sexta-feira

Bom senso [# Actualizado]

Vivemos numa sociedade e para manter um sistema desta complexidade têm de existir regras. Verdade seja, acho que há regras a mais. Mas isso é outra história que agora não quero contar. O beco a que eu quero chegar é o de que quando se faz uma regra esta deverá abarcar o maior número de situações possíveis, mas restam as excepções. Verdade seja, que por vezes se fazem as regras a pensar nas excepções. Mas isso é outra história... Pelo que quando a regra não se adequa à situação dependemos do bom senso de quem a aplica. Aqui chegamos ao poço de idiotias a que eu queria chegar. É que o bom senso parece ser um bem escasso*. Claro que há muitos casos que não é um caso de bom senso, mas crime premeditado e isso é de novo outra história.

Ontem, no Público, vinha uma entrevista a Luís Villas-Boas, director do Refúgio Aboim Ascensão, instituição de acolhimento de crianças em Faro. Ele presidiu à extinta comissão que acompanhava o delinear do novo regime de adopção.

Um dos instrumentos principais que ele defende para que os potenciais pais encontrem os potenciais filhos e vice-versa é a criação de uma base de dados nacional. Contudo, um dos entraves vem da Comissão Nacional de Protecção de Dados, que não permite que se incluam informações de etnia. Todos nós ficamos contentes que exista uma Comissão que dê pareceres que nos protejam de um Big Brother, mas falta nesta situação bom senso. A comissão não vive neste mundo. É compreensível que pais adoptivos possam ter uma preferência por crianças da sua própria etnia (que não será só para o lado dos pálidos, mas também de pretos, castanhos, amarelos, ciganos, africanos, asiáticos,...) e alguns até preferirão o contrário. Mas esta informação é essencial para os intervenientes deste processo, incluindo as crianças# [Actualização]. A preferência étnica não é um reflexo seguro de racismo. Tenho um amigo branco sardento que fica excitadíssimo com mulheres asiáticas. Não o considero racista. Muitos outros exemplos de pendores que todos nós temos poderia eu dar. Se não percebem o mundo em que vivem e pior esse alheamento põe entraves à possibilidade de mais pessoas serem felizes, entre elas crianças abandonadas, em que esta medida é essencial para o seu futuro, bem, esta gente está doente. Sofrem do politicamente correcto, que irrita.

O politicamente correcto na área do racismo é ridículo. Porque o politicamente correcto passa do racismo para o racismo. Eu dou um exemplo: numa ocasião eu e vários colegas do meu instituto encontramo-nos para ver um espectáculo japonês de fogo-de-artifício. Juntamo-nos no local combinado, mas faltava alguém. Era uma moça francesa de origem africana. A maior parte do pessoal não reconheceu o nome e portanto um rapaz começou a descrevê-la. Ora, a moça era a única pessoa de traços africanos no nosso instituto e seria absolutamente lógico que ele começasse por aí. Afinal quando se tenta individualizar alguém, escolhem-se os traços mais diferenciadores, que na Alemanha eram os seus traços africanos. Mas ele não: cabelo curto, um brinco mais comprido que outro, olhos castanhos e eu a olhar para ele cada vez mais incrédula. Quando chegou ao momento em que ele teria de começar por características só úteis se todos pertencessemos a um clube de nudismo, eu disse o óbvio. Toda a gente chegou lá num segundo. Eu fiquei perplexa, pois isto para mim foi racismo decantado. Evitar dizer que a moça tinha pele preta e carapinha é como dizer que estas características são más. Afinal, o que é necessário é aceitarmo-nos, ou não? Fazer de conta que somos todos brancos? Que porra de novo racismo é este?

* estou a pensar no caso Fátima Felgueiras. O melhor que se pode pensar da juíza Ana Gabriela Freitas é a de que tem muita falta de senso. As alternativas fedem. Actualização: as alternativas podem ser outras e não federem. Ver aqui.

# Actualização: depois de ler sobre este mesmo assunto no blogue Renas e Veados dei-me conta que não expliquei porque é essencial este pormenor para as crianças. É essencial porque quando os potenciais pais e filhos se encontram os técnicos querem ter a maior certeza possível de sucesso. Que esta família será a certa, que quererão esta criança e a amarão. As expectativas são demasiadas e o fracasso paga-se caro e geralmente mais para o lado da criança. Na adopção vive-se na realidade dos sentimentos, não num mundo imaginário, nem os técnicos quererão mudar o mundo. Somente dar um lar funcional e feliz a uma criança, que a acolha com o mínimo de atritos.

Por outro lado, não estarei a ser demasiadamente generalista na minha compreensão? Não estarei a misturar? Todos nós temos preferências físicas e culturais relativamente a atracções sexuais e amorosas... [Para depois poderem ser esquecidas porque há muito mais na prenda que o pacote e relativamente a diferenças culturais até se pode descobrir que traz mais sal à relação... :-)] Na adopção os adoptantes e os adoptados também têm expectativas físicas e culturais (e de sexo e de idade...) que serão geralmente para o lado de serem todos o mais parecidos possível. É de compreender? Penso que sim. Somos humanos. Contudo, com mentes abertas há sempre flexibilidade. Mas é necessário que os técnicos saibam o mais possível para trabalhar as expectativas e as sensibilidades. "Blind dates" em adopção, devem ser o menos cegos possível.

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