terça-feira

Liberdade

Estou a ler um livro* em que se fala de Bento de Espinoza, filósofo holandês que viveu no século XVII. De origem judia, os seus antepassados fugiram primeiro da Castela dos reis mui católicos e um século depois do Portugal inquisitorial, também mui católico. Dirigiram-se uns para Nantes, outros Amesterdão. Alguns ficaram e não prosseguirei na descrição dos métodos de perdão e purificação que lhes foram santamente dispensados. A 24 de Novembro de 1632 Espinoza nasce no paraíso de liberdade que era na altura a república dos Países Baixos.

Espinoza foi um aluno brilhante, um espírito curioso e um pensador livre. Começou a ter ideias blasfemas como o pensar que os livros de Moisés eram obras de simples humanos, que não existe a imortalidade da alma e que Deus é uma emanação do Mundo. Chamado à sinagoga ele recusou-se a negociar um perdão e sofreu a excomunhão e expulsão da comunidade judaica.

Espinoza tornou-se então totalmente um cidadão livre de uma república livre, rodeada por estados bem menos livres e bem mais influenciados por ideias teocráticas. Quando as suas ideias se desenvolveram e ele as escreveu, os seus livros foram apelidados de heréticos e ele apontado como um desprezível judeu ateísta (quando na verdade ele não colocou em questão a existência de Deus, mas a sua natureza). Compreendam que se ele fosse expulso dos Países Baixos não haveria onde ele se refugiasse. Neste oásis foi-lhe permitido desenvolver uma filosofia baseada numa ordem política secular e em ideais liberais.

A liberdade em Espinoza reverberou em mim quando li sobre as pressões sofridas pela Dinamarca, por parte de países do Médio Oriente, devido a quadradinhos que retratam o profeta Maomé. Pressão que chega a ameaças de morte. No Blasfémias fazem um bom resumo dos acontecimentos.

A Europa percorreu um longo percurso, no qual pessoas, como Espinoza, arriscaram a vida pela liberdade. Muitos morreram. Obras não foram realizadas por medo. Obras foram destruídas.

Entristece-me que a Dinamarca pareça estar sozinha. Que não haja representantes dos países europeus que expressem apoio, pessoas que vão para as ruas e digam que a liberdade é o nosso maior bem, que a blogosfera clame (só li sobre o assunto no Blasfémias!). Nao há nada de que pedir desculpa. Espinoza pediu desculpas? Isto não são só cartoons! São jornalistas que não escrevem por medo de represálias, é Theo van Gogh morto na Holanda e Ayaan Hirsi Ali protegida 24 horas de ser assassinada. Isto é sobre liberdade. Imaginem-se sem ela.

* The Courtier and the Heretic. Leibniz, Spinoza, and the fate of God in the modern world. Matthew Stewart

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