quinta-feira

Haverá título para isto?

É uma sensação desesperante. Anda meio mundo a explorar o outro meio e é preciso é ter a sorte de ter nascido na metade certa. Uma pessoa tenta explorar o menos possível, mas não há escape. Além disso, é-nos dito que a solução é mesmo o materialismo. A solução é produzir, consumir, deitar fora. Produzir, consumir, deitar fora. Produzir, consumir, deitar fora. Parece que eu sou zen. Eu não sei o que sou. Neste momento eu não tenho a mínima ideia o que sou. Mas tudo isto deprime-me. O que me deprime é eu não ser suficientemente zen. De eu não fazer realmente algo útil e estar aqui, na metade boa, em vez de fazer algo que valha a pena na metade má. Ou talvez o pouco que faça de bom é suficiente. Eu sou pobre, mas ser pobre nesta metade do mundo não é nada de especial. Não é como ser pobre do outro lado. Um pobre do outro lado tem inveja da minha pobreza. Não sei que faça, mas sei que me sinto mal, deprimida e que isto é inútil. Completamente inútil.

7 comentários:

Nic disse...

A questao nao sao as tuas boas intensoes, de isso ninguem duvida. Eu acho que a questao sao os meios que propoes para melhoramento do que esta' menos bom do lado pobre.
Boicotar produtos feitos na China, nao e' solucao. E' pena mas e' assim.
Imagina as consequencias, fecharem as fabricas que sao o unico rendimento para milhoes de Chineses?
Alternativamente, expor os abusos criando pressoes aos que exploram talvez seja a longo prazo mais apropriado.

O mundo e' muito complexo, e os pontos de vista e interpretacoes da realidade dependem de onde e como nascemos. Por vezes as nossas boas intensoes, sem assim o querermos, teriam impacto ainda mais negativo no mal dos que queremos defender.

João Melo Alvim disse...

O problema é quando se quer ver tudo a preto e branco. Criar condições para que as coisas mudem, como o nic refere e bem, é o caminho. Para isso não há ser inútil, há é saber que há discussões que não precisam de redundar em dogmas.

João Melo Alvim disse...

E não é inútil, sob pena de ser um insulto para aqueles para quem a vida não permite esses "luxos".

abrunho disse...

Portanto, a tarefa para nós está na mão de jornalistas que possam furar a censura, censura essa que é seguida pela google e pela microsoft? Mas nós ao ouvirmos esses jornalistas temos que mostrar o nosso descontentamento. Como?

Helena Araújo disse...

Mais ou menos a propósito deste tema, sugiro que leias O Avesso do Avesso, e em especial este post:
http://avesso-do-avesso.blogspot.com/2006/06/liberais-maostas-ii.html

Será maniqueísmo, será cinismo, tanto faz - pergunto na mesma: mas alguém acredita realmente que as multinacionais investem na China por terem pena do bom povo chinês?
Puro oportunismo.
Pelos mesmos motivos altruístas o Rumsfeld andou em conversa com o Saddam Hussein; pelos mesmos motivos altruístas os EUA invadiram o Iraque (ficaram cheios de urgência de ajudar o povo iraquiano ...quando o Hussein se deixou de ir nas conversas).
Ri melhor quem ri no fim, não é?
Por acaso as multinacionais tão altruístas pensaram que é um risco enorme investir num país que só respeita a lei dos seus poderosos?

Em suma, Abrunho: estou como tu. Evito comprar "made in China", mesmo que me saia mais caro. O problema da China não se resolve com investimentos internacionais oportunistas (e destrutivos para a economia ocidental) mas com a democratização do sistema. E não me venham falar das gerações de famintos. A África está cheia deles, e ninguém faz lá investimentos altruístas.

abrunho disse...

Já li e também li este fds uns artigos de Robert Weil, um professor norte-americano que esteve por várias vezes na China e conta o que por lá se passa. Queria ver se fazia um poste sobre o que ele nos diz.

É óbvio que as corporações não se preocupam com os que têm fome e na China o que se percebe é que eles não salvaram ninguém da fome, mas lançaram as pessoas de um tipo de pobreza para outro. Quando os trabalhadores chineses exigirem os seus direitos, as corporações mudam-se para outro lugar onde possam continuar a explorar e assim continuamente enquanto ainda existir um lugar para parasitarem. Mas os blasfemos dizem-nos que é assim e só temos que esperar que as próprias sociedades que eles parasitam mudem até que não haja mais ninguém parasitável. Um fatalismo da exploração e uma magnânimidade para com o explorador que eu não percebo.

Há uns dias vi uma fotografia do casal Gates com dois bébés rechonchudinhos africanos nos braços. Não me enterneci. Só pensei se em vez de ter uma fortuna colossal, poderia ter uma fortuna mais modesta e não ter chutado uma data de bébés no caminho. Chuta-se um bébé num lado e salva-se do outro. Fica ela por ela. Faz bem à imagem e lava-se a consciência. Não esperem é admiração da minha parte.

Helena Araújo disse...

AH!
Essa lembra-me uma do "era uma vez na América": nós vivíamos lá quando foi o 11 de setembro, e ao fim de algumas semanas cancelámos a assinatura do jornal e arrumámos a televisão na cave, porque não aguentávamos mais a manipulação e o medo servido em doses cavalares. Alguns meses depois, quando invadiram o Afeganistão, mostraram fotografias de soldados americanos com bebés afegãos ao colo, e outras de mulheres de cara descoberta - e o povo todo contente: ah, salvadores das viúvas e dos orfãos!
Nós, que estávamos alheados dos meios de manipulação social e somos muito cínicos, achámos que era marketing barato para ninguém se lembrar de perguntar os motivos daquela guerra.
Bebés na primeira página do jornal são sempre um sucesso.