domingo

Um país de direito

Nem que por mais nada, este caos dos cartoons, teve o aspecto positivo de me fazer envolvida em discussões interessantes. Uma delas foi discutir democracia com um chileno, que a certa altura se desculpou dizendo que como eu poderia compreender, devido a prerrogativas históricas, os processos democráticos são para ele conceitos não claros. Disse-lhe que por aqui a democracia também não é um conceito absolutamente transparente, mas o que interessa é que o possamos discutir.

O que ele me disse a certa altura era que eu não respeitava a democracia nesses países que eu apelidava de muçulmanos*. Eles votaram em dirigentes que defendem leis religiosas, mas como esses dirigentes emanam da lei da maioria, eu devia respeitar. Atendendo aqueles países que são democráticos (a maioria não o é), eu respondi que um estado de direito tem como base o processo democrático, mas não é tudo. O respeito pela diferença e pelas minorias é um factor fundamental. E qual o sistema de protecção utilizado? Eu disse "A constituição". Este é o documento que definindo os direitos do ser humano independentemente da cultura, da religião, do género, impede que a lei particular ditada pela maioria tropece nos direitos fundamentais da minoria.

Com respeito à discussão sobre o casamento dos homossexuais, li algures alguém que dizia que a Constituição, ainda que não o declarando explicitamente, é obviamente um reflexo dos ideais da sociedade que a redigiu. Pois será, mas não devia. É-o porque os seres humanos são preconceituosos. Sê-lo-á a nossa, portuguesa, porque o preconceito continua a ser aceitável, mesmo entre as chamadas elites pensantes. Mas não devia ser. A Constituição devia conter somente os preceitos universais para o bem estar do ser humano. O direito à felicidade, ao trabalho, à saúde, à educação, à liberdade, ao amor, e como somos seres extremamente sociais, o direito à não ostracização.

Senão eu faço a mesma pergunta que o meu amigo chileno: o que constituirá o contraponto à lei da maioria?

* Ele condenou o meu uso de "muçulmanos" para caracterizar esses países. Semântica. Este é um problema político, dizia-me ele. Religião e Política são separados. Aqui, meu caro, não nesses países, em que os gritos de protesto a tresandar a ódio e morte começam nas mesquitas pelas bocas dos imãs.

3 comentários:

João Melo Alvim disse...

Lá está, se eu basear a Democracia apenas nos processos eleitorais, formalmente é uma democracia, mas materialmente pode estar muito longe (como usualmente está).

Há tempos li "O futuro da Liberdade" de Fareed Zakaria, que se debruça muito (e bem) sobre as democracias liberais e iliberais (na perspectiva do respeito pela liberdade de cada um e não tanto na perspectiva economicista). O problema é esse mesmo, da maioria, que mal gerido descamba numa ditadura de opinião.

abrunho disse...

A democracia dos processos eleitorais só resulta numa sociedade de tolerância e respeito, se a maioria das pessoas assim o forem. Olhando à volta penso que é perigoso confiarmos nisto como uma característica geral (Nunca me esqueci de um juiz que ilibou uns senhores de violarem umas estrangeiras e nas suas palavras finais declarou que elas não tinham nada que andar pela coutada do macho lusitano. Isto de um juiz, do qual se espera muito mais que este tipo de pensamento sabujo. Houve justiça? Com estas palavras de um juiz duvida-se. Isto para mim demonstra que, a priori, não se pode confiar na magnanimidade das pessoas.). Não tenho conhecimentos teóricos sobre governação e legislação, mas no meu pensar parece-me que é na constituição que deve residir o selo de segurança.

João Melo Alvim disse...

O famoso acordão da coutada do macho ibérico é algo de indescrítivel e profundamente vergonhoso. Lembra-me a decisão do Tribunal de Napóles da mulher que não podia ter sido violada pelo instrutor de condução, porque ela trazia jeans. E para tirar os jeans, só com colaboração da vítima, que assim, não o poderia ser... O mundo latino no seu melhor (embora que com estes exemplos nórdicos, as "referências" se comecem a perder).

A preparação da sociedade para uma democracia está, sem dúvida, na informação e na capacidade de pensar. Estou a ler agora "A História de um Alemão" que relata a ascensão do nazismo e como se destruiu a (débil, pelos nossos padrões) capacidade de análise crítica dos alemães. Sem conhecimento e discussão, a destruição.