quarta-feira

Gemütlich

Uma das primeiras palavras que aprendi na Alemanha foi gemütlich. Era-me óbvio que nas casas que visitava havia ali uma diferença, que inicialmente nao se deixava apanhar por palavras, entre autóctones e nao-autóctones. Mal se passava a porta até o ar era diferente. Os autóctones criavam como ninhos, cada pedacinho de palhinha, pauzinho uma construçao para um espaço de bem-estar pessoal. Acabei por definir que a grande diferença era a atitude para o espaço em que se vivia: as casas dos nao-autóctones eram garagens, onde se aparcam os pertences e o corpo, onde se realizam actividades de manutençao. Quando trouxe isto á conversa, a palavra apareceu: gemütlich, esse estado de conforto do corpo e do espírito no espaço que ocupam. Os autóctones também estranhavam a indiferença que notavam nos nao-autóctones. Em primeiro, nós nao sabiamos explicar, mas após algum esforço chegamos com uma hipótese: o clima. Vinhamos todos de países cheios de sol, em que a rua, os cafés, as esplanadas, as varandas, os alpendres, os terraços, a praia sao os nossos espaços de estar. Mas no Norte da Alemanha, o ar livre é normalmente inóspito, pelo que o estar e a vida social derivam para dentro da casa. No meu quinto ano na Alemanha, eu já absorvi um pouco desse gemütlich, pela impossibilidade de nao o fazer. Precisamos desse acolhimento exterior para o nosso interior, que se nao nos é dado pelo sol e pelos cheiros amenos, nos é proporcionado por esse mundo carinhosamente criado.

Tendo compreendido ás minhas custas o que pode significar a nossa casa no Norte da Europa, fiquei divertidamente perplexa, que uma afirmaçao que aqui encima é tao óbvia possa causar tal lucubraçao auto-denominada filosófica lá embaixo na praia do Oeste. Mas eu nao compreenderia a ironia há seis anos atrás. Há certas simplicidades da vida que só se compreendem ao vive-las.

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