

Importo-me eu como vós interpretais as minhas frases? Nao. Mas há algo na escrita, como um grito num monte que faz eco no vale, que nos liberta de algum do peso. Nada resolvido, nada respondido, mas a sanidade mantém-se por mais um tempo.

terça-feira

por mais que faça nao me sai este sabor da boca de vidro e sangue

Caso de estudo: as pessoas felizes sao intrometidas

Parlamento dinamarquês apela ao "sim" no referendo em Portugal



No artigo Why danes are smug: comparative study of life satisfaction in the European Union.

Se tem preguiça de ir ler eu digo-vos a razao dos dinamarqueses serem os mais satisfeitos: sao optimistas, satisfeitos com o que tem. Agora reparem bem a "pole position" dos portugueses. É que só reclamais!

segunda-feira

aqui vai, caríssima

Dizes que sou incrível e parece que sou incrível
e toda a gente acha que sou incrível e parece que
neste meu papel de incredibilidade nao consigo
enquadrar-me no mundo.
Poderia concluir que nao há lugar no mundo para os incríveis.
Mas isso parece-me mal.
Eu pareço incrível, mas só sou estuque a cair sobre a cabeça das pessoas
que acham incrível que haja estuque a cair do céu.


Beijos.

Assim se dizia, em Abril de 1982

"O acto sexual é para ter filhos." - disse na Assembleia da República, no dia 3 de Abril de 1982, o entao deputado do CDS Joao Morgado, num debate sobre a legalizaçao do aborto.

Assim publicou, o Diário de Lisboa, a 5 de Abril desse ano, a resposta de Natália Correia em forma de poema:

Já que o coito, diz Morgado,
tem como fim cristalino,
preciso e imaculado
fazer menina ou menino;

e cada vez que o varao
sexual petisco manduca,
temos na procriaçao
prova de que houve truca-truca.

Sendo pai só de um rebento,
lógica é a conclusao
de que o viril instrumento
só usou, parca raçao!

uma vez. E se a funçao
faz o órgao, diz o ditado,
consumada essa excepçao,
ficou capado o Morgado.


Recebido por meile (sim, eu gosto desta palavra, ninguém tem nada a ver com isso e vao mas é salazarar pra outro lado).

A boa vontade dos apaixonados

Um amigo meu ve-me e agradece-me eu ter nascido. Eu saliento a minha completa nao participaçao no processo e ofereço-me para lhe dar o número de telefone dos meus pais. Ele faz um trejeito divertido e sai esvoaçando pela janela.

P.S.: Da maneira que isto anda, sinto-me numa festa em que está tudo bebado, excepto eu. Felizmente ando a ler o último livro do António Lobo Antunes.

domingo

say no



ceguetas, cliquem para aumentar


mais aqui

POsso também intitular este poste como "as várias facetas de um nao", tornando mais claro que estou de uma forma macarrónica de mistura de tudo o que me vai na cabeça, a pensar no referendo. Perdoem-me, ando a ler o último romance do António Lobo Antunes.

sexta-feira

Cabroes

É nestes momentos que eu percebo as minhas amigas que veem a IVG como uma luta da mulher. Que veem a penalizaçao nao como a protecçao da vida, mas como uma mordaça. Vida é só para disfarçar. Quando eu leio a mentalidade que aqueles juízes ali embaixo vomitam eu dou-lhes razao. A discussao 'a volta da IVG nao é sobre vida! Eu nao tenho dedos para contar o nr. de tarados que de várias formas e feitios se exibiram, se masturbaram 'a minha vista e me apalparam. Eu visto-me como uma hippie montanheira, nao sou especialmente bonita ou elegante, nao uso mini-saia ou decotes, nao me pinto e sou tao rato de biblioteca que raramente me dou conta do que existe 'a minha volta, portanto, expliquem-me aqueles idiotas porque é que eu nao escapei, segundo a sua mentalidade sebosa, porque é que eu nao tenho dedos para contar os sustos que apanhei durante a minha vida? E sinceramente nao digo mais nada, que estou em vias de aspergir uma data de asneiras.

Eu desisto

do país que tendes.

p.s.: permisso, que eu vou ali ter um ataque de raiva.

Oh sr cónego

desculpe lá, que eu nao o conheço de lado nenhum, podia mas era mostrar a circular de Deus? Obrigado.

p.s.: e uma excomunhao prós juízes ali de cima? Arranja-se?

quarta-feira

Caso Torres Novas

Cá estou a retratar-me. Afinal o pai biológico nao foi enganado.

Talvez a publicidade deste caso venha sensibilizar os adoptantes para o perigo da entrega directa de uma criança. Normalmente nao há problemas, mas precavenham-se e cumpram os tramites legais em que a mae efectivamente passa a criança. Porque se houver alguem que se lembre de opor-se é este nó. A família biológica tem muito poder na legislaçao para menores.

E a próxima vez que me irritar respiro dez vezes.

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p.s.: um daqueles casos em que deviamos ter estado calados. -> Texto Integral do Acórdão.

Obrigado.

terça-feira

A estúpida procura da felicidade

Vídeo imperdível de uma palestra do psicólogo Dan Gilbert, de Harvard.

Tanto mundo lá fora


No Chade, novembro de 2006, pessoas fugidas de ataques de milícias árabes. Foto de Kadir van Lohuizen

Selecçao da Human Rights Watch para o seu relatório de 2007.



Janeiro de 2006, Mikhail Baryshnikov, fotografado por Annie Leibovitz.


Selecçao Vanity Fair para o ano de 2006.

Grécia, 1963

O melhor de Elliott Erwitt, na Magnum.

sexta-feira

Vem, senta-te ao meu lado.

Gosto-te.

Isto dá pra resoluçao do ano 2007...



Devil May Care, Diana Krall

No cares for me
I'm happy as I can be
I learn to love and to live
Devil may care

No cares and woes
Whatever comes later goes
That's how I'll take and I'll give
Devil may care

When the day is through, I suffer no regrets
I know that he who frets, loses the night
For only a fool, thinks he can hold back the dawn
He was wise to never tries to revise what's past and gone

Live love today, love come tomorrow or May
Don't even stop for a sigh, it doesn't help if you cry
That's how I live and I'll die
Devil may care

quinta-feira

Anedotas do Leste

Num comboio viajavam Stalin, Khrushchov, Brejnev e Gorbatchov. A certa altura o comboio pára e assim fica. Após algum tempo Stalin impacienta-se e estrebucha: "Deviamos fuzilar o maquinista!". "Niet, basta reabilitá-lo." - diz Khrushchov. "Fechemos as cortinas e façamos de conta que ainda estamos a andar" - interpoe Brejnev. "Olhem. E se saíssemos e empurrássemos?" - propoe Gorbatchov.

Na Roménia dois homens estao numa bicha para comprar pao. Após horas um deles impacienta-se: "Estou farto disto, deste sistema! Vou matar Ceausescu!". E vai-se embora. Duas horas depois retorna. "Entao? ". "A bicha lá ainda é mais comprida que esta."

- Alembradas de um documentário sobre o humor no leste europeu.

quarta-feira

Assino por baixo

«o estado garante» (argumentário liberal contra o direito fundamental ao aborto 1)

p.s.1: Como o CAA do mesmo blogue afirma, esta é uma questao a jusante do actual referendo. Eu votaria "sim" (nao posso votar que sou emigra); contudo, sou contra a tomada de responsabilidades colectivas, com excepçao no caso de perigo para a saúde da mulher, quer física quer psíquica. Por alguma razao se há-de chamar Sistema Nacional de Saúde. Que o SNS hoje se responsabilize pelas consequencias do aborto clandestino é exactamente na defesa da saúde de quem a tem em perigo. O "sim" neste referendo serve exactamente para eliminar esta situaçao.

p.s.2: argumentário liberal contra o direito fundamental ao aborto - 2

"Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"

Na pergunta nao se define a participaçao do SNS, pelo que posteriormente, em caso de "sim", este nao poderá ser visto como apoio ao aborto no SNS.

Que o governo, na pessoa do ministro da saúde, esteja a realizar a política da asneira concordo, mas a oposiçao a essa asneira nao pode ser feita 'as custas do "sim" a uma pergunta que nao inclui a asneira.

Discriminaçao

Nao posso votar.

terça-feira

Babel


Babel, o filme, é como entrar numa loja de bric-brac: muita coisa, muita pantomineirice, muita parra... mas lá pelo meio há descobertas, por entre movimentos pode ser que se aviste algo que valha mesmo a pena. E sim, há coisas no filme que valem a pena, nem que seja a sensaçao com que se fica quando se sai da loja, de uma procura que deu gosto, ainda que o dono da loja tenha andado atrás de nós a manipular-nos claramente. Estas coisas prefiro-as subtis.

O filme nao é exactamente descomunicaçoes linguísticas. É nao existir comunicaçao. Mesmo quando se fala a mesma língua. Cada partícula aninha-se em si mesmo e nao fala e nao ouve. Os turistas americanos olham pelas janelas do autocarro um mundo estranho. O casal discute e anseia. Os marroquinos seguem com os olhos e os pés os estranhos americanos. Os americanos temem os mexicanos e estes os americanos. A rapariga japonesa vive isolada na sua língua. O pai nao fala com o filhos. O polícia e o condutor provocam-se. O filme nao é Babel, nao é a cidade das muitas linguas num sítio. O filme sao tres histórias e cada um fala para dentro. Na Babel a compreensao nao vem pela boca.

No fundo, no fundo, Babel que dá a ideia de um vasto cenário, é um filme limitado a um universo muito mais pequeno: ao de cada indivíduo, 'a sua noite e 'as luzes que a iluminam. E isso, para cada um de nós, nao é 'a distancia de continentes. E' na distancia de um abraço, de um beijo, de maos a tocar-se, de lágrimas vertidas sobre quem se quer mais que 'a vida.

P.S.: vi a apresentaçao do filme de que falas. Pareceu engraçado. Ficamos a saber a razao do bigode do Hitler. O uso do humor nao é em princípio contrário a tema algum. Bem pelo contrário. É nos assuntos mais difíceis que o humor pode abrir portas de discurso que nao se consegue de outra forma. Contudo, ainda nao vi o filme e nao sei ainda o seu valor. Hitler nao deve ser tema tabu, muito menos na Alemanha. Eu penso que os alemaes precisam destes filmes e nao se ponham com teorias de que estao a tentar limpar a imagem do facínora. Vejam isto como catarse e tentem fazer o mesmo relativamente aos vossos fantasmas.
iraque

segunda-feira

Interrupçao da Gravidez: a lei actual

A LEI ACTUAL DIZ:

CAPÍTULO II
Dos crimes contra a vida intra-uterina
Artigo 140.º
Aborto
1 - Quem, por qualquer meio e sem consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.
2 - Quem, por qualquer meio e com consentimento da mulher grávida, a fizer abortar é punido com pena de prisão até 3 anos.
3 - A mulher grávida que der consentimento ao aborto praticado por terceiro, ou que, por facto próprio ou alheio, se fizer abortar, é punida com pena de prisão até 3 anos.

Artigo 141.º
Aborto agravado
1 - Quando do aborto ou dos meios empregados resultar a morte ou uma ofensa à integridade física grave da mulher grávida, os limites da pena aplicável àquele que a fizer abortar são aumentados de um terço.
2 - A agravação é igualmente aplicável ao agente que se dedicar habitualmente à prática de aborto punível nos termos dos n.os 1 ou 2 do artigo anterior ou o realizar com intenção lucrativa.

Artigo 142.º
Interrupção da gravidez não punível
1 - Não é punível a interrupção da gravidez efectuada por médico, ou sob a sua direcção, em estabelecimento de saúde oficial ou oficialmente reconhecido e com o consentimento da mulher grávida, quando, segundo o estado dos conhecimentos e da experiência da medicina:
a) Constituir o único meio de remover perigo de morte ou de grave e irreversível lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida;
b) Se mostrar indicada para evitar perigo de morte ou de grave e duradoura lesão para o corpo ou para a saúde física ou psíquica da mulher grávida e for realizada nas primeiras 12 semanas de gravidez;
c) Houver seguros motivos para prever que o nascituro virá a sofrer, de forma incurável, de doença grave ou malformação congénita, e for realizada nas primeiras 24 semanas de gravidez, comprovadas ecograficamente ou por outro meio adequado de acordo com as leges artis, excepcionando-se as situações de fetos inviáveis, caso em que a interrupção poderá ser praticada a todo o tempo;
d) A gravidez tenha resultado de crime contra a liberdade e autodeterminação sexual e a interrupção for realizada nas primeiras 16 semanas.
2 - A verificação das circunstâncias que tornam não punível a interrupção da gravidez é certificada em atestado médico, escrito e assinado antes da intervenção por médico diferente daquele por quem, ou sob cuja direcção, a interrupção é realizada.
3 - O consentimento é prestado:
a) Em documento assinado pela mulher grávida ou a seu rogo e, sempre que possível, com a antecedência mínima de 3 dias relativamente à data da intervenção; ou
b) No caso de a mulher grávida ser menor de 16 anos ou psiquicamente incapaz, respectiva e sucessivamente, conforme os casos, pelo representante legal, por ascendente ou descendente ou, na sua falta, por quaisquer parentes da linha colateral.
4 - Se não for possível obter o consentimento nos termos do número anterior e a efectivação da interrupção da gravidez se revestir de urgência, o médico decide em consciência face à situação, socorrendo-se, sempre que possível, do parecer de outro ou outros médicos.
Contém as alterações introduzidas pelos seguintes diplomas:
- Lei n.º 90/97, de 30 de Julho
Consultar versões anteriores deste artigo:
- 1ª versão: DL n.º 48/95, de 15 de Março

foi-me mandado pel'o timoneiro perdido.

o Ausente

Tu, Ausente que é preciso amar…

final que nos escapa e perseguimos

como sombra de um pássaro pela vereda:

não mais quero buscar-te.


Vibrarei sem quase olhar a minha flecha,

se a corda do coração não estiver tensa:

o mestre d’arco zen assim me ensina

ele que há três mil anos Te observa.


Cristina Campo (1923-1977) -> X

domingo

Mal empregado


de José Bandeira

Um homem que se interessa pelos lagos de metano num satélite de saturno? Isso é que era bom!

sábado

O humor de Sasha Baron Cohen

[...] Of course, far from being retarded, the character Ali G possesses an abundance of street smarts and cunning. His mind, however, appears to have been entirely untouched by any trace of education, setting up a cultural divide that always proves unbridgeable and usually leaves his guests sputtering.

Interviewing the former American astronaut Buzz Aldrin, for example, Ali introduces him as the man who walked on the moon with “Louie Armstrong,” asks Aldrin whether he is not “upset that Michael Jackson got all the credit for inventing the moonwalk,” and inquires whether people will ever walk on the sun. “No, it’s too hot,” replies Aldrin. “I mean in winter,” corrects Ali patiently.

Another American guest, a representative of the Drug Enforcement Agency, warns youngsters of the dangers of substance abuse. Speaking of hashish, he explains that it “slows your ability to learn . . . your brain just really slows down.” Ali: “And are there any negative effects?” When the agent remarks that drugs seized by the agency are incinerated, Ali is perplexed: “Why aren’t they given to charity?” [...]

The instant success of Borat no doubt owed something to the assistance unintentionally supplied by the government of Kazakhstan. Just before its release, the president of that country arrived in Washington for a state visit with the man whom Borat invariably refers to as “Premier Bush,” and was reported to be planning to voice his displeasure at Baron Cohen’s antics. For its part, the Kazakh embassy called a press conference to refute what it was sure would be the movie’s misrepresentations; with presumably the same end in view, a four-page ad was taken out in the New York Times to extol the country’s modernity.

Baron Cohen seized upon all this to call a press conference of his own, in which, in his persona as Borat, he accused the Kazakh embassy spokesman of being an “Uzbek imposter” and denounced the ad in the Times for its “disgusting fabrications” that women and minorities enjoy equality in Kazakhstan. If Uzbekistan did not cease such provocations, he warned, Kazakhstan would attack “with our catapults.”[...]

It is the world represented by Borat himself, which is not really Kazakhstan but the third world in general and the excruciatingly respectful attitude that our own world, represented by the Americans whom Borat encounters, maintains toward it.

As the movie makes wholly explicit, the differences between those two worlds are in fact all too real. They consist not only in disparities of wealth but also in something less readily mentioned: namely, the respective quality of social norms, especially as these are evidenced in the treatment of Borat’s two favorite topics, women and minorities.

As if to confirm the accuracy of Baron Cohen’s darts in this direction, two Kazakh doctoral candidates currently studying at U.S. universities gave an interview to the Chicago Tribune in an effort to correct the false impressions of their homeland conveyed by the movie. Asked whether Kazakhs do sometimes kidnap brides, a feat Borat attempts with Pamela Anderson, one replied: “Yes, it still happens occasionally in our country—[but] mostly in the south, never in the north.” Besides, he added, it only happens “if a boy likes a girl and he and his family do not have enough money to pay the bride price.” Oh, well, in that case . . .

This raises another subject of concern to the critics. In ridiculing such sensibilities and practices, Baron Cohen makes relentless use of the rhetoric of anti-Semitism.[...]

Given that Baron Cohen is himself a Jew, and is reported to maintain some degree of religious observance, this has become the most controversial motif of his film. A statement by the Anti–Defamation League expressed concern that “the audience may not always be sophisticated enough to get the joke, and some may even find it reinforcing their bigotry.” By contrast, others have applauded Baron Cohen for delivering what they see as an effective slap at anti-Semites or, indeed, as laying bare the anti-Semitism that may be lying just beneath the surface of ordinary American life.[...]

At first I thought the ADL’s complaint absurd. Anyone who fails to realize the satiric purpose of Borat’s Jew-baiting must be as retarded as I once took Ali G to be. On second thought I am not so sure. It does seem possible that the license Baron Cohen has claimed for himself could open space for other comics to make jokes in which it is less clear who exactly is the butt, the anti-Semite or the Jew.

On the other hand, the argument that Borat strikes a blow against an already existing anti-Semitism among Americans leaves me cold. Today’s anti-Semitism is rooted in hatred of Israel and in contempt for Diaspora Jews who support Israel. The old, superstitious belief that Jews sprout horns or poison wells—the focus of Baron Cohen’s satire—no longer cuts deep, and certainly not in this country.[...]

In any case, the preoccupation with Borat’s preoccupation with the Jews has obscured another aspect of Baron Cohen’s routine. While American Christians are the best friends of the Jews, the Muslim world is rife with hostility toward them. “Ali,” as in Ali G, is a Muslim name. Kazakhstan is historically a Muslim country, although Soviet policies of Russification reduced the percentage of Muslims to no more than half. We live in a time when throwing Jews, or the Jewish state of Israel, “down the well” has gained the status of official Islamist policy. Is it wise for a Jewish comic to be tiptoeing so close to mockery of Muslim characters? [...]


Joshua Muravchik

sexta-feira

No fio da navalha

Quando fui a Portugal ouvi várias pessoas a dizerem que a lei actual já basta, que é só preciso faze-la funcionar. Eu concordo. Os casos que me parecem justificar moralmente a prática do aborto parecem-me incluídos nas tais excepçoes da lei. Só que nao funciona e há sempre histórias novas, nomeadamente no que concerne a violaçoes, que entre papelinhos para trás e para a frente, o prazo ultrapassa-se e nao se faz o aborto. Eu nao sei se as pessoas que andam no pingue-pongue burocrático o fazem de propósito. Nao sei, mas se calhar encostam-se. E atirem-me uma pedra se faz favor, mas tenho a impressao que os médicos ainda estao no mundo da quantidade e nao da qualidade. A vida é conseguir respirar, o resto nao lhes interessa nada. Estou a generalizar uma cultura do ser-se médico, que acho bem que mude. Uma vez soube de uma história de uma toxicodependente que também era extremamente fértil. As assistentes sociais a receber todos os anos um rebento resolveram pedir a esterilizaçao da senhora. Os médicos responderam que nao podiam pois ela era demasiadamente nova. Que ela nao conseguisse controlar a sua capacidade produtiva, que ela nao conseguisse criar os filhos, que ela nao se dispusesse a dá-los para adopçao ou que o próprio sistema jurídico de protecçao aos menores nao funcione pelos menores ou que os menores estivessem a ser empilhados em instituiçoes sociais nao lhes interessou mesmo nada. É por estas e por outras que eu sou pró-escolha. O meu pró-escolha é pragmático. A dependencia de um sistema destes (médico, jurídico, social) para tomar decisoes nao se justifica quando o bónus do erro é principalmente, nomeadamente, praticamente privado. Prefiro que seja dado o poder de escolha aos indivíduos que a uma estrutura destas. Penso que as injustiças serao menores. O máximo possível das vidas de cada um deve ser posto sobre a sua alçada e até, neste caso 10 semanas, para mim, justifica-se dar prioridade aos indivíduos que 'a potencialidade de indivíduo. Isto é o fio da navalha. Todo o pensar da IVG, para mim, é no fio da navalha.

Os cheios de vida

de todos os argumentos esdrúxulos do não (desculpem lá a falta de, como dizer?, amabilidade dialogante ou mais propriamente hipocrisia diplomática, mas a mim soam-me todos do mais esdrúxulo que se possa imaginar), o que mais me deixa boquiaberta é o daqueles que frisam a semelhança entre a lei espanhola e a portuguesa e defendem que não é preciso mudar a lei portuguesa porque esta poderia e deveria ser aplicada 'como em espanha'.

como em espanha, portanto, permitindo-se às mulheres que abortem 'a pedido' até às 12 semanas alegando razões de saúde psíquica? é mesmo isso que estas pessoas querem? é isto que querem dizer?

teremos pois de concluir que para estes defensores do não, a proposta referendária peca por dois motivos: prazo demasiado curto e excesso de honestidade. nenhum problema, então, em que as mulheres abortem até às 10 semanas (estes queridos até acrescentam duas de bónus) desde que pareça que não é por decisão delas.

a não ser, claro, que quem assim argumenta esteja a apostar no que é óbvio -- uma lei em vigor há 23 anos e há 23 anos aplicada de uma determinada forma nunca será aplicada de outra maneira.

que tal serem mulherzinhas e homenzinhos e assumirem, de uma vez por todas, o que realmente querem e o que realmente os apavora?


Este pessoal do "nao" enterra-se a um ritmo que os do "nim" ainda os hao-de ter de salvar e fazer-lhes boca-a-boca. Eu por mim, que geralmente ando pelo "nim" e vou ouvindo os dois lados, ainda nao li nada de geito do lado deles e nao me apetece nada salvá-los (sendo o salvamento aqui, o limpar um pouco da vergonha das suas racionalizaçoes).

Ontem li no Público sobre um agrupamento de humanos pós-parto que sendo pelo "nao", se declarava de pró-vida. Seguramente eu partilho algumas ideias deles e seguramente nao partilho doutras. Um dia destes escrevo aqui a minha posiçao sobre o assunto, que eu sendo pró-escolha e pró-vida (sendo esta última redundante já que praticamente todos nós somos pró-vida, seja qual for a nossa resposta no referendo), também tenho os meus pontos em comum com os defensores do "nao" e também eu prioritarizei sensibilidades.

O que a mim me chateia nesta gente é a hipocrisia e a desonestidade. Nesta discussao dizer-se pró-vida, colocando-se isso em contra-ponto com os que nao concordam com eles, é ofensivo. Eu pelo menos sinto-me ofendidíssima. No mesmo nível de repulsa com que me sinto quando vejo as senhoras com as barrigas expostas e dizeres "esta barriga é minha", como se estivessemos a discutir fisiologias, numa reduçao do ser-humano e, por arrastamento, do que é viver numa sociedade. Eu nao me bato pelo direito absoluto. Nao há direitos absolutos. Quem os quiser deve mudar-se para uma ilha e morar sozinho.

Dizer-se pró-vida neste ambito é tao significativo como ser-se pró-atmosfera ou pró-entropia. Isso só tem significado como insulto. Considero-me insultada e cada vez menor é o meu respeito por esta trupe cheia de vida, mas falha de juízo.

quinta-feira

sou egoísta na dor
ou sou delicada na dor
ou sou respeitosa na dor
ou sou ciosa na dor

há a perda e a ausencia
partilhar a ausencia e a dor
é contaminá-la
no momento do adeus

o adeus é de mim para ti
que já aqui nao estás
é entre mim e eu
que vou viver sem ti

mas nunca entre a minha dor
e os outros
a minha dor e a tua ausencia
serao fieis no adeus

nao há convençao
nao há expectativa
nao há imposiçao
nao há nada de fora que me vá retirar do nosso adeus

porque, e já dizia alguém antes de mim,
a morte nao existe
só existe eu que morro e tu que morreste.

quarta-feira

O lar

Nós dependemos obliquamente do que nos rodeia para, por um lado, dar consistencia aos nossos estados de alma e 'as ideias que respeitamos e, por outro lado, para nos lembrar dessas mesmas ideias e estados de alma. Nós procuramos que os edifícios que habitamos nos retribuam como um molde psicológico, uma visao pessoal que nos apoie. Nós dispomos 'a nossa volta formas materiais que nos comunicam o que necessitamos interiormente (mas estamos sempre em risco de esquecer). Nós viramo-nos para o papel de parede, os bancos, as pinturas, as ruas, para evitar o desaparecimento do nosso verdadeiro eu.

Aqueles lugares que reflectem e legitimizam a nossa visao interior servem-nos de lar. Esse lar nao é necessariamente o local que nos serve de casa ou onde depositamos as nossas roupas. Falar de lar em relaçao a um edifício é simplesmente reconhecer a sua harmonia com a nossa própria cançao interior. O lar pode ser um aeroporto ou uma biblioteca, um jardim ou um restaurante 'a beira da auto-estrada. O nosso amor por um lar é um reconhecimento de até que ponto a nossa identidade nao é auto-determinada. Precisamos de um lar no sentido psicológico tanto quanto precisamos de uma casa no sentido físico: para compensar uma vulnerabilidade. Precisamos de um refúgio onde colocar os nossos estados de alma, porque tanto do mundo é oposto 'as nossas causas. Precisamos do "nosso cantinho" para que nos alinhemos com as versoes desejáveis de nós e para manter viva a nossa parte importante e evanescente.

Provavelmente foram as grandes religioes mundiais que mais pensaram o papel do que nos rodeia na determinaçao da identidade e assim - ainda que raramente construindo locais onde facilmente pudessemos adormecer - mostrando a maior das simpatias pela nossa necessidade de um lar. O princípio fundamental da arquitectura religiosa tem as suas origens na noçao que onde estamos determina de forma crítica o que somos capazes de acreditar. Para os defensores da arquitectura religiosa nós, ainda que muito convencidos intelectualmente do nosso compromisso com os ditames do credo, só permaneceremos fieis a essa devoçao se esta for continuamente afirmada pelos nossos edifícios.

The Architecture of Happiness, Alain de Botton, Pantheon Books, NY, 2006, págs 107-108.

Traduçao minha.

O caminho da vergonha

Andei arredada das notícias da execuçao de Saddam Hussein. Há um cansaço meu, neste caminho longo desde o anúncio da administraçao americana da guerra contra o terrorismo. O descrédito de quem governa os americanos e de uma Europa que pilreia, que chilreia, que anda em pontas. Estes EUA que se tornaram a caricatura do idiota da aldeia a quem deram uma bazuca. Nesta colisao, o que fica é a facilidade com que se convence os cidadaos de Estados de direito, que os princípios base que os definem ou deveriam definir nao interessam nada. A tomada de pessoas e submissao a práticas bárbaras, a tortura, a prisao sem julgamento sao admissiveis, basta que se deslocalize a prática. Os meios nao interessam, os fins é que interessam e esses nao se sabem muito bem, em histórias conspirativas, em histórias da carochinha apaziguadoras de consciencias. Depende da sensibilidade. Em caso de eczema atópico pode-se acreditar na democracia, o maná.

A execuçao do Saddam Hussein é mais um passo no caminho da vergonha. E ainda relativamente ao Saddam Hussein, o seu julgamento já tinha sido um passo, o processo de apelo mais um passo apressado e as suspeitas que ficam mais uns tantos. Os americanos continuam a afundar-se em erros de julgamento, pensando que a morte do ex-ditador iria acalmar o conflito sectário.

Entre tanta morte e miséria, será que alguém vai aprender algo neste caminho de lodo? Ou vai esta civilizaçao ocidental ignorar as nódoas no que é hoje a fantochada dos seus ideais? A execuçao do Saddam Hussein nao prenuncia respostas positivas.

P.S.: temos novo secretário geral das naçoes unidas. Pensei que a quota de idiotas estava preenchida, mas infelizmente há sempre lugarzinho para mais um.

terça-feira