Das páginas da Arts & Letters Daily chego a um artigo sobre a "inquisição" nos Países Baixos (a escolha da palavra é do cartunista). É uma história requentada de cartunes e liberdade de expressão e estava preparadinha para gritar Aqui D'El rei.
Foi o que fiz aquando dos cartunes dinamarqueses, mas já naquela altura recuei um pouco quando soube que o jornal em que publicaram os cartunes era de extrema-direita e tinha historial de provocação de minorias. Os cartunes não me pareceram dizer mentiras e julguei na altura que era altura dos muçulmanos se darem conta da imagem que todos nós estavamos a criar deles, devido a posturas violentas em nome da sua religião que vezes sem conta nos vinham de radicais muçulmanos, que poucos muçulmanos vinham contradizer. Viu-se um esforço monumental em usar violência para manifestarem-se contra ideais do Ocidente, mas pouco esforço para se manifestarem contra aqueles entre eles que semeiam destruição. Aqueles cartunes eram uma mensagem necessária para os muçulmanos.
Mas quanto aos tais ideais ocidentais, como a liberdade de expressão, é altura de pôr contexto nessa liberdade. Este artigo serve bem para eu dizer que não me parece que a liberdade de expressão é total. Depende do contexto. O artigo dá-nos conta de um desenhador que é obcecado por muçulmanos. Repetidamente ele desenha cartunes contra os muçulmanos e associa cenas provocadoras de sexo que não dizem nada para além de que ele quer provocar. Ao contrário dos outros cartunes que expunham uma crescente associação nos olhos ocidentais de praticantes de uma religião e violência, que dá possibilidade a introspecções e análises. Neste caso é só provocação e porque continuada, acaba por ser o esforço de denegrir uma porção de seres humanos. Somente isso. Além disso, na actual dificuldade de relacionamento na Europa, a sua actividade passa a incitar sentimentos perigosos e desincentivar compreensão. Neste contexto parece-me bem que o chamem à justiça.
O cartunista diz que a beleza está nos olhos de quem vê e assim se defende, mas aqui não se trata de beleza, mas de uma mensagem. A mensagem dele é univocamente anti-alguém. E não foi só um cartune, foi uma linha de montagem sobre um grupo determinado de pessoas.
No artigo dão dois exemplos de sensibilidades a serem postas em causa.
In Britain, a local police force got caught up recently in a flap over its use of a German shepherd puppy to promote an emergency hotline. A Muslim councilor, noting that dogs are viewed as unclean in Islam, complained that the puppy could turn off believers. The police force apologized and regretted not consulting its diversity officer.
In Switzerland, meanwhile, a bombastic anti-immigration political party is campaigning to ban all Muslim prayer towers, known as minarets. This week it gathered enough signatures to force a national referendum on the issue. The Swiss government says such a ban would violate freedom of religion and pose a security threat by provoking Muslims.
O caso na Grã-Bretanha parece-me empolado pelo jornalista. Fazem uma campanha que quer chegar a todos e um representante muçulmano queixou-se (ou chamou a atenção?) que a campanha talvez não atingisse os muçulmanos. So what, qual é a novidade que uma campanha de informação ou publicidade tem de ter em atenção os seus receptores, para ter a certeza que é ouvida?
No caso da Suiça, o problema são mesmo os suiços e a sua intolerância.
Há uns tempos quando deixaram de fazer uma peça de teatro, penso, na Áustria, penso, porque lá pelo meio referenciavam aspectos religiosos, que eram não só da religião muçulmana, mas também cristã, achei mal terem cedido, porque o intuito não era provocatório e a mensagem era muito mais vasta.
A minha conclusão é que a liberdade de expressão deve ser analisada na mensagem a jusante e a jusante está o que o receptor pode retirar. Se o receptor só pode retirar tribalismos básicos, a mensagem incita a uma atmosfera de divisão e finalmente violência. Isto para mim é crime. Pode ser um crime água mole em pedra dura tanto bate até que fura, mas lentamente pode matar. E nisto vem-me Ruanda à cabeça.
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