quinta-feira

Experiente

É uma pequena cidade, vizinha a Roma, empoleirada no pinoco de um monte. As vistas são deslumbrantes, as ruas estreitas e patuscas. Há festa, saltimbancos esforçam-se com ar entediado para alegrar os turistas, ainda mais entediados. O desejo de não desiludir a mãe católica do meu bom amigo, leva-nos, a ambos, a visitar um convento. Durante a visita fazemos caretas um ao outro para nos distrairmos, enquanto a pequena freira conta a história aborrecida da fundação do convento. No pequeno pátio: uma estátua bruta do falecido papa, em que se tenta dar movimento à pedra e esta rebela-se, acentuando toda a sua monolítica passividade. A freira fala da sua devoção pelo João Paulo II e eu lembro-me de uma pintura que vi algures (museu do Vaticano?) de uma freira que olha para Jesus Cristo de uma forma altamente inapropriada. A santidade do falecido foi diagnosticada por ela ainda antes dele ter morrido e assim ter passado a merecer o título. O deleite é tanto que presumo que ela seja a fã número um.

Os vestígios da origem palaciana do convento foram aniquilados pela restauração. Na biblioteca bocejante ela tenta vender-nos um chá para maleitas. Numa prateleira, numerosos livros sobre a interpretação de sonhos. Presente: Freud. Num salão enorme (finalmente algo realmente interessante), onde se imaginam cavaleiros medievais a lambuzarem-se com bocados desmesurados de javali enquanto planeiam o assassinato do Papa, ela tenta vender-nos os bordados das diligentes freirinhas. Ponho-me à janela escancarada, a admirar as vistas soberbas sobre os vales pintalgados. O meu amigo aproxima-se e diz-me ao ouvido que não poderei ser freira. Finjo-me destroçada e pergunto porquê. "Só até aos trinta." "Porquê?" "Depois considera-se que as mulheres têm experiência a mais." Dou uma risada sonora que cavala pela sala enorme. A freira olha-me. Eu sorrio feliz. Sou uma mulher experiente. Infantil, mas experiente.

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