quarta-feira

Respeito, tolerância

Numa sociedade multicultural temos que aprender a viver juntos e a definir o que devemos/podemos ou não tolerar. Julgo que este é o maior desafio no nosso futuro, numa Europa que mostra reacções indesejáveis à imigração. Na Áustria, 29% dos votos nas últimas eleições foram em partidos da extrema-direita. Os opiniadores dizem-nos que não tem a ver com as ideias debitadas pelos seus líderes, mas porque os partidos moderados demonstram incapacidade de governar. Uma questão de votar nos que não estão a governar. Mas a Áustria com as leis mais duras na Europa em imigração e asilo e uma amnésia gritante relativamente ao seu passado nazi põe-me a duvidar.

Enquanto na Áustria se foca na expulsão e limitação férrea da imigração, na Alemanha resolveu-se exigir um pouco mais dos imigrados. Ultrapassada a ideia de que os imigrantes que tinham sido convidados a trabalhar vinham mesmo só de visita, resolve-se agora exigir conhecimentos mínimos de alemão a alguns dos novos imigrantes e agora há testes sobre a cultura alemã para obter a cidadania alemã. As vozes discordantes dizem que está-se a exigir a quem vem o que quem está não sabe. Muitos alemães não sabem falar bom alemão, dizem-me colegas alemães, e não sabem as respostas de muitas das perguntas no teste. Eu posso discutir o teor das perguntas. Mas a ideia do teste agrada-me se assinalar aos estudantes da nova cidadania que aqui há uma maneira de ver o mundo que deve ser respeitada por quem vem e se tal não for possível, por favor não venha viver neste país.

Só que isto do respeito é um bicho de mais que uma cabeça e não nos afeta só em termos de imigração. Porque o que enfrentamos é um mundo em que teremos de tolerar o que não respeitamos. E teremos de definir bem o que é extremamente importante que todos respeitemos e o que teremos de tolerar e o que simplesmente é intolerável e impossível de ser respeitado. Quando falamos de novas regras, deveriamos ter isto em mente. Só que isto implica pensar em nós, nas nossas sociedades e definir já, pensar já, o que fica em cada compartimento e entendermo-nos entre nós sobre estes assuntos antes de os querermos ensinar aos imigrantes.

Abordando o casamento de homossexuais, que andou a rodar de novo pelos blogues e que enlameou outra vez o PS, partido que tem feito muito empenho em se borrar, e não digo isto só porque votou contra, mas porque fazem aqueles malabarismos discursantes e impõem regras de voto na assembleia que me chateiam pessoalmente. O meu gosto pessoal é que me fodam pela frente. Numa estratégia de arrastão trouxe-se para a discussão a poligamia. Isto para mim é muito interessante porque permitir casamentos poligamos faz-me repulsões. Imagino que seja este tipo de reacção primária que submerge quem argumenta contra o casamento de homossexuais. Do que tenho lido, as argumentações são reviravoltas mais ou menos inteligentes que usam a estratégia do foder por trás, quando o que realmente interessa é que as pessoas sentem uma repulsão primária pela ideia de que os homossexuais, que fazem coisas que todos nós fazemos, mas entre pessoas que conhecem intimamente o terreno inimigo, possam ser aceites às claras. Porque não andem às voltas do elefante na sala, que o busílis é este: as pessoas sabem que se os homossexuais casarem, eles estão a obter a carta de respeito. A Maria José Nogueira Pinto disse uma vez, a gente já os tolera. Eu pessoalmente tenho outra ideia de tolerância, que não a de não perseguir ativamente as pessoas. A tolerância seria mesmo deixar casar os homossexuais, mesmo que não respeite o fato deles terem mau gosto (esta do mau gosto é do maradona, outubro de 2008), porque o eles casarem não põe em questão nenhum fundamento cívico das nossas sociedades. Dizem-nos que põe em questão o casamento, mas esta asserção só seria aceitável se pusesse na prática em questão o casamento de outros. Isto, depois de muitas linhas lidas, não me foi demonstrado.

Olhando para mim e as minhas capacidades de tolerância e respeito, eu diria que me prepararei para discutir a questão de permitir por lei a poligamia. Ainda que sinta que neste caso não é somente uma questão de tolerar mau gosto. Eu sei que nunca respeitarei a prática da poligamia, mas pode ser que o possa tolerar, se me convencerem que com a poligamia não se fragilizam os direitos humanos na nossa sociedade, algo que cairia no compartimento do intolerável. Eu penso que o caminho seria este, o de hierarquizar o que é intolerável, tolerável, respeitável, compreendê-lo, ensiná-lo e só assim poderemos viver todos juntos e com as melhores oportunidades de sermos todos juntos felizes.

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