terça-feira

Caminhando esperançosamente na direcção, quem diria, do futuro

Há uns anos queriam escrever na sebastiana constituição europeia uma frase que registasse que a Europa é cristã. Pareceu que quem queria escrever essa frase, o fazia com a mesma intenção com que alguém põe uma ferradura atrás da porta. Façam-se as mezinhas que se quiserem nas portas da Europa, a história da Europa é cristã. Mas a história é passado sobre o qual se vai construindo o futuro a que se chama presente. Portanto, parece que quando as pessoas exigem que se admita essa história, estão a exigir a cópia em série e não a evolução.

Já não somos todos cristãos. Os conceitos de pecado e salvação devem ter na sociedade secular o mesmo peso que os conceitos de reincarnação e nirvana. Tal como um hindu não pode reclamar isenção da justiça terrena, porque os seus crimes serão punidos por uma descida na escada de qualidade reincarnativa, também os cristãos não podem achar que o ciclo de prosternações até ao juízo final é uma excepção aceitável, porque estão aqui há muito tempo.

Felizmente, a cepa tem novos rebentos e os monges copistas morreram no passado.

quinta-feira

Vulcões pessoais

E num dia acordamos revestidos a sol, vestimo-nos de saia e vermelho, colocamos um lenço esvoaçante e sapatinhos leves e saímos como para uma festa às oito da manhã, hora a que noutros dias ainda estamos na cama a revolvermos de infelicidade. De passinho leve imitamos abelhas e borboletas, chegamos ao trabalho, arranjamos um café, colocamos música francesa, miramos as montanhas e suspiramos de contentamento. Escrevemos um poste, damo-nos conta que escrevemos no plural e sorrimos com a patetice, pomos um ponto final, publicamos e começamos o trabalho, tudo como se a perfeição fosse inquebrável.

quarta-feira

Calcanhar de Aquiles

Devo dizer que me sinto triste pelas tuas entradas no teu blogue sobre o último escândalo na igreja. Eu admiro nos teus raciocinios a procura da verdade e da justiça. Tens uma clareza de pensamento, que eu, por exemplo, não tenho. Parece que há limites para tudo e o teu é a tua religião.

Em primeiro lugar, desapontam-me os argumentos que pretendem calar o interlocutor, somente. Neste caso, a vitimização. Nós só criticamos porque é a Igreja Católica, senão não diziamos nada. Não diziamos nada sobre o abuso de crianças, porque afinal o que mais há é crianças abusadas e ninguém diz nada. Eu não sei que microcosmos da realidade portuguesa conheces Helena, mas no Portugal que eu conheço as crianças não são corriqueiramente abusadas e nunca presenciei qualquer comentário, acção ou intenção que desse a entender que o abuso de crianças é algo que devemos ignorar. Este fechar de olhos é ainda detectável em termos da violência doméstica contra mulheres, mas não crianças.

Este argumento é pérfido. Tu defines a sociedade portuguesa como uma sociedade que alberga a molestação de crianças! Porquê? Por causa do Caso Pia? O mais interessante, é que tu fazes este salto corajoso de generalização obscena e noutro ponto defendes que na Igreja Católica foi um caso de alguns individuos. Isto de saltos corajosos é só nalguns trampolins. Mas se eu generalizo para a hierarquia da Igreja Católica é porque há registos de altos responsáveis da Igreja Católica a delinar acções de acobertamento. A tua prova acerca da degeneração geral da sociedade portuguesa está aonde?

Mas noutro passo dizes que a protecção dada às crianças é recente. É verdade. É verdade que a criança é hoje vista com outros olhos, mas quando os crimes foram cometidos já eram crimes à luz da legislação da altura! Eu sei que a Igreja é antiga e que demora a acertar o passo, mas as vitimas ainda estão vivas! Se estivéssemos distraídos poderia parecer que estamos a desenterrar esqueletos e a acusar a Igreja Católica de torturas no Século XVI!

A tua defesa da Igreja Católica seria rapidamente e obviamente obscena se estivesses a liberar outros. Se alguém chegasse e argumentasse:

- Oh, Sr. Juiz, eu sei que fiz mal, mas não sou só eu.
- Oh, Sr, Juiz, eu sei que raptei aquela pessoa e a escravizei, mas sabe que é recente o respeito que se tem pela liberdade das pessoas.
- Oh, Sr. Juiz, eu sei que escondi e ajudei o criminoso, mas já pedi desculpa!

O que se está a observar é os membros da Igreja Católica serem objectores de consciência da lei criminal de vários países. Há outra organização com tal regalia? É nestes momentos, que se vê a delicadeza das nossas sociedades seculares, quão frágeis são ainda, que há dificuldade em não tornar especial o que aos olhos das nossas leis deveria ter o mesmo tratamento. Não é crime, é pecado. Noutro âmbito seria um escândalo óbvio, aqui desculpabiliza-se e misturam-se tempos, como se a Igreja vivesse no século XVI e a gente esqueceu-se de esperar por eles. Mas mais interessante: temos a obrigação de esperar. Coitados, aquilo é outro mundo. Ainda falam latim! Prova óbvia de uma deficiência que os exonera das leis de um país. É o mundo dos sacramentos, diz-se. São objectores de consciência, são incapazes mentais, são extra-terrestres, portanto, vivem além das leis dos países.

Um dos teus apontamentos causou-me calafrios. O que tu resolveste revolver na tua saga de defesa da Igreja Católica deixa-me sem respiração. Tu resolveste ir atrás da criança e usaste um argumento que já foi usado por um juíz portuguès num caso de abuso sexual, que na altura deixou-me quase em lágrimas de indignação. Para justificar a pena miserável que deu ao criminoso, uma das justificações era que o rapaz tinha catorze anos e, dizia o juíz, obviamente é mais grave abusar um miúdo de 6 anos, que um miúdo de 14 anos. Para mim isto não é nada óbvio, mas começo a chegar à conclusão, que a mentalidade reinante é essa. Pergunto-me se eu era a única pessoa de catorze anos que não era sedenta por experiências sexuais e que era mais fragilizada aos catorze que aos seis. Aos catorze tu sabes sem dúvidas que estás a ser abusado. Aos seis talvez. O juíz disse aquele óbvio sem apresentar qualquer avaliação psicológica do rapaz. As leis que existem para proteger os adolescentes dos adultos ao nível sexual, existem porque há os que ainda se lembram o que significa ser adolescente e para aqueles que já não se lembram, há pessoas a estudar esse período. É um período de imaturidade e crescimento e pensava que concordavamos em sociedade que é necessário protegê-los de abutres sexuais. Parece que a discussão agora anda a resvalar. Um dia destes, andamos a discutir as virtudes da educação espartana. Não sei é se ainda há montes bastante longe de um macdonalds para abandonar os putos de sete anos à sua sorte. Para os enregecer e preparar para a vida. Se as crianças encontrarem o pior logo no início, estão preparados para tudo. Só um ponto mais: crianças molestadas têm maior probabilidade de abusarem de crianças quando crescerem. Em vez de crianças, podem também pôr adolescentes antes. Depende da personalidade de cada um. Deve haver os que gostam. A adolescència é um momento de maturação, o segundo momento alto de construção cerebral. É altura de basear opiniões em factos quando eles existem e os estudos demonstram que os adolescentes precisam de guias e protecções. Não me parece que deixá-los à mercê de predadores sexuais seja uma boa ideia, tal como não acho uma boa ideia abandonar crianças de sete anos no cimo de um monte isolado.

Para terminar e até vou citar, que isto merece:

Há práticas "educacionais" nas famílias portuguesas que já hoje são consideradas crime noutros países europeus. Daqui a uns anos, acusarão as mães de não terem denunciado o marido por este bater nas crianças, como hoje acusam os bispos de não terem denunciado os padres.
Seria boa ideia estarmos muito atentos ao modo como falamos do papel dos bispos no escândalo da pedofilia, porque pode ser que se esteja a criar o modelo para o modo como daqui a uns anos falarão de nós (no nosso papel de pais ou de professores) por termos descurado as nossas responsabilidades no apoio às crianças que nos foram confiadas.


Eu sinceramente gostaria de saber que práticas "educacionais" são estas que são comparáveis a abusos sexuais de crianças! Dar um tabefe esporádico a uma criança? DEixá-las acordadas até tarde? A tua argumentação esperaria noutro blogue que eu definiria como intelectualmente desonesto. O que tu demonstras é que todos têm um calcanhar de aquiles, até aqueles que parecem racionais.

P.S.: É crime a violência física contra crianças na lei portuguesa. Eu gosto de pensar que há inteligência para ver a diferença entre o tabefe esporádico e o uso de agressão continuada sobre uma criança.

P.S.: Não sei se este foi um plano para me retirar da letargia e indignar-me, mas se foi, parabéns, conseguiste.

terça-feira

E assim na Páscoa, descobri

Miquel Barceló.



É muito raro descobrir novos mundos, pelo que assinalo aqui este singular momento.