Em vez de mirabolismos pirotécnicos de boas intenções eu gostava de saber algo muito simples, muito básico: as escolas têm livros? As escolas têm bibliotecas que os professores possam usar para estimular a leitura? Ou que um espírito mais curioso possa explorar? Como querem que as pessoas leiam, se os únicos livros que folhearam na sua vida têm títulos como: Bíblia, Salmos, Geografia, Língua Portuguesa, Lista telefónica, etc. As revistas e jornais chamam-se: Bola, Record, O Almanaque, a Maria, a Helena e a Vanessa?
Eu sei que agora com os hipermercados e os centros comerciais a situação melhorou. As pessoas vêem lojas que, maravilha das maravilhas, só vendem livros! Os hipermercados vendem livros em conta. As pessoas não lêem obras-primas da literatura, mas começaram a ler. O que é fantástico. Só que claro os intelectuais já se queixam que se lê porcaria. E o que é que os intelectuais fazem? Aceitam pertencer a uma comissão para o incentivo à literatura quando não acreditam minimamente no que estão a fazer. Dizendo algo assim:
"Não vale a pena o voluntarismo, é inútil, ler sempre foi e sempre será coisa de uma minoria. Não vamos exigir a todo o mundo a paixão pela leitura", afirmou, caracterizando o facto de pertencer à comissão de honra do plano como "uma fatalidade, como as bexigas", decorrente do seu estatuto como vencedor do prémio Nobel.
Com intelectuais destes pode-se fazer um bom gaspacho. Neste ponto eu nem coloco em questão o que o José Saramago diz (acho que há mais disparate que acerto), mas a inconsequência e até irresponsabilidade de pensar assim e pertencer à comissão!
Usem o dinheiro para equipar escolas com livros. O meu liceu não tinha uma biblioteca! Bem, a minha cidade não tinha uma biblioteca. Bem, a minha cidade não tinha uma livraria! Acontece que existiam livros em minha casa. Foi a minha sorte na vida. Há casas sem livros e o outro local em que se pode descobrir o livro é na escola. Que os livros não estão só cheios de coisas para estudar e exercícios. Nem todos hão-de ter a paixão da leitura, mas não é preciso estarmos todos apaixonados. Muitos verão o livro como algo normal na sua vida e alguns poderão detestar ler. Eu penso que muitas pessoas não lêem porque nunca se habituaram a ver no livro algo mais que um compêndio.
Eu às vezes perco a esperança com estas elites alienadas. As que dizem que lêem (clássicos, obviamente) e as que dizem que governam.
P.S.: Podia-se pôr a comissão a fazer a revisão ortográfica dos jornais e revistas mais lidos. Para lhe dar uma verdadeira utilidade. Ah, pôr multas aos textozinhos que passam em rodapé na televisão. 10 Euros o erro. Ao fim de um mês dava para comprar uma data de livros. Livro a livro enche a biblioteca o papo. Este tipo de angariação de dinheiro para livros é ridículo? Ainda que fosse ridículo, provavelmente o meu plano teria mais hipóteses de efeitos práticos do que o proposto. Gato escaldado de água fria tem medo, ou seja, já tenho anos suficientes para não acreditar em planos baseados em boas intenções e coadjuvado por intelectuais.
Actualização:
Ora muito bem, assim por atacado parece que vão:
1) fazer publicidade
2) fazer promoções (não os saldos)
3) fazer formação
4) fazer um sítio da internet para ensinar os professores, os bibliotecários, educadores, mediadores, animadores e eventuais voluntários a publicitar, a promover e a formar.
No meio disto, presumo, andarão livros reais, com páginas, frases e letras. Se calhar a fase de equipar as escolas de livros já passou. Afinal, eu saí do liceu há treze anos. Mas duvido...
Já estou a imaginar o Figo de oculinhos, com um livro na mão e a dizer ao maralhal que ler faz bem aos ossos. E a Catarina Furtado de lábios rechonchudinhos a declamar um poeminha da Sophia de Mello Breyner Andersen entre a telenovela das 5 e das 6. Quantos livros se compram pelo preço de um spot de publicidade?
Ah, vão apoiar blogues sobre livros e leitura. Será que se eu me candidatar me pagam alguma coisinha? Há uns livros na minha lista que eu queria comprar. Eu comprava e depois publicitava aqui. Não sei se os iliteratos lêem o meu blogue, mas eu de certeza ficava a ganhar. Pelo menos eu, em vez de ser só os gandulas das agências de publicidade. Escrevi gandula porque acho que é uma palavra pouco utilizada para denegrir e quero começar a educar o povo iliterato que anda pelos blogues. A palavra de hoje é gandula. Querido iliterato, quando não se sabe o que uma palavra significa vai-se a um livro chamado dicionário. Como estamos na internet, eu dou-te a ligação a um dicionário on-line. Internet e on-line são palavras em inglês. Dou-te também a ligação para um dicionário de inglês. Não sabendo inglês és um analfabeto on-line e esse é outro programa. Este é só para iliteratos. Que segundo percebi, não percebem o que lêem, portanto não deves estar a perceber nada e já te bazaste. Vou fazer o mesmo.
P.S.: Acho até uma injustiça irónica que os senhores da publicidade e da informática fiquem a ganhar com isto. Essas duas tribos que escrevem textos que nem são português nem inglês. Deviam ser flagelados no Terreiro do Paço quando escrevem para pessoas de bem como eu. Esses selvagens fazem-me sentir uma iliterata, só que eu sei que a culpa não é minha. Há também iliteracia de expressão. Selvagens!
Actualização 2:
No "A Razão das Coisas", a experiência de outros nobres Planos Nacionais de Leitura.
3 comentários:
"Ah, vão apoiar blogues sobre livros e leitura. Será que se eu me candidatar me pagam alguma coisinha?"
Ahh, que bela ideia! Quando começarem as candidaturas vou logo submeter o meu "Ler e Reflectir...". Espero que o Plano Nacional de Leitura não sirva apenas para promover apenas livros, editoras e uma minoria pseudo-intelectual que não interessa a ninguém. Ninguém me incentivou a gostar de ler, mas o gosto estava lá: começou com umas Marias, livros de cordel e quando dei por mim estava a ler o "Cem Anos de Solidão" (que adorei!). O que interessa é ler, não interessa o quê.
http://lerreflectir.blogspot.com/
Eu não penso que as pessoas alvo deste plano leiam blogues.
Há pessoas que simplesmente não gostam ou acabam por descobrir mais tarde esse gosto de ler. O que é importante é que o facto das pessoas não lerem não se deva ao facto de não terem entrado em contacto com o livro, de não terem tido oportunidade de activar o tal gostinho da leitura, Ou então que não leiam porque não têm dinheiro para os comprar, caso em que as bibliotecas municipais são importantes.
O papel do Estado passa por aqui. Por tornar o livro acessível a todos através de uma boa rede de bibliotecas.
De resto, não se convence ninguém a ler através de publicidade. É atirar dinheiro pela janela.
Eu gostei mais do "Amor em Tempos de Cólera". Aliás, um dos meus livros da vida. Boas leituras. :-)
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