De José Pacheco Pereira:
Votarei sim no referendo sobre o aborto, sem grandes parangonas morais, sem grandes proclamações sociais, sem certezas absolutas sobre nada, nem sobre a moralidade, nem sobre a liberdade do acto de interromper uma gravidez. Respeito os dilemas dos que votam não, respeito os dilemas dos que votam sim, porque em ambos os lados há a consciência de que o que defrontam é um mal social, uma perturbação a evitar, um momento sempre de uma certa crueldade interior, a da vida aliás. Mas como não acredito em grandes proclamações morais, nem pelo sim nem pelo não, voto sim por um conjunto de razões dispersas, sociais, culturais e filosóficas, que admito que se diga serem de mal menor. Será de mal menor, mas quantas vezes muitas coisas que fazemos são de mal menor? Até no Catecismo da Igreja Católica há várias escolhas de mal menor.
E porque, tudo ponderado, as vítimas da situação que hoje existe são as mulheres, sobretudo as mulheres, quase que só as mulheres. Merecem (ou exigem) que os homens que fizeram quase todo o mundo à sua volta, à sua dimensão e ao seu modo, e que entre outras coisas tem esta diferença fundamental que é não engravidarem, lhes dêem uma liberdade que elas sentirão sempre como sendo, no limite, trágica, mas como sendo uma liberdade. No dia do referendo votarei pela segunda vez na vida por género, como homem mais de que como cidadão.
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