domingo

Ignorância histórica

Porque é que aprendemos história? A resposta padrão é de que é para prevenir os erros do passado. Pessoalmente, do que me lembro do meu percurso escolar, parece-me que era mais a intenção de nos inculcar nostalgia pelos tempos de ouro da nossa pátria. Levei com os descobrimentos e com os Lusíadas duas vezes.  Mas devo estar a ser injusta, devia ser por causa do ensino obrigatório, tinha que se dar estas necessárias lições muito cedo para os que iam ficar-se, e depois outra vez, supostamente mais profundamente quando já podiamos entender melhor. Os meus colegas de humanísticas levaram uma terceira vez, talvez de outro ângulo. Achei os descobrimentos uma seca, acho que me senti mais patriótica na leitura da crónica de Fernão Lopes sobre o povo a levantar-se em favor do seu rei. Gostei sempre muito quando o povo se resolveu a decidir, se bem que agora tenho um certo temor do poder irracional da turba. Mas enfim, em termos históricos aquilo correu bem. Mas se realmente há que aprender com a história, o patriotismo parece-me coisa a desaprender. A história também é para percebermos o presente e parece-me que este deve ser o enfoque. Em vez de maldizer o povo português na sua mesquinhez consumista, mais vale olhar as privações que passou e esperar que esta maleita lhe passe. O mais interessante para mim é a história em termos científicos e pensei nisto na área da vacinação. A vacinação é uma medida médica social. Os riscos para o indivíduo, que ao longo das décadas têm vindo a reduzir-se drasticamente, mas não era tanto assim no início, versus a protecção da saúde da comunidade. Morria-se muito de doenças que hoje só se lê na caderneta de vacinas e talvez muito de vez em quando talvez se leia nos media, ainda matar muitos em países com menos meios. As pessoas esquecem isto e em países com uma cultura individualista grande surgem focos anti-vacinação, o que visto em termos históricos é absurdo. Os médicos pôem as culpas à iliteracia científica, mas, nos países ricos é também ignorância histórica. Seria salutar ensinar em história de que se morria antes e explicar porque hoje se morre de outras coisas. Duas aulas e não se teria tanto disparate mortal. Mas isto é mais coisa de americanos e anglo-saxónicos com a mania de que sozinhos prevalecem. Uns já estão numa ilha, era fazer o mesmo aos outros.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

"Uns já estão numa ilha, era fazer o mesmo aos outros."
Lá vens tu com as tuas ilhas...
Outro dia querias mandar para lá os adolescentes, agora é os americanos.
Começo a desconfiar que tens uma empresa de ferry boats...
;-)


Será um problema só dos ingleses e dos americanos? Também conheço o fenómeno aqui na Alemanha. Vi-o sobretudo numa filha de sicilianos (aha, uma ilha!...) - uma fundamentalista da saúde, que tinha milhões de razões para não vacinar os filhos.
O pessoal da saúde pública chateia-se, pois é claro que se chateia: só se consegue erradicar as doenças se não houver furos no sistema.

Nunca me tinha dado conta dessa diferença entre o povo "bom" do Fernão Lopes e a turba enlouquecida que nos assusta.
Será que é porque a História é escrita pelos vencedores?

A propósito, fui ler um pouco sobre a revolta dos camponeses alemães em 1525 (Bauernkrieg). Triste História: os camponeses perderam, nso confrontos morreram mais de 100.000, e no fim da guerra foi um vê se te avias de cortar cabeças, arrancar olhos, cortar mãos... (quando vierem com a história da Inquisição, já posso responder que não era só ela, e não eram só os católicos; Martinho Lutero desempenhou durante esta revolta um papel altamente suspeito - aqui se vê como é importante aprender História...)
E contudo, os camponeses tinham razão. Só três séculos mais tarde uma nova revolução impôs aquilo que eles já no séc.XVI exigiam.

Um pequeno detalhe: havia na Turíngia uma família nobre que tinha uma tradição de justiça social de tal modo acentuada que, quando os camponeses em revolta chegaram à região e tentaram pegar ali o rastilho, os servos defenderam os seus senhores - afinal de contas, não tinham qualquer razão de queixa. Furiosos perante o que lhes parecia uma traição à classe, os revoltosos trataram de matar esses camponeses.
Oh, revoluções...