sexta-feira

simpatias e confissöes III

Durante muito tempo nao se falou. Durante muito tempo acreditou-se que os estrangeiros iriam embora e poderiamos nunca falar, com regras nao faladas, mas compreendidas por todos. Um verniz agradavel de tolerancia colou-se-nos à pele, o que interessava mesmo era que nao falassemos. A tolerancia existia desde que o toleravel permanecesse à distancia. E um dia o toleravel esbofeteou-nos na cara e enquanto estavamos perplexos sem percebermos muito bem o que tinha acontecido, foi-nos dito que o melhor era nao falarmos. O toleravel só é intoleravel porque o nao toleramos como deve ser.

A minha pergunta é só esta: nao é esta a altura de falarmos? Porque neste momento, há os Geert Wilders que falam por nós e um sistema que se vende por uma ideia de tolerancia que nao é a mais justa. Para além da nossa tolerancia ser apenas o nao me chateies, essa tolerancia institucional serve os ideologos fanáticos e nao os comuns cidadaos que querem mais que o privilegio de existir sem chatear.

Seria bom falarmos, a sério. Sem clichés e ilusoes.

P.S.: contava-me um norueguês como a mäe arengava sobre os norte-americanos e o que eles tinham feito aos pobres pretos, mas os sama, esses eram todos uns malandros e ladrões a morar no fundo do fiorde.

p.s.: o teclado norueguês tem acentos! :)

8 comentários:

underadio disse...

O mundo é um laboratório de experiências, umas bem sucedidas outras nem por isso, já dizia alguém q conheci há mts anos atrás.
Tu que és das químicas devias saber isso. Há os reagentes. E depois há os catalisadores...
Por favor, chateia, chateia, não sejas dos q não chateiam. Mas como qq pessoa q te queira bem diria: tem cuidado. : )E já agora que a mim tb nunca me falte esse cuidado ; )

sabine disse...

Abrunho:
A tolerância é muito importante. O problema é quando o desemprego e as injustiças se lhe sobrepõe. Quando a sociedade se torna ou um caldo explosivo ou um caldo passivo. Nessa altura, os Geert Wilders infelizmente aparecem. E começam a ser ouvidos. Por isso, a tolerância não é tudo.

abrunho disse...

A minha visao do problema é que há neste momento uma quebra de comunicacao entre os cidadaos e grupos de pessoas que detem poder de decisao, como sejam os politicos, os legisladores ou os juizes. Há uma ideologia de multiculturalismo, que por exemplo para mim nao faz sentido. Quando um juiz usa o Corao para deliberar justica da familia, isto para mim é uma traicao dos valores que quero ver defendidos na sociedade em que vivo. Eu acho que quando os neerlandeses votam no Geert Wilders, nao é porque os neerlandeses sejam afinal uns horrorosos, mas porque vendo os seus politicos e juizes a trairem os valores da sua civilizacao em nome da tolerancia, eles votam em alguem que promete defende-los. Há palavras que sao usadas para parar uma discussao. É o caso da palavra anti-semitismo a discutir Israel e a Palestina e é o caso da palavra tolerancia, para discutir os limites do tolerável.

sabine disse...

Abrunho:
Embora mantendo o que atrás escrevi, concordo contigo.

Helena Araújo disse...

Pois, mas...
;-)

Nem sei porque venho escrever para aqui, quando estou a 28 horas de partir e ainda tenho tanto que fazer...
Se desaparecer a meio da discussão, já sabes: vou ali e já volto (daqui a um mês).

Mas voltando à tolerância: não gosto da palavra, porque já põe uns acima dos outros. Goethe dizia que é uma bofetada.
A ideia deixou de ser multiculti (sociedades paralelas) mas interculti (uns com os outros) - só temos a ganhar todos.

Tu não és estrangeira? Gostas que falem assim do teu povo? Que falem assim de ti (a ameaça, a perigosa, a não-alinhada, a esquisita) só porque não te submetes inteiramente ao que é normal aqui?
Gostas de ser tratada como lixo quando puxas de um cigarrinho na América?

Falemos, então. Tudo bem. Mas tudo o que dissermos deve ser passado pelo crivo "os outros sou eu".
Assim, corre-se menos o risco de simplificar a discussão sobre tolerar os outros, esses esquisitos.

Quanto a esse juiz: o que nos tribunais mais se faz é analisar o contexto social do réu.
Um exemplo (de que me lembro vagamente, pode ser que não tenha sido inteiramente assim): parece que o Mourinho chamou filho da puta a um inglês na Inglaterra. Queriam castigá-lo, mas ele argumentou que na terra dele essa expressão até podia ser um elogio. Parece que não teve consequências.
Embora esse nome seja um insulto na Inglaterra.

abrunho disse...

A forma como tento ver o problema não é termos de pessoas, mas de comportamentos. Nos EUA, eu não era tratada como uma leprosa por ser portuguesa, mas por fumar. A partir do momento, em que eu tomo cuidado para não importunar os outros, eu quero que tolerem o meu hábito. Eles que pensem o que quiserem sobre o ato de fumar, mas se só eu é que sofro as consequências, eles que engulam o trompete. Eu não peço respeito, eu peço mesmo isso: tolerância.

Há comportamentos por aí que não gosto, mas que devo tolerar. Eu não tenho problemas com a palavra tolerância, porque para mim descreve a realidade do que se deve pedir em sociedade. Pedir que nos amemos todos é muito bonito, mas acabamos por nos desviar do importante, que é "quando é que um comportamento não deve ser tolerado". Nao interessa quem o faz. Depois de se decidir que um comportamento não é toleràvel então pensa-se em que contexto é praticado e avalia-se como anulá-lo.

Só que não há discussão quando o comportamento é praticado por um grupo de pessoas com determinada religião e cultura. Porque estamos a ser racistas ou imperialistas ou intolerantes para com aquele grupo de pessoas. E depois há os Geert Wilders a trabalhar no mesmo plano e amalgamamos tudo no grupo de pessoas e não no comportamento. E a discussão envenena-se.

O que eu quero é que nos foquemos no comportamento.

Eu já li sentenças em Portugal e sim fico enfurecida quando há páginas a avaliar os positivos do agressor e a vitima só aparece no parágrafo a descrever o crime. Porque é que os efeitos do crime na vitima não conta na sentença? A justiça parece-me doente quando as vitimas desaparecem. Eu não quero um sistema como o americano que parece baseado em vingança, mas um sistema que olvida a vitima também não me parece justo. Nas culturas do médio-oriente muitas vezes as vitimas de tradições que aqui são brechas do direito humano são mulheres e minorias sexuais. Nós andamos há muito tempo a lutar pelo direito destes grupos e que os frutos dessas lutas seja negada a essas pessoas em nome da sua cultura e do contexto em que cresceram é uma traiçao a essas pessoas e aos nossos valores. Em nome do amor que devemos ter por todos? Uma mulher porque é muçulmana tem menos direitos se a sua família segue a sharia?

Desde o 11 de Setembro, há ainda o fato de ter chegado ao conhecimento dos cidadaos do Ocidente uma corrente radical do Islão, que já andava a matar muçulmanos há um ror de anos, mas só quando mata "dos nossos" é que dá direito de antena. Essa corrente radical foi amassada em "todos os muçulmanos", o que é obviamente um simplificação que é um erro.

Estes erros só podem ser mostrados se não pararmos a discussão na fase do amor e paz para todos ou do os muçulmanos têm uma religião perigosa. Nós andamos nestes dois extremos na discussão política e social. Estamos empancados.

Aquela senhora do meu poste abaixo dizia que devemos abrir as portas de comunicação aos muçulmanos. Que haja espaço público para estas pessoas discutirem a sua visão. Sem que uns achem que não há discussão porque é religião e as sociedades são seculares como na França, ou construir compartimentos para cada um como na Grã-Bretanha. Não, que venha para a arena pública, que possamos discutir religião e definir claramente porque é importante que a religião esteja separada do Estado, que possamos discutir lei da família e os limites do contexto, integrar claramente estas pessoas e as suas vidas na sociedade e explicar-mo-nos os limites. Mas discutir. Não parar a discussão no amor para todos ou no ódio para todos. Eu não tenho que gostar ou respeitar todos, mas eu preciso de tolerar aquilo que até posso não gostar, mas não afeta nenhum fundamento da minha sociedade.

abrunho disse...

Há um filme chamado "Brick Lane" que é um olhar enternecedor sobre uma família no contexto de imigrar para um país (do Bangladesh para a Inglaterra) e como eles lidam com problemas que discutimos nos "nossos" extremos.

Helena Araújo disse...

Ah, começo a ver mais claro.
Justamente agora que estou de malas aviadas...
OK, falemos então sobre os comportamentos.
E o simpático do Wilders que deixe de se vir com coisas que os muçulmanos isto e os árabes aquilo. É mais: quem bate na avó, quem não paga os impostos.
Ah, e já me ia esquecendo: quem não vota.
;-)