domingo

Sobre as regras - parte II e os ideais - parte I

Na continuação deste meu poste e pegando nos comentários aí escritos do jj.amarante e da Rita Maria,

Na minha relação com a religião com que fui criada passei por várias fases. Acho improvável que sendo quem sou neste momento eu possa retornar a ser religiosa sem ser deixando de ser quem sou. Mas tenho olhado para a religião como uma necessidade humana que importa, na minha percepção, não negar liminarmente por nós ateus. É um equilíbrio muito difícil de conseguir. Mais interessante para mim do que os religiosos, são os ateus e o percurso longo que cada um de nós tem de percorrer e se estou acostumada a ver os ateus que sabem minimamente da religião de que se afastaram, estou agora interessada numa nova casta de ateus, que cresceram assim e que têm que fazer um outro caminho. A minha irmã, que também é uma não crente, resolveu colocar os seus filhos em Aulas de Religião e eu concordei porque me pareceu que caso contrário correriamos o risco de sermos convidados para algum batizado aquando da sua chegada à idade adulta. Mas a minha irmã partiu de um outro pressuposto: o de que para compreender a sociedade em que vivemos precisamos de aprender também sobre a religião que formou a sociedade em que vivemos. Pouco a pouco tenho vindo a concordar com o ponto dela. O relato do Rui Tavares é mais um pormenor nessa ligação subtil entre o hoje secular e o ontem e hoje religiosos, que afeta os ateus.

Quando postei sobre regras estava a pensar naquelas que definem acordos necessários para que todos nós possamos viver em sociedade em harmonia, como decidir que se guia do lado direito. Não estava a pensar em ideais. Estava a pensar neste poste da Fernanda Câncio e nisto:

Há muitos anos atrás, arranjei num Outubro, um trabalho a ganhar o salário minimo nacional da altura. Seis meses depois arranjei outro trabalho a ganhar para aí o dobro e uns meses depois fui já nao me lembro onde candidatar-me ao arrendamento jovem. Havia uma base minima de apoio que era calculada pegando na declaração de IRS e dividindo por 12, o que no meu caso era: tres salarios minimos nacionais dividindo por 12 = mesada de papa e mama. A senhora informou-me que eu assim nao podia candidatar-me. Eu expliquei-lhe que aquilo nao tinha nada a ver com a minha situação e que podia trazer um comprovativo do meu rendimento atual. A senhora disse que nao, que a equaçao era aquela e acabou-se. Já nao me lembro quanto tempo fiquei a gaguejar "mas", mas a senhora lá passou ao ponto dois: como fazer gincana ao sistema. Os olhos sairam-me das órbitas e eu removi-me do antro. Nao quero que pensem que eu sou um anjo, porque nos finalmentes eu fiz a gincana ao sistema. Mas cá está o meu ponto: há a regra que é estúpida e portanto a solução é ser chico-esperto e isto é ensinado pelas pessoas que aplicam as regras. Agora, digam-me onde está a mula. Eu proporia quem fez a regra...



Penso que é necessário discriminar entre os ideais e as regras. Esta foi uma das minhas irritações com a chamada constituição, porque para mim a constituição é uma declaração de ideais e não um aglomerado frankensteiniano de regras e ideais como o que nos foi apresentado. A necessidade de uma constituição europeia clara parece existir quando somos confrontados com as notícias de dislates vários das nossas instituições quando confrontadas com grupos de pessoas imigradas recentemente que intentam em impôr costumes que nos afrontam. É necessário definir em constituição o que é um afrontamento válido, o que são ideais universais, aqueles que devem ser defendidos e impostos a todos neste espaço em que vivemos. Porque é extremamente importante fazermos esta reflexão e esta definição, fico zangada quando se mistura o que é um ideal com o que é uma regra. A homogeneidade populacional anterior parecia não necessitar de tal preciosismo, mas estes são outros tempos, senão ainda em Portugal, noutros países. Misturar regras com ideais é dificultar o raciocínio e termos de ler que o cardeal da igreja britânica acha que é aceitável que um grupo de pessoas por professar uma religião diferente podem sair fora da esfera do direito do estado em que vivem. Como se o estado definisse só um conjunto de regras e portanto que importa que outras pessoas queiram regras diferentes, mas e os direitos fundamentais, senhor cardeal? Outra faceta, é as pessoas menosprezarem um direito fundamental como se fosse uma mera regra, como o direito de liberdade de expressão, que não pode ser colocado em causa por delicadezas de sentimento de um grupo de pessoas. É, do meu ponto de vista, essencial que façamos esta discriminação, para sabermos onde podemos comprometer regras e onde não se pode nunca de forma alguma comprometer ideais.

Finalmente, aproveitando que o poste do Rui Tavares citado pelo jj.amarante foi escrito durante a campanha do referendo sobre o aborto, faço esta pergunta: a lei de despenalização do aborto é um direito ou uma regra?

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