Tirei da mala o livro The time of our singing, de Richard Powers, que ando a ler e fiz o maior dos elogios, pois é um livro deslumbrante. Já estive várias vezes para escrever sobre ele aqui no blogue, mas é difícil. Tem sido muito emocional, eu como que trago as personagens dentro de mim, quase que de alguma forma as amo, sentindo-lhes a falta antecipada de quando acabar o livro. Nos EUA da luta pelos direitos dos negros, uma mulata, cujo sonho impossível é ser cantora clássica (nos EUA seria negra, porque uma das bases do livro é a questão racial ser vista na dualidade: é-se branco ou é-se preto) e um físico alemão judeu e branco apaixonam-se. A imagem que é dada é a de que o peixe e o pássaro apaixonam-se. Onde podem eles fazer o seu ninho? Esta é a peça central deste livro, que derrama um lirismo pelas páginas que é tão bom que chega a ser obsceno. Os dois casam e têm dois filhos e uma filha. Ambos apaixonados pela música dão aos seus filhos esse mundo de harmonia e fuga. Pretendem criá-los para lá da raça. Cada um deles será a sua própria raça. A luta é constante. Quando os filhos crescem está-se no pico da convulsão (Panteras negras, demonstrações a acabar em violência, Martin Luther King). Aos filhos é-lhes negada a pertença da música que eles aprenderam e amam, porque justificação, é música branca. A filha segue o mesmo raciocínio e é ela própria que a nega. Uma amiga minha, que já leu o livro, disse-me que ele veio pôr em questão a sua ideia de que bastava ter uma família cheia de amor para as pessoas poderem ser completas. Quando se ama um livro a situação extravasa a loucura. Páro a ouvir ópera numa onda de nostalgia que me sucumbe e até quando estou a ver futebol (cheiínho que está de mulatos) pareço ver as personagens a correr para cima e para baixo e esqueço-me do jogo.
Eu e o moço do comboio falamos das armadilhas chamadas livrarias e aí ele disse-me que nesse dia tinha comprado o último livro do Al Gore, An Inconvenient Truth. Perguntei-lhe se podia folhear o livro. Ele acedeu. Achei piada que, depois dos meus últimos postes, fosse ali com aquele estranho que o livro me viesse parar às mãos. O livro é figuras, fotografias e frases curtas e directas. É um prazer para os olhos e pareceu-me esclarecedor da forma mais simples possível. Não vi erros, mas não o li todo. Tem alguns textos mais longos e li um, mas não era sobre o Aquecimento Global ou as Alterações Climáticas. Era sobre a irmã dele. Sobre ela ter morrido com cancro dos pulmões devido a ser fumadora desde os treze anos. Ele pensa que se não fosse a campanha das empresas de tabaco contra a investigação da altura, ridicularizando, minimizando, relativizando a ciência feita, as pessoas poderiam ter visto mais cedo os riscos que corriam, incluindo a irmã dele. Ele compara a estratégia das companhias tabaqueiras com a estratégia hoje em relação à investigação do Aquecimento Global e das Alterações Climáticas, adiando a consciencialização do problema. Esta associação já a vi várias vezes, mas esta é a mais sentida e emocional. Estou a pensar comprar o livro e pareceu-me uma boa sugestão para as pessoas em geral que podem ler o essencial, sem linguagem especializada e sem ser aos bocados desgarrados.
Eu e o moço japonês combinamos ver juntos o jogo Croácia - Japão no Domingo. O M. também vem.
* Título dado para efeito. Foi verdadeiramente o expresso da 01:06.
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Clicar sobre a figura para aumentar de tamanho.
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Quanto ao Brasil - Croácia: acabei por passar o jogo a torcer pela Croácia. Eu estava admirada comigo própria, mas os brasileiros não me deram razões para mudar o meu sangue. Foi infeliz que eu não tivesse tido a oportunidade de ver a magia canarinha ao vivo, mas, pelo menos, o M. está muito satisfeito por eu afinal me ter mostrado uma amiga fiel. Adorei o novo Estádio de Berlim, mas eu, nestas coisas de arquitectura, adoro a simplicidade e a junção do antigo com o novo. Para quem não sabe, este foi o Estádio Olímpico em que Hitler quis mostrar a superioridade da raça ariana e acabou por ser rasteirado pelo Jesse Owens.
Hoje no El País: ao escreverem sobre o jogo Brasil - Croácia descrevem o que é escrito na imprensa lusa e na imprensa croata. Nem uma menção à imprensa brasileira. Não é esquisito?
4 comentários:
Fiquei cheia de vontade de ler esses livros!
Essa da separação racial lembra-me uma aula de inglês (para estrangeiros) em San Francisco: a propósito do censo que estava a decorrer nesse momento, o professor "ensinou-nos" a nossa raça. Olhou para mim e disse: black. Black, eu?!
Era um brincalhão - tinha a sala cheia de gente que estava lá para se divertir e deliciar com a sua inteligência e cultura.
Mas deixou o recado: há brancos e brancos.
E deixou a sensação de desconforto: como será nascer com a "cor errada"?
Numa escola brasileira, deram a uma menina, filha de pai japonês e mãe italiana, um formulário onde havia várias raças, para ela pôr uma cruz. Que fazer, neste caso? Pôs a cruz entre os quadradinhos.
É por aí...
Abrunho,
a resposta à tua pergunta lá no meu blogue é
http://www.radioblogclub.com/
Daniel,
és um querido de me vires aqui dizer-mo. Contudo, estou com problemas. O firefox empanca quando começo a clicar na página. Nao sei bem como resolver isto.
Resolvido.
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