quinta-feira

Notas duma odiosa

Ser portuguesa é muito difícil. Lenta e pausadamente anda-se a pastar a vida, sem grandes preocupações para lá de manter a atenção aos carros aquando da aventura do ar livre citadino, no esquecimento diário de pentear o cabelo (imaginando alegremente o calmo desespero da mãe que é minha), quando de esquinas súbitas dedos horizontais e sorrisos sabidos se nos apontam e algo como uma espécie de recorde de vergonha é-nos atirado à cara. O que é que vocês andaram a fazer?*

Ofereci o livro "Jangada de Pedra" a um colega, porque ele achou piada ao conceito. Tenho a impressão que pus demasiado enfâse (talvez tenha puxado a gravata à verdade) ao desalento dos espanhóis e dos portugueses quando se viram no mesmo barco. Vejo desapontamento no horizonte. Contudo, demonstrando que a generosidade é má política, ele falou de me dar um livro chamado (tapem os ouvidos) "Cona ácida". Parece que é feminista.

Este sábado vou a Berlim. Dá chuva. Nos últimos dias, no reino alemão, um edifício aterrou e um tiroteio espalhou-se. Vou ter que sair de casa. Está lá uma exposição sobre a vida e o trabalho de Manoel de Oliveira. Os prenúncios adensam-se.

* É claro que isto pode ser uma vingança coletiva à minha pessoa e não ter nada a ver convosco, já que a minha máxima capacidade para palear vai no sentido "Então agora proibem os autocarros ateus? O Berlusconi, digitalizar (literalmente) os ciganos, o Vaticano no meio. Não achas que a Itália se está a tornar um país fascista?" "O que é que anda a passar com os filandeses? É sempre o mosca morta com o telemóvel que se passa dos carretos." "Então pá? Que se passa lá na Grécia? Acabou o queijo de cabra?".

4 comentários:

Helena Araújo disse...

Ah, o Manoel de Oliveira - vi-o na semana passada, de mão dada com o Siza Vieira.
Também há aqui uma exposição de arquitectura de portugueses fora de Portugal.
Mas eu estava mais virada para a Annie Leibovitz.

Nunca ofereças Eça de Queiroz em alemão - parece que a tradução rouba toda a graça ao livro.

Como é que se diz "cona ácida" em alemão?

abrunho disse...

De mao dada com o Siza Vieira? Viraram indianos?

Bitterfotze.

Helena Araújo disse...

Não, não - estão velhotes.
Não era bem de mão dada, claro.
Já me conheces.

Anónimo disse...

Espero que a vida te corra bem por aí. E fico curiosa em relação ao "Cona ácida". Quanto às desventuras de ser português, quem não emigra também as sente. Mas gostei muito deste post.

Beijos
SABINE