segunda-feira

Permita-me abordar a questão da democracia

Martin Schulz, PSE: “Os que pensam que o Tratado de Lisboa ou a constituição eram menos sociais do que o Tratado de Nice sob o qual estamos hoje, não leram o texto. Para responder claramente, é mais social. Não é o que pretendíamos, mas constitui mesmo assim um progresso. Mas permita-me abordar a questão da democracia. O colega Farage pertence a um grupo que defende a legitimidade do referendo. Isto implica que nos países que tradicionalmente não conhecem o referendo sobre os tratados internacionais, a ratificação parlamentar é menos válida do que um referendo, o que me parece pouco aceitável. Os Estados Unidos são um país que não sabe o que são os referendos e que é mesmo assim democrático. A Alemanha não tem uma tradição referendária. E vou dizer-lhe porque é que, na Alemanha, eu sempre estive contra os referendos. Vejamos o caso do alargamento… (Farage ri) Ouça-me primeiro e depois ri. Imaginemos que na Alemanha, por exemplo, na altura do alargamento, houvesse referendos sobre a Polónia, a República Checa, etc… Não me parece que teria sido uma boa ideia na Alemanha de submeter o alargamento da União Europeia a referendo. E a ratificação do Bundestag e do Bundesrat foi absolutamente democrática.

Para terminar, senhor Farage. Houve quatro referendos sobre a Constituição. Um na Holanda: contra; um em França: contra. Houve mais dois: em Espanha, com 72% a favor, e no Luxemburgo, com 60% a favor. No conjunto dos países que organizaram um referendo houve uma maioria de cidadãos a favor da Constituição. Respeite, o senhor também, a democracia.”

Nigel Farage, Ind/Dem: “O que está a dizer senhor Shultz, as implicações do que está a dizer em relação ao conceito de democracia são verdadeiramente terríveis. Está a dizer que não devemos perguntar aos alemães que opinião têm, que temos que os guiar. É assustador! Nunca me esquecerei que no dia a seguir ao “não” irlandês você disse no parlamento que ‘não nos devemos render ao populismo’ e espero que peça desculpa pelo que disse. É absolutamente… Você é anti-democrático. Você acredita que uma classe dirigente sabe o que é melhor para o cidadão comum. É monstruoso!”

Martin Schulz, PSE: “É uma honra ser tratado de anti-democrático por si. Muito obrigado!”


Antes que pensem que eu posto isto porque partilho as opiniões do Sr. Farage, afirmo já que não. Desculpem, mas não tenho uma alta opinião sobre as capacidades do cidadão comum em não ser manipulado através dos seus preconceitos. Nunca Portugal teria entrado na UE se o tivessem perguntado aos franceses, nunca a Polónia teria entrado na UE se o tivessem perguntado aos alemães. Nunca teria existido UE se o tivessem perguntado aos cidadãos. Alguém imagina o cidadão comum francês a querer juntar-se ao cidadão comum alemão e ao cidadão comum britânico e ao cidadão comum... Portanto, sejamos honestos e ponhamos a UE a referendo e terminemos já com isto. Na Suiça, onde se pergunta muita coisa aos cidadãos, nos anos 90 as mulheres tiveram finalmente o direito de votar em todos os cantões e ainda havia para lá um cantão perdido que não se tinha decidido a tal. Foi preciso o governo central dizer "desculpem lá, mas c'est fini!" Cá para mim, se tivesse sido por referendo, a escravatura ainda era legal. E vocês dizem, que ideia, somos tão civilizados. Li este artigo sobre o Dubai e o que mais impressão me fez foi como os europeus que aí vivem veem e aproveitam-se daquele sistema. Sem pejos ou problemas de consciência. Desculpem, o cidadão comum? O cidadão comum come-te o figado se acha que não és um deles e se ninguém existe que o puna. Se não concordam, exemplifiquem com um daqueles avanços civilizacionais de que gostamos de nos orgulhar que tenha sido promovido por voto popular.

Portanto, eu acho que referendos em que haja a figura dos "outros" não devem existir. Mas concordo com referendos sobre "nós". E não concordo com referendos em que só existe uma resposta possível e em que a resposta impossível não traz consequências. Quem votasse "não" saía e aí já podiamos tirar conclusões sobre a opinião do cidadão comum sobre a UE.

Esta confusão é culpa dos governos que não têm tomates para definir que se não existe aceitação do tratado saem e deixam os outros que aceitam ir no seu caminho, e mais destomatados são os que não arcam com a responsabilidade sem que possam oferecer subsídios ao cidadão comum.

Mas não é por não concordar com Nigel Farage que eu não o ache importante para a democracia:



P.S.: Eu diria que se fazem referendos nos EUA. Só que são ao nível estadual (e muito provavelmente local) e eles referendam tudo o que alguém se lembrar pôr a referendo e que tenha um nr. minimo de assinaturas. Quando estive no Colorado em 2006 estava a referendo, entre outras questões de que já não me lembro, a legalização da marijuana e usar certo dinheiro para comprar autocarros e outros materiais escolares.

P.S.2: snowgaze disse...

na Alemanha não há referendos??? Então e o referendo para decidir se parte das pequenas bibiliotecas municipais espalhadas pela cidade deveriam continuar abertas? E o referendo para decidir se se podiam construir prédios muito altos dentro da cidade? (estes dois em Munique) Não contam como referendos porquê?

11/Mai/2009 13:23:00

11 comentários:

snowgaze disse...

na Alemanha não há referendos??? Então e o referendo para decidir se parte das pequenas bibiliotecas municipais espalhadas pela cidade deveriam continuar abertas? E o referendo para decidir se se podiam construir prédios muito altos dentro da cidade? (estes dois em Munique) Não contam como referendos porquê?

jj.amarante disse...

Eu tenho muito pouca simpatia por referendos, sobretudo por achar que muita gente não resiste a ter palpites sobre temas em que tem muito pouca informação. É para isso que serve a democracia representativa, para que existam pessoas eleitas com tempo para se documentarem sobre os temas em discussão. Mesmo admitindo os referendos, é uma enorme batota pretender fazer 27 referendos em série, em que qualquer deles tem poder de veto, o Não fica com uma vantagem esmagadora, conforme referido aqui: "http://klepsydra.blogspot.com/2007_07_01_archive.html#6796895339570326825"

abrunho disse...

Provavelmente em politiques o Sr. Martin Schulz nao mentiu. :)

Anónimo disse...

humhum

ass.: a cidadã comum

Helena Araújo disse...

Abrunho,

clap clap clap !!!

Post fantástico.

sabine disse...

Abrunho:

Então as pessoas devem limitar-se a aceitar passivamente que decidam por elas?! Desde que Portugal entrou na UE até hoje todos os dias nascem desculpas para não referendar.
E não achas estranho as pessoas não terem informação suficiente? Porquê a abstenção tem aumentado tanto - e falo em votações nas eleições nacionais - nos países da Europa?

abrunho disse...

As pessoas abtêm-se porque são passivas. Porque é aceitável pôr o arzinho de vítima, mandar uma boca foleira sobre o Sócrates e a honestidade de todos os políticos e assim lavar as mãos de qualquer dever. "Eu não quero saber de política" e pronto sobes aos céus da pureza.

Não há informação? A comissão e o parlamento europeu oferecem muito mais informação ao cidadão comum que o governo português e a assembleia da república. Nem se compara. Que as pessoas se zanguem com os media que resolveram que o papel deles não é informar.

Eu não concordo com um referendo sem consequências para o "não". Tu escreves como se o cidadão comum português andasse a pedir referendos sobre a Europa. O cidadão comum que conheço é mais "Europa", "Quê?".

O governo português e a assembléia da república foram votados democraticamente pela maioria do povo português que resolveu ir votar.

sabine disse...

Abrunho:

Essa do «"Eu não quero saber de política" e pronto sobes aos céus da pureza» faz-me lembrar a ridicula campanha do Cavaco Silva. :)
E esse argumento da boca foleira ao Sócrates não faz grande sentido. Bocas foleiras sempre se mandaram e não foi por isso que em tempos as pessoas iam votar + que votam hoje.
A questão é precisamente essa: fazem-se tantos papeis informativos sobre a Europa e mesmo assim a unica coisa que se percepciona da UE é a politica agricula comum e as normalizações. Mas ninguem sabe quem decide realmente.
Claro que o cidadão médio português não pede agora referendos para a Europa. A discussao a volta da Europa - tudo o que não seja subsidios é limitada à anos em Portugal. Pode por_se em causa tudo, menos o facto de Portugal ter de ser um "bom aluno". Isso é discussãp?!
Como sabes, sempre fui muito euroceptica. Por isso a saída da UE é uma ideia que não me choca nada.
O que me choca é que esta discussão se esteja a tornar a escolha entre o preto ou o branco, sem mais opções pelo meio: ou o Portugal de "sucesso" na UE sem referendo, ou o Portugal de "insucesso" fora da Europa com referendo.

sabine disse...

Outra coisa: a democracia é votar num partido e não discutir mais politica?

Beijos

abrunho disse...

Eu usei o Sócrates não como exemplo absoluto. O que eu quis dizer é que as pessoas veem a sua prestação política como desabafos (por vezes bem longos) contra o Sócrates (grande moda do momento pareceu-me na minha última visita) e o governo. E eu não vejo grande substância nas críticas. E terminou aí. Há passividade e a culpa é das pessoas. Ve o nível de participação neste fórum: http://forums.ec.europa.eu/debateeurope/viewforum.php?f=143&language=portuguese

Há informação. Dizeres que não sabes quem decide significa que não te informaste como a UE funciona. Daqui ninguém te ajuda a não seres tu própria.

Que o discurso em Portugal sobre a UE é fraco não é culpa da UE.

Eu não apoio a saída de Portugal da UE porque isto significa continuar a aceitar decisões da UE sem ter nenhuma influência. Isto porque Portugal sozinho não tem peso para influenciar de forma alguma ninguém. A mais valia da UE, a razão porque mesmo a Alemanha, que é a maior contribuinte para ela, não pensa em a pôr em risco ou os britânicos apesar de rabujarem a torto e a direito, mas não se decidem a deixá-la é saber que se têm capacidade de impôr as suas regras é pela força dos números. Os suiços e os noruegueses não se juntam, mas participam em acordos e pagam para participar neles e aceitam sem terem nenhum voto na matéria.

Para mim a escolha é pertencer à UE e participar nela ou não pertencer, não participar e aceitar o que a UE decide.

abrunho disse...

O único monopólio que Portugal poderia ter seria o da integridade, de ser o grilo do Pinóquio, mas é claro que nesse os nossos políticos não acreditam. Exemplos são os negócios em Angola e o Durao Barroso a servir de carpete aquando da decisao da guerra no Iraque.

Beijos