quinta-feira

Pois falemos de comida

Dei-me conta que os portugueses começam a ser poluídos pela soberba dos italianos. Eu gosto de comida italiana, gosto, sem dúvida alguma gosto. O que acontece é que os italianos aumentam desproporcionadamente os méritos da sua comida e acerrimamente. Basta dizer que eles conseguem passar horas a defender a radical diferença em sabor entre uma massa em espiral e uma massa cilíndrica. A discussao debruçou-se sobre os reconditos da mecanica de mastigaçao. Penso que já deu para entender como eles sao loucos quando se lhes dá trela e eu dou.

Pois estava eu a ler o Fugas do Público quando leio um artigo sobre risotto (as receitas italianas com arroz). A forma como o artigo estava escrito era como se em Portugal nunca jamais tivessemos visto arroz. Pessoalmente, eu escreveria o artigo como uma outra dimensao do arroz. Nao a descoberta de marcianos na praia do Guincho. Os italianos realmente construiram um mundo de sabores muito interessante e a crítica que farei a seguir sei que está dependente de eu ser portuguesa. O risotto é muito imaginativo e constrói sabores prodigiosos, mas é um prato em que geralmente cada garfada é a mesma da anterior. Vejam o arroz de cabidela: cada garfada é diferente, é impossível nao querer mais, é como um jogo de computador que já se conhece, mas parece que quanto mais se joga mais excitante fica. O risotto á quinta garfada é um território conhecido que já nao apetece explorar, mas sentarmo-nos para trás e escrever sobre isso. Os italianos sao prodigiosos em escrever sobre isso e exageram a tais limites que já nao se fala de arroz, mas da descoberta marítima para a India. Devo dizer, que segundo os italianos, os pastéis de belém também foram descobertos por eles.

Também li há uns dias que os franceses querem propor a culinária francesa a património imaterial da humanidade. O que poe a soberba dos italianos numa perspectiva bem atraente. Um só frances irrita o mesmo que oitenta arrobas de italianos. Os italianos sao melhores comensais. Os franceses infelizmente levam-se demasiadamente a sério. Mas algo que todos concordamos: os alemaes do norte nao cozinham, eles assassinam os ingredientes. E no fim, para terem a certeza que ninguém sobrevive, afogam-nos num molho qualquer.

P.S.: Há excepçoes claro, como por exemplo, algumas coisas simples que os alemaes do norte fazem com os espargos, que sao desta estaçao. É uma emoçao quando chega Maio.

P.S.2: Ainda assim, os alemaes do norte sabem o que é comida, ainda que torturada, eu tenho a impressao que se fosse servida uma salada de plástico a ingleses, eles comiam-na sem pestanejar.

P.S.3: Generalizar é baixaria, mas aceitem, toda a generalizaçao tem um fundinho de verdade.

3 comentários:

Helena Araújo disse...

Estava aqui tem-te não caias para concordar com a crítica aos alemães, mas aí deu-se-me um eureka:
tu nunca comeste truta da floresta negra! tu nunca comeste chouriço de sangue da Turíngia, com pickles de pepino em cima! tu não conheces a cozinha de Baden! (é verdade que dizem que é boa por estar perto da francesa...)
é muito mais que só batata!

Adorei a descrição do arroz de cabidela. E tens razão quanto ao risotto. Bastava servirem uma colherinha, a gente comia e chorava por mais, e estava bem assim.

abrunho disse...

Tudo bem. Reescrevi alemães do norte. :)

Helena Araújo disse...

E o PS2? Vais ver o que é que o Jamie Oliver faz de ti quando te apanhar a jeito!
Picadinho para bolognese, vais ver.
;-)

Ouvi uma teoria muito interessante: a cozinha inglesa era muito boa até à revolução industrial. Aí, deixou de haver tempo para cozinhar, e passou-se para a fast food - os célebres fish and chips.
Tenho uma amiga inglesa que colecciona livros de culinária. E assina revistas de truques e arte da culinária. E cozinha divinamente. A irmã dela (que tem mais de 3000 livros de cozinha) queria abrir um Bed&Dinner em Londres - em vez de servir pequeno-almoço, serviria jantar. E só queria turistas do sul da Europa, porque estes não vão para a cama com as galinhas, e ficam felizes com boas jantaradas pela noite adentro. Infelizmente, mudou de opinião - pegou nos quartos que tinha, e alugou-os. Triste vida.

"Bejêmos" (adoro esta palavra, espero que a incluam no acordo ortográfico): acho que andamos às voltas. Na Alemanha, tu frequentas os restaurantes sem interesse, onde só servem batatas. Em Portugal, eu frequento os restaurantes sem interesse, onde só servem arroz com batatas fritas.
De que falamos quando falamos de...?

Do que conheço da cozinha tradicional alemã, e não é muito, gosto da de Baden e da da Baviera. Mas talvez tenha tido sorte nos restaurantes onde me levaram.
E depois há a cozinha requintada, que não tem nacionalidade (ultimamente anda pela mistura de ingredientes ocidentais e asiáticos) - há neste país restaurantes muito bons, o problema são as cãibras na minha carteira...