Em primeiro lugar, desapontam-me os argumentos que pretendem calar o interlocutor, somente. Neste caso, a vitimização. Nós só criticamos porque é a Igreja Católica, senão não diziamos nada. Não diziamos nada sobre o abuso de crianças, porque afinal o que mais há é crianças abusadas e ninguém diz nada. Eu não sei que microcosmos da realidade portuguesa conheces Helena, mas no Portugal que eu conheço as crianças não são corriqueiramente abusadas e nunca presenciei qualquer comentário, acção ou intenção que desse a entender que o abuso de crianças é algo que devemos ignorar. Este fechar de olhos é ainda detectável em termos da violência doméstica contra mulheres, mas não crianças.
Este argumento é pérfido. Tu defines a sociedade portuguesa como uma sociedade que alberga a molestação de crianças! Porquê? Por causa do Caso Pia? O mais interessante, é que tu fazes este salto corajoso de generalização obscena e noutro ponto defendes que na Igreja Católica foi um caso de alguns individuos. Isto de saltos corajosos é só nalguns trampolins. Mas se eu generalizo para a hierarquia da Igreja Católica é porque há registos de altos responsáveis da Igreja Católica a delinar acções de acobertamento. A tua prova acerca da degeneração geral da sociedade portuguesa está aonde?
Mas noutro passo dizes que a protecção dada às crianças é recente. É verdade. É verdade que a criança é hoje vista com outros olhos, mas quando os crimes foram cometidos já eram crimes à luz da legislação da altura! Eu sei que a Igreja é antiga e que demora a acertar o passo, mas as vitimas ainda estão vivas! Se estivéssemos distraídos poderia parecer que estamos a desenterrar esqueletos e a acusar a Igreja Católica de torturas no Século XVI!
A tua defesa da Igreja Católica seria rapidamente e obviamente obscena se estivesses a liberar outros. Se alguém chegasse e argumentasse:
- Oh, Sr. Juiz, eu sei que fiz mal, mas não sou só eu.
- Oh, Sr, Juiz, eu sei que raptei aquela pessoa e a escravizei, mas sabe que é recente o respeito que se tem pela liberdade das pessoas.
- Oh, Sr. Juiz, eu sei que escondi e ajudei o criminoso, mas já pedi desculpa!
O que se está a observar é os membros da Igreja Católica serem objectores de consciência da lei criminal de vários países. Há outra organização com tal regalia? É nestes momentos, que se vê a delicadeza das nossas sociedades seculares, quão frágeis são ainda, que há dificuldade em não tornar especial o que aos olhos das nossas leis deveria ter o mesmo tratamento. Não é crime, é pecado. Noutro âmbito seria um escândalo óbvio, aqui desculpabiliza-se e misturam-se tempos, como se a Igreja vivesse no século XVI e a gente esqueceu-se de esperar por eles. Mas mais interessante: temos a obrigação de esperar. Coitados, aquilo é outro mundo. Ainda falam latim! Prova óbvia de uma deficiência que os exonera das leis de um país. É o mundo dos sacramentos, diz-se. São objectores de consciência, são incapazes mentais, são extra-terrestres, portanto, vivem além das leis dos países.
Um dos teus apontamentos causou-me calafrios. O que tu resolveste revolver na tua saga de defesa da Igreja Católica deixa-me sem respiração. Tu resolveste ir atrás da criança e usaste um argumento que já foi usado por um juíz portuguès num caso de abuso sexual, que na altura deixou-me quase em lágrimas de indignação. Para justificar a pena miserável que deu ao criminoso, uma das justificações era que o rapaz tinha catorze anos e, dizia o juíz, obviamente é mais grave abusar um miúdo de 6 anos, que um miúdo de 14 anos. Para mim isto não é nada óbvio, mas começo a chegar à conclusão, que a mentalidade reinante é essa. Pergunto-me se eu era a única pessoa de catorze anos que não era sedenta por experiências sexuais e que era mais fragilizada aos catorze que aos seis. Aos catorze tu sabes sem dúvidas que estás a ser abusado. Aos seis talvez. O juíz disse aquele óbvio sem apresentar qualquer avaliação psicológica do rapaz. As leis que existem para proteger os adolescentes dos adultos ao nível sexual, existem porque há os que ainda se lembram o que significa ser adolescente e para aqueles que já não se lembram, há pessoas a estudar esse período. É um período de imaturidade e crescimento e pensava que concordavamos em sociedade que é necessário protegê-los de abutres sexuais. Parece que a discussão agora anda a resvalar. Um dia destes, andamos a discutir as virtudes da educação espartana. Não sei é se ainda há montes bastante longe de um macdonalds para abandonar os putos de sete anos à sua sorte. Para os enregecer e preparar para a vida. Se as crianças encontrarem o pior logo no início, estão preparados para tudo. Só um ponto mais: crianças molestadas têm maior probabilidade de abusarem de crianças quando crescerem. Em vez de crianças, podem também pôr adolescentes antes. Depende da personalidade de cada um. Deve haver os que gostam. A adolescència é um momento de maturação, o segundo momento alto de construção cerebral. É altura de basear opiniões em factos quando eles existem e os estudos demonstram que os adolescentes precisam de guias e protecções. Não me parece que deixá-los à mercê de predadores sexuais seja uma boa ideia, tal como não acho uma boa ideia abandonar crianças de sete anos no cimo de um monte isolado.
Para terminar e até vou citar, que isto merece:
Há práticas "educacionais" nas famílias portuguesas que já hoje são consideradas crime noutros países europeus. Daqui a uns anos, acusarão as mães de não terem denunciado o marido por este bater nas crianças, como hoje acusam os bispos de não terem denunciado os padres.
Seria boa ideia estarmos muito atentos ao modo como falamos do papel dos bispos no escândalo da pedofilia, porque pode ser que se esteja a criar o modelo para o modo como daqui a uns anos falarão de nós (no nosso papel de pais ou de professores) por termos descurado as nossas responsabilidades no apoio às crianças que nos foram confiadas.
Eu sinceramente gostaria de saber que práticas "educacionais" são estas que são comparáveis a abusos sexuais de crianças! Dar um tabefe esporádico a uma criança? DEixá-las acordadas até tarde? A tua argumentação esperaria noutro blogue que eu definiria como intelectualmente desonesto. O que tu demonstras é que todos têm um calcanhar de aquiles, até aqueles que parecem racionais.
P.S.: É crime a violência física contra crianças na lei portuguesa. Eu gosto de pensar que há inteligência para ver a diferença entre o tabefe esporádico e o uso de agressão continuada sobre uma criança.
P.S.: Não sei se este foi um plano para me retirar da letargia e indignar-me, mas se foi, parabéns, conseguiste.
4 comentários:
As estatísticas portuguesas sobre abuso sexual de menores que encontrei: "http://www.dgpj.mj.pt/sections/estatisticas-da-justica/destaques/abuso-sexual-de-menores/downloadFile/file/Abuso_menores.pdf?nocache=1171376063.63" incluem o ano de 2002 e o de 2003 até Agosto. Neste artigo da Wikipedia diz, sobre os USA "Child sexual abuse became a public issue in the 1970s and 1980s. Prior to this point in time sexual abuse remained rather secretive and socially unspeakable. Studies on child molestation were nonexistent until the 1920s and the first national estimate of the number of child sexual abuse cases was published in 1948". Em Portugal deve-se ter começado a falar no tem mais tarde. No Pordata não tem estatísticas sobre o assunto.
A não existência de estatisticas completas e com notas na internet não diz nada. Há crianças molestadas, não é isso que ponho em questão. A minha irmã trabalha com crianças. Não é um assunto novo para mim. Ponho em questão a especialidade portuguesa.
Há famílias que acobertam isto? Sim. Merecem que não existam acusações criminais e que não sejam julgados como cúmplices, se descobertos?
A Instituição Igreja foi descoberta? Não se acusa porque outros antes que não pertenceram à igreja escaparam? É isso?
Abrunho,
O que há em ti que te faz tresler o que escrevi? E que te levou a pensar que eu responderia a uma opinião escrita neste tom?
Nem vou reler o que escreveste - a impressão que me deixou a primeira leitura foi de desequilíbrio a escorregar para o insulto.
Nao penso que tresli. Só vens corroborar o título do poste.
Enviar um comentário