Cara Helena,
a minha noite ontem foi passada no contraditório.
Encontrei-me com um conhecido dinamarquês, indignada, ruborizada, na defesa da liberdade. Imagina se queres, gadelhas e cuspo pelo ar.
Abrunho, senta-te. A Dinamarca é hoje um país racista. Os dinamarqueses maioritários continuam a ser boas pessoas, cordiais com aqueles que conhecem, sejam eles estrangeiros ou dinamarqueses culturalmente diferentes. Contudo, estão abertos a políticas xenófobas que os protejam da ameaça sentida de uma massa humana, que eles visualizam desconhecida e abstracta.
O apoio a políticos xenófobos e os consequentes acção e discurso está a criar tensões sociais graves. Pelo menos 5% dos dinamarqueses são muçulmanos. Além disso, adiciona os imigrantes. Além disso, adiciona outras comunidades também visadas.
O jornal em questão - Jyllands-Posten - tem como linha editorial a publicação de artigos racistas e xenófobos. Depois da Kristallnacht (este jornal é velhinho) publicou que os alemães tinham exagerado um pouco, mas era compreensível a sua animosidade contra os judeus.
Mas eu li que tudo começou porque um escritor queria contratar ilustradores para um livro seu sobre Maomé e ninguém aceitou porque temiam represálias. Assim, este jornal tomou a iniciativa de congregar um conjunto de cartoonistas e publicar os seus trabalhos figurando Maomé.
Mas então eles não tinham medo de represálias?
?
Se tivesse sido uns cartoons num jornal que não o Jyllands-Posten a questão não teria atingido estas proporções. Além de que esta é a gota de água numa cadeia de provocações.
Mas não é um exagero fazer ameaças de morte?
Houve exagero. Mas atenção, que os que ameaçam de morte são uns poucos. Não podes considerá-los como representativos. Utilizando o palavrar do próprio Jyllands-Posten: houve exagero, mas não será compreensível a animosidade da comunidade islâmica para com os dinamarqueses? Dentro de portas o tom é de provocação, fora é o apoio da beligerância. Não é a liberdade que está em perigo na Dinamarca.
Quando falo de liberdade falo de uma óptica europeia porque essa é a minha origem e vivência. Eu gostaria que ela fosse universal. Tento tido a sorte de viver na liberdade, considero-a um dos maiores bens. Não conoto a liberdade com respeito, conoto-a com fundamental. Merece que se lute por ela, não pelo facto de ser nossa, pois a liberdade não se possui, mas pelo direito do seu usufruto.
Fica bem. Gosto de te ler.
abrunho
* Hamlet, Shakespeare, Primeiro Acto, Cena 4
1 comentário:
Muito obrigada por este esclarecimento!
Ao último parágrafo gostava de acrescentar uma palavra chave: responsabilidade.
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