Eu compro bastante livros na Amazon. No outro dia, mandaram-me uma mensagem electrónica em que baseados nas minhas compras sugeriam-me três livros. Dois eu já tinha lido e o terceiro pensei nisso. O não lido era o "God delusion" de Richard Dawkins. Portanto, segundo o algoritmo da Amazon, eu sou uma das pessoas supostas de ler este livro, e tendo em atenção que o algoritmo é bom, eu sou MESMO suposta de ler aquele livro. Nas minhas prioridades de leitura, um livro sobre religião da forma como Dawkins parece ter empreendido a sua critíca (digo isto com base nas várias recensões que li sobre o livro), em que demonstra grande ignorância sobre temas teológicos, não me parece muito gratificante. Contudo, admiro o ímpeto de Dawkins.
A religião implica para um ateu uma grande capacidade de engolir sapos. Para um cientista é ainda pior, pois as pessoas religiosas pedem que em favor delas em certos momentos, uma pessoa que está habituada a pensar o mundo dos factos, desligue o cérebro superior e passe a usar somente o sistema límbico. Há muitos cientistas que o fazem, há cientistas que até conseguem escrever defendendo esse ligar e desligar cerebral, o que só demonstra a grande capacidade humana para viver duplos, triplos e que mais papéis, o que explica que os nazis faziam festinhas às criancinhas antes de as mandarem para as câmaras de gás, que os inquisidores matassem pela salvação das almas em nome de Cristo, que pais abusem dos filhos sem que ao mesmo tempo os deixem de amar. Contudo, mesmo sem os extremos que listei, seriamos considerados misantropos sem esta capacidade para esquecer momentâneamente conforme as exigências do momento. Sabendo o que se sabe de como nasceu a Bíblia, não é deslumbrante de como ainda existam pessoas que leiam o livro e procurem significados? Uma espécie de procura de formas em nuvens e premonições em folhas de chá no fundo da caneca. Tudo isto casado com a vida secular. Quantas vezes os não religiosos ouvem a frase: "Não é para levar literalmente." Então porque não procurar significados nos Lusíadas? He he he he. Mas que digo? Não andavam à procura de significados nos filmes do Matrix? Pois. O que eu penso pessoalmente é que escrever um livro só contra a religião é inconsequente. É ir contra a natureza do ser humano. É impossível que o ser humano não acredite em algo misterioso, invisível, indizível, enfim, algo ali do bairro emocional do sistema límbico, que vive ali e que mesmo o Dawkins sentirá muitas vezes. Assim, o máximo que se pode pedir é essa capacidade inata para ter duas caras. Muito melhor isso, que as trupes que levam a Palavra à letra.
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