domingo

A escola é um ponto de partida

A Sabine que me vai enviando notícias de por aí, enviou-me certas e insultuosas opiniões da Sra Filomena Mónica. Em experiência própria, venho de uma família que de uma geração para outra passou de elementos analfabetos, para uma geração que acedeu à Universidade. Eu não me considero a mim ou aos meus irmãos medíocres, bem pelo contrário. A escola não me ensinou tudo, nem penso que a escola nos possa ensinar tudo. Passei por escolas públicas sem excelências, mas que me abriram horizontes que os meus pais não podiam. Os meus pais simplesmente mandaram-nos para a escola e eu e os meus irmãos resolvemos seguir o que ela nos mostrou. Eu só segui por vontade própria e não sei o que é não ter essa vontade. Desde que me lembro gostei de aprender e sempre quis ir para a Universidade e continuar a aprender e continuei para lá da Universidade. A escola não matou essa sede, só a alimentou, mesmo que não tenha tido professores que me exigiram excelência. Tive professores calões, aplicados, cansados, parvos, fantásticos, motivados e desmotivados, professores que metiam baixa durante um ano completo, que falavam da sua vida privada em vez da lição, e no entanto sobrevivi. Tive professores que por vontade própria nos mostravam livros e jornais, imagens e comidas de outros países, para lá das suas línguas, nos diziam que mesmo que lessemos sem parar, nunca conseguiriamos ler todos os livros do mundo e eu abri a boca em deslumbramento com todos esses livros que nunca poderia vir a ler, mas insaciável para poder ler o maior número possível. Professores que montavam aulas-extra para apoio no seu próprio tempo ou que nos levavam em excursões para ver pedras e nos diziam que as pedras não eram só pedras, mas tinham mensagens muito antigas. Como poderiam os meus pais ter-me dito que uma pedra é mais que uma pedra? Frequentei escolas em pré-fabricados permanentes, onde tinhamos frio, escolas sem espaços comuns deixando-nos na rua à chuva, sem bibliotecas, escolas longe de casa, exigindo que me levantasse muito cedo e retornando muito tarde, sem tempo para estudar. E no entanto a escola que tive conseguiu deslumbrar-me. A questão é que a escola mostrou-me o mais que existia. A escola não me fez, mas mostrou-me o que poderia ser caso eu quisesse. Dizer que o 25 de Abril fechou portas é cuspir na realidade de pessoas como eu e os meus irmãos. O 25 de Abril disse tu podes. Portanto, movam as objectivas para as pessoas e para as suas ambições. Eu desconfio que se há um problema (não estou certa dessa mediocridade generalizada) o grande problema não é a escola, mas um mundo em que as pessoas pensam que o saber vem empacotado e pode ser injectado, de um mundo que pensa que o conhecimento é passivo. De um mundo que está à espera que a escola seja um lugar que enfia saber pela boca abaixo, em vez de ser o sítio que nos diz que um livro é mais que papel, que nos mostra num microscópio uma realidade paralela, que nos fala de perspectiva e nos diz para olhar para o horizonte com olhos de artista, que nos conta de guerras e atrocidades e nos põe a questionar a humanidade, que nos fala de um senhor de oculinhos redondos que escreveu "Deus quer, o homem sonha, a obra nasce" e nos dá a autoridade desse sonho, apesar de nos sentirmos pequenos. Se calhar o problema é pensar que a escola em termos de conhecimento é em si um fim em vez de um ponto de partida. O sonho e a obra são coisas nossas, não dos professores. E se as pessoas não querem sonhar, nem obrar, não é a escola que as vai obrigar. Se calhar o problema é que as pessoas esqueceram que houve um tempo em que não se podia sonhar e veêm o sonho como adquirido e desprezível.

Se vamos falar na "raiz do mal da educação", que é o título expectável na nossa excelente imprensa, eu penso que este está em pessoas que vivem numa sociedade que prima pela mediocridade, visível, por exemplo, em veículos de informação péssimos, apinhados de opiniões medíocres, em vez de factos sobre os quais possamos nós próprios pensar. Não há professor que consiga remar contra isto. A minha pessoa já não se irrita, só desespera. E sonho que antes de fecharem as faculdades das ciências de educação, expulsem primeiro os opinionistas de tudo e de nada para onde deviam andar: a blogosfera.

1 comentário:

Anónimo disse...

Só tu me fazes ler tanto - parte I.