terça-feira

Os leprosos

Passo-me absoluta e completamente com vitimizações. Chateiam-me, mas não posso deixar de lhes dar a razão para o que é expectável no futuro. Ficando o acto de fumar circunscrito ao espaço privado, aos ostracizados da porta da entrada, o fumar tornar-se-á um acto somente vicioso, desprezível. Eu senti isso nos EUA. Lembra-me de ir comprar tabaco pela primeira vez e como não conhecia as marcas (para lá da marlboro que detesto) perguntei a opinião da vendedora. Ela trejeitou como se eu lhe tivesse perguntado se tinha herpes genital. Eu trejeitei como se me tivesse chamado leprosa. Após ela ter salientado (bem demarcado para que eu não duvidasse) que não fumava (cruz-credo, bater três vezes em madeira), eu salientei que era esquisito uma pessoa que não fuma estar a vender tabaco. Ri-me e disse-lhe que fumar não era nada demais e porque já me estava a passar com a cara que ela me deitava, pedi marlboro e fui embora. Depois disso senti esse sentimento de leprosa várias vezes e desejei retornar muito, muito, contar os dias para a volta, voltar à Europa, em que fumar é normal. Vai ser assim. É esse o futuro. É pena. Quero apoiar o direito dos não fumadores, mas adoraria que os fumadores não se tornassem os leprosos.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

Não ligues aos americanos, levam estas coisas demasiado a sério. E parabéns pela tua resposta a essa vendedora de cigarros à revelia de si própria! Abençoado capitalismo.

De resto, leprosos somos todos. Se digo que o fumo do vizinho me incomoda no restaurante - bastante caro - onde fui para saborear a comida, o fumador olha para mim como se fosse eu a pessoa que está a mais, a leprosa.

Provavelmente o problema não é o fumo, mas o modo como nos impomos uns aos outros. Guerras civis mais ou menos surdas.
Hoje o fumo, amanhã a preguiça de fazer desporto (aumenta os custos do sistema de saúde), ou um Estado que se substitui aos pais na educação das crianças...

Vamos avançando por embates sucessivos, nada de novo.