segunda-feira

O futuro dos velhos e dos novos

Querida Sabine,

mandaste-me há uns tempos uma ligação que me não convenceu. Infelizmente o título foi mal escolhido. Cria expectativas que não cumpre. Diz que é sobre cenários e tendências para os próximos 20 anos, contudo quando se lê é sobre hoje. Aquilo são os pontos das preocupações e dos medos atuais refletidos e magnificados no amanhã.

Por exemplo, relativamente ao envelhecimento da sociedade europeia tem a dizer isto:

"Problemas: No Ocidente, pressão sobre as populações mais velhas consideradas como um fardo.
Custos de saúde aumentados."

Isto é muito pouco.

Primeiro: um dos pontos que não aparece na ligação que me mandaste e que me parece uma falta de palmatória, é que com a desagregação da família alargada, a sociedade está demograficamente estratificada. Os adolescentes andam com adolescentes, os vintões com os vintões, os trintões com os trintões, etc. e não há grande mistura geracional. Cada estrato acha-se o rei do seu domínio e cada estrato vive na ilusão que sabe tudo o que há para saber. Isto, para além de ridículo, é o motor de muito do que acontecerá no futuro.

Segundo: a discussão é de uma riqueza que colocá-la em dois pontinhos é confrangedor. Na Alemanha, o sistema de pensões é realmente um "welfare state"*. Além disso, a geriatria nao vem de uma ditadura que os manteve analfabetos, pelo que na Alemanha não se fala só na faceta dos coitadinhos dos velhos, mas da gerontocracia. Porque não sendo analfabetos, há a possibilidade que estas pessoas se unam para lutar pelos seus interesses. Neste caso, podem tomar a democracia. Portanto, a maioria depende de um sistema que é alimentado pela minoria. Este sistema é controlado pelo governo, que está na mão da maioria e aqui estamos noutra parte da discussão em que os coitadinhos são os novos, sugados pelos avós. Mas será que isto irá acontecer? Têm ou terão os velhos a noção de grupo? Isto é que é uma pergunta interessante para um cenário de futuro do envelhecimento. Atualmente, na Alemanha, os sindicatos de trabalhadores são populados pela gerontocracia, que têm mais tempo nas mãos e ideias que, pelos nossos olhos, os novos, estão ultrapassadas e são economicamente contraprodutivas.

Nos EUA, um estudo (de um tipo chamado J.W. Button, que vi num livro que referencio mais abaixo) mostrou que em zonas eleitorais com mais idosos (que, além disso, votam em maior número percentual, que os mais novos) há menor apoio a políticas sociais pró-educação. Mas este é um estudo. Outros mostram outros fatores com maior importância nos apoios do eleitorado ao financiamento educativo: o sexo do eleitor (as mulheres são mais pró-educação), o nível de educação (mais letrado, mais pronto a apoiar a educação), o estatuto social, a cor política.

Terceiro: os velhos de amanhã são os novos de hoje. Portanto, que tipo de velhos seremos nós? Um dos cenários que vejo expectáveis para o futuro é que trabalharemos até cairmos para o lado. Isto significa que seremos um peso a considerar no local de trabalho e poderemos contrabalançar o ageísmo atual. É um cenário.

Em novita, convivi muito mais com pessoas muito mais velhas que eu, do que com os meus pares (achava-os parvalhões), pelo que sou incapaz de ver os velhos como coitadinhos. Também sou incapaz de me ver a mim no futuro como uma coitadinha. Ficaria extremamente desapontada se como velha, não serei mais que um peso no sistema de saúde. O que me traz ao último ponto: num mundo em que morrer já não é um processo natural, a decisão de morrer deverá estar cada vez mais na mão do vivo. Contudo, a morte deverá continuar a ser fundamental no âmbito psicossocial, caso contrário, a sociedade que criaremos será um sítio muito frio. Definir as guias para isto vai ser muito difícil, mas uma das grandes discussões dos próximos 20 anos.

Há um livro, infelizmente em alemão, sobre o futuro do envelhecimento. É uma compilação de textos de estudiosos alemães. Como o meu alemão é um tadinho, tenho extremas dificuldades em absorver o que aquele livro diz, mas para quem quer saber sobre esta problemática e sabe alemão, é um livro que aconselho. Talvez daqui a uns tempos seja traduzido. É o "Die Zukunft des Alterns: Die Antwort der Wissenschaft" (O futuro do envelhecimento: a resposta da ciência), editado por Peter Gruss.

*Em Portugal, o sistema de pensões é um esforço insuficiente: poucos pensionistas podem viver com o dinheiro que recebem (no melhor dos casos, sobrevivem). Os que se salvam são os que têm outros meios de aumentar o rendimento e ainda têm apoio familiar. Além disso, penso que em Portugal há outra tolerância à pobreza. Afinal, eles sempre foram pobres e a vida foi uma luta. Portanto, tudo o que vem a mais é bem-vindo e não posto para lamentações (para lá da linha de base lamentativa de um português médio). Os alemães são mais assertivos no que lhes é devido. Os portugueses novos resumem o seu papel nos problemas sociais do seu futuro envelhecimento em dois míseros pontos.

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