sexta-feira

Os cheios de vida

de todos os argumentos esdrúxulos do não (desculpem lá a falta de, como dizer?, amabilidade dialogante ou mais propriamente hipocrisia diplomática, mas a mim soam-me todos do mais esdrúxulo que se possa imaginar), o que mais me deixa boquiaberta é o daqueles que frisam a semelhança entre a lei espanhola e a portuguesa e defendem que não é preciso mudar a lei portuguesa porque esta poderia e deveria ser aplicada 'como em espanha'.

como em espanha, portanto, permitindo-se às mulheres que abortem 'a pedido' até às 12 semanas alegando razões de saúde psíquica? é mesmo isso que estas pessoas querem? é isto que querem dizer?

teremos pois de concluir que para estes defensores do não, a proposta referendária peca por dois motivos: prazo demasiado curto e excesso de honestidade. nenhum problema, então, em que as mulheres abortem até às 10 semanas (estes queridos até acrescentam duas de bónus) desde que pareça que não é por decisão delas.

a não ser, claro, que quem assim argumenta esteja a apostar no que é óbvio -- uma lei em vigor há 23 anos e há 23 anos aplicada de uma determinada forma nunca será aplicada de outra maneira.

que tal serem mulherzinhas e homenzinhos e assumirem, de uma vez por todas, o que realmente querem e o que realmente os apavora?


Este pessoal do "nao" enterra-se a um ritmo que os do "nim" ainda os hao-de ter de salvar e fazer-lhes boca-a-boca. Eu por mim, que geralmente ando pelo "nim" e vou ouvindo os dois lados, ainda nao li nada de geito do lado deles e nao me apetece nada salvá-los (sendo o salvamento aqui, o limpar um pouco da vergonha das suas racionalizaçoes).

Ontem li no Público sobre um agrupamento de humanos pós-parto que sendo pelo "nao", se declarava de pró-vida. Seguramente eu partilho algumas ideias deles e seguramente nao partilho doutras. Um dia destes escrevo aqui a minha posiçao sobre o assunto, que eu sendo pró-escolha e pró-vida (sendo esta última redundante já que praticamente todos nós somos pró-vida, seja qual for a nossa resposta no referendo), também tenho os meus pontos em comum com os defensores do "nao" e também eu prioritarizei sensibilidades.

O que a mim me chateia nesta gente é a hipocrisia e a desonestidade. Nesta discussao dizer-se pró-vida, colocando-se isso em contra-ponto com os que nao concordam com eles, é ofensivo. Eu pelo menos sinto-me ofendidíssima. No mesmo nível de repulsa com que me sinto quando vejo as senhoras com as barrigas expostas e dizeres "esta barriga é minha", como se estivessemos a discutir fisiologias, numa reduçao do ser-humano e, por arrastamento, do que é viver numa sociedade. Eu nao me bato pelo direito absoluto. Nao há direitos absolutos. Quem os quiser deve mudar-se para uma ilha e morar sozinho.

Dizer-se pró-vida neste ambito é tao significativo como ser-se pró-atmosfera ou pró-entropia. Isso só tem significado como insulto. Considero-me insultada e cada vez menor é o meu respeito por esta trupe cheia de vida, mas falha de juízo.

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