segunda-feira

O Presidente não-profissional

Já há algum tempo que a minha ligação aos assuntos correntes de Portugal é feita pelo programa Governo Sombra. O que é idiota, mas estou em boa companhia. Portanto, quem já considero o meu anti-pessoa, está indignado porque o Presidente da República não ganhará salário nos próximos cinco anos. Isto porque já não se pode acumular reformas com salários e o Cavaco Silva teve de escolher e escolheu o que era maior: as suas duas reformas. Segundo ele, 1) assim o nosso presidente é um amador e não um profissional. Esta para mim é nova. Eu não sabia que haviam Presidentes da República profissionais. Sendo assim, não entendo as últimas eleições. A escolha de um Presidente da República devia ser por concurso público de licenciados em presidência da república. Esta é mais uma grave lacuna nas nossas universidades. Segundo ele, 2) o voluntariado é um acto sem brio, em que o adjectivo de incompetente não se aplica. Um voluntário é alguém de que não se pode esperar muito. Portanto, o salário é-nos pago na expectativa de que ganhando dinheiro não fazemos merda. O que também é uma ideia interessante que não me tinha passado pela cabeça. Como anti, o que me indigna é que se possam receber duas reformas e trabalhar. O que é uma reforma? É, parece, um prémio vitalício de certos locais de trabalho. Isto indigna-me. Principalmente, porque tendo sido Cavaco Silva o Presidente e o Ministro que foi, prémios é coisa que eu não imagino que ele mereça. E mesmo em regime de voluntariado, este homem fica caro demais.

Como diria o outro: agora besuntem-se

Dá-me muita tristeza o resultado eleitoral de ontem. O que mais me torce as vísceras é que durante cinco anos lá estará o lembrete dos limites estreitos do país chamado Portugal. Viver fora não conforta.

sexta-feira

Apaguem as luzes à saída

Sempre disse que não tenho problemas em morrer. O meu problema é sofrer. Mas andei a estudar o caso. Admito agora neste momento que me mete impressão que um dia não possa pensar, nem me rir, nem me chatear, nem amar, nem desejar que o mundo acabe num grande estrondo. Vou deixar de existir e o resto continua. Admito. Isto mete-me impressão. É desonesto do mundo continuar como se nada tivesse acontecido. Mas vou ser sincera: eu far-lhe-ia o mesmo se pudesse.

quarta-feira

Um caso de segundos

Dizem que os peixinhos dourados têm, o quê?, dez segundos de memória. Assim, os peixinhos surpreendem-se sempre com o mundo. Eu sou como os peixinhos dourados. Ou talvez não. Não é esquecimento o meu problema. O meu problema é aceitação. Pelo que acordo e surpreendo-me com a existência do mundo e eu no mundo. Surpreende-me sofrimentos repetidos. Surpreende-me o amor. Estou pior que Tomé: não posso tocar. Assim, vivo na dúvida de que esta seja a realidade. E a dúvida é reciclada a cada sete segundos.

terça-feira

Tristezas

O defeito que mais me custa a aturar é a hipocrisia. Tolero melhor um ateu sem compaixão que um católico. E no entanto, quando vou a Portugal dou-me conta da quantidade grande de católicos que parecem ter a religião como um seguro. Uma caixa de pedidos. Uma muleta do amor. É muito mais triste um católico sem fé que um ateu sem direção. O segundo está seguramente mais perto do destino.

quinta-feira

Hoje não

Dias de escorrer vidros pelos dedos. Dias de não raiva, nem dor, só descontrole controlado por entre suspiros gemidos. Abre-se a boca e um bafo quente descontente sobe matando ideias. Esvai-se o bip bip pelos olhos enquanto se imagina a queda. Dias de inverno por entre a frialdade das emoções. E amanhã vem sol.

terça-feira

Não abras a boca ou entra bolo-rei

É pena o Cavaco Silva não ser bonito. Se o fosse, era bem capaz de ninguém dar conta que ele quer fazer uma campanha eleitoral calado.

quinta-feira

Pestes

Viver é levantarmo-nos sempre. Há pessoas que são como homens-elástico. São pessoas que não caiem nunca, mas o cair é uma desculpa para apanhar pulsão para a subida. Detesto estas pessoas, como só um bom pessimista pode detestar otimistas. Ou a sensação de potencial violência que submerge um mal-humorado que encara um bem-humorado desprevenidamente. Estou a falar de mim. Não há como um bom-humorado para estragar um dia perfeitamente razoável.