quarta-feira

Apenas

Lembro-me de um artigo qualquer num jornal israelita em que se falava num inquérito na Europa sobre, imagino que chamassem o confronto israelito-palestiniano, mas sejamos francos, a ocupação israelita, e a maior parte do pessoal dizia-se farto. Eu que não respondi ao inquérito, declaro-me pertencente. Construam um muro a toda a volta, coloquem uma tampa e espreitemos daqui a dez anos a verificar se há viventes. E no entanto, numa parte de mim que estremece à vista da injustiça, tremo cada vez que leio os palestinianos defraudados da sua humanidade e sempre, para todo o sempre transformados em símbolos. São símbolos de tudo por todos nunca em benefício próprio. Serão sempre apenas símbolos, meios para chegar a algum lado e esse lado pode ser extremamente vazio, como para a Helena Matos escrever a sua crónica semanal, enquanto eles morrem, sobre, grande furo, os "insurgentes de sofá"! Portanto além dos media não reverem fontes também ficamos a saber que para cronistas têm os espirituosos do teclado. Só que a Helena Matos quer ser MEC com a tragédia.

Aos palestinianos seja Deus a dar redenção por cada vez que foram usados e terão o paraíso só pra eles. Que seja Deus, porque aqui em baixo discute-se que o desespero não é desculpa. Viver numa prisão não é desculpa. Viver com o arbítrio dos prepotentes não vale. Viver os dias a paredes meias com a injustiça não é argumento. O mundo só promete a benção em caso de paciência de santo, senão mesmo divina. Votar mal? Sem opções na política? Isso é para nós que discutimos a falta de opções na escolha. Para os palestinianos não há desculpas para defraudarem a democracia ou as nossas expectativas na democracia deles. Sejam apenas o que nos der jeito que sejam. Haverá melhor palavra para os palestinianos? Apenas. Só não são símbolos para o governo israelita que tem que ser pragmático na resolução do problema da sua existência. Para esses, os palestinianos ainda não são o que deveriam ser: apenas pó.

A única coisa que todos, mas todos, pedem aos palestinianos é que sejam mártires. Deste lado da cristandade quer-se o martírio de jesus, de gandi, de tianamen. Haverá algo mais admirável que o martírio dos outros? Voltem a face, deitem-se debaixo dos tanques, encarem as pedradas e os escarros, deixem-se morrer. Infelizmente para o nosso lado, há o outro lado, que não se importa de os ver mortos, mas um martírio mais abrangente, que leve daqui vítimas e algozes numa cajadada só. A única opção para um palestiniano é a morte. Há consenso universal: um bom palestiniano está morto.

Entre o consenso e a impotencia, pergunto-me, porque entre, vai em quantos, 900 mortos, temos de passar pelas crónicas míseras? Na aldeia em que cresci, pelo menos no dia dos enterros, as comadres escondem-se. Nao seria possível o último respeito? Nem na morte? Estou farta, farta, farta até à pontinha da minha capacidade humana para os jornais e os seus cronistas. E se me vierem dizer que precisamos dos cronistas para sabermos que o Hamas se aproveita da situaçao, isso é como dizer que precisamos das comadres para resolver crimes.

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