quinta-feira

A lógica da batata (revisãozinha a azul)

Eu não me queria meter, mas acabei, num impulso de irritação por escrever isto, e como me comeu algum tempo e sarcasmo é algo que não gosto de desperdiçar, resolvi publicar. A arrogância do André Azevedo Alves é por vezes demais para aguentar. Surpreende-me o Rui Oliveira demonstrar, de barato, tanta ignorância. A questão não é ele ser tradutor, a questão é que sendo tradutor é um homem que sabe ler e até outras línguas, pelo que podia ter-se dado ao trabalho de ir buscar um livro e ler um bocadinho sobre a história da Terra. Mas não o fez. Ou então deixou mesmo assim, sabendo que entre os ignaros da matéria a piada iria ter eco.

Para o planeta Terra isto não é novo, se o planeta Terra tiver consciência de si próprio estar-se-á basicamente a cagar para nós, que no seu livro histórico nem a uma página temos direito. Somos um rodapé. E um dia seremos uma linha de pó entre camadas de terra. Como outras linhas de pó que já lá estão. Já houve várias extinções acima dos 90%, o planeta Terra já esteve 100% coberto de gelo [estava para aqui a ler um livro que diz que 100, 100 é capaz de não ter sido possível, já que a vida necessita de água no estado líquido. Ok, quase 100% - :-)], já houve zero de oxigénio, já houve mais CO2 na atmosfera que hoje, altura em que era hot, hot, hot, vegetação nos pólos, houve uma altura em que não havia carnívoros, até que um belo dia uma espécie de medusa deu uma dentada noutra espécie de medusa e agora andamo-nos a comer uns aos outros, e etc. Quem não se habituou morreu (olha a espécie de medusa que levou a dentada). O planeta Terra não dá subsídios. O planeta Terra está aqui na maior e outra grande extinção, outro período hot, hot, hot, não o vai chatear por aí além.

As alterações climáticas não interessam ao planeta Terra, interessam-nos a nós, que estamos neste preciso momento a viver sobre ele. Também interessariam a todos os outros bichos e plantas e outras coisas viventes que evoluiram connosco, mas esses pobres não têm voto na matéria. Se forem queridinhos, fofinhos, se nos divertirem e pudermos beneficiar deles ainda terão hipóteses de sobreviver, mas senão, azar. Fucking luck. Tivesses evoluído com um freaking big brain! Sai oh verme!

Para vossa educação, nós estamos a viver um período em termos climáticos calmo (ou estávamos, que as últimas duas décadas, com os seus diversos recordes, prognostica a passagem a outra fase). Foi devido a esta calmaria que pudemos desenvolver a agricultura e tudo o resto que por aí veio a seguir. Se um tipo andasse a plantar centeio e não pudesse estar mais ou menos atido que à primavera seguiria o verão não haveria agricultura. Na altura se houvesse azar morria-se à fome. Assim, quando esta previsibilidade começou há 10 000 anos atrás começaram uns tipos a plantar coisas, em vez de andarem sempre para cima e para baixo atrás de mamutes e veados e neandertais...

Portantos, porque tivemos a sorte de viver nesta calmaria somos o que somos hoje. Não sei bem se diga civilizados. Parece-me mais novo-ricos, arrogantes, com a mania. E com estas riquezas todas andamos a mudar o clima. Além disso, o Homem, aquele que não é preguiçoso como o Rui Oliveira, pode debruçar-se sobre o desconhecido e estudá-lo. Estudar mesmo, não sentados no sofá a mexer com a lógica. Eu acho muita piada quando se diz que com a lógica consegue-se definir se o Aquecimento Global é patacoada ou não. Mas dou de barato que os gregos antigos só com a lógica enunciaram a existência de átomos (benza neurónios) uns, quê?, 3,4 mil anos (bem, antes de Cristo) antes dos ditos serem realmente apanhados em flagrante, mas também levou as mesmas mentes brilhantes a achar que quando se junta sal a água, o sal se transforma em água. Prontos, a lógica não dá para tudo.

Os cientistas, para além de estarem no sofá a usar a lógica, usaram outros métodos para estudar os ciclos climáticos terrestres. Muito trabalhinho de mouro a estudar a correlação dos ciclos climáticos com ciclos solares, ciclos bioquímicos, eventos geológicos, impacto de meteoritos, através de métodos de análise laboratorial, medição instrumental, trabalho de campo (e mar e ar), estudos com modelos matemáticos para analisar os processos de causa-efeito e juntaram-se as peças de um puzzle que continua a ser construído na compreensão do clima terrestre. Pesando os meninos que usam a lógica e pelos seus postes parecem ainda não ter percebido o básico dos básicos nestas lides que é a diferença entre Efeito de Estufa e Aquecimento Global, com os cientistas e toda a sua labuta usando, matemática, física, química, biologia, geologia, todo esse amontoado de conhecimento a que se chamam ciências naturais, diversas estradas para chegar a uma conclusão: há aquecimento global e neste ponto actual do ciclo deve-se às actividades humanas. Deixa cá ver, ui, que difícil, deixa-me cá lançar uma moeda...

De tudo o que se sabe e compreendeu, neste ponto do ciclo natural, havendo uma alteração do clima natural deveria ser para frio, não para quente. Para além do sentido, o mais relevante é a rapidez com que está a acontecer. É a rapidez da mudança que não permitirá a adaptação dos outros seres vivos (mas, tendo em atenção que os metemos numas ilhas biológicas que vão encolhendo progressivamente também a sua extinção seria uma questão de tempo). Excepto os oportunistas. Ficaremos muito bem acompanhados, com as baratas, os ratos, as pombas, enquanto que os outros estarão em bibliotecas biológicas. Há gente que duvida que mesmo nós nos consigamos adaptar. Eu cá sou optimista. O mundo vai ser diferente, pobre, homogéneo, mono, a viver de memórias, por gerações inúmeras (realço inúmeras), mas eu acredito que havendo centros comerciais, a novela das cinco e um jogo de futebol de vez em quando, toda a gente será relativamente feliz. Além, que a gente tira bués de fotografias para os que não vão ver nada disto. Para quem gosta de ver álbuns vai ser mega-giro. O pior é que os putos terão aulas de história que nunca mais acaba. Não sei se vai haver tempo no programa para ensinar os descobrimentos. Mas o que interessa é: alguém se vai sentir mal? Uns parolos nostálgicos, mas quem é que quer saber desses tipos?

Assim, cá andamos, os seres humanos que andam de carro e têm centrais termoeléctricas e aviões e essas cenas giras e que nos fazem a vida tão mais confortável, mas que infelizmente seguem a merda da lei de Lavoisier. Andamos a retirar substâncias que estavam sepultadas nas entranhas da Terra e andamos a metê-las na atmosfera. Chamam-se gases com efeito de estufa. O efeito de estufa existe desde os primórdios da Terra. É um processo em que estes gases retêm parte da energia que nos vem do Sol, permitindo que a Terra estabilize a temperaturas superiores do que se estes gases não fizessem parte da atmosfera. Sem o efeito de estufa a Terra seria um berlinde de gelo. O efeito de estufa não existe só no planeta Terra. Falando dos planetas que nos estão mais próximos: existe em Vénus, só que o equilíbrio energético que se estabeleceu neste planeta transformou-o num forno. Quanto a Marte, devido ao seu tamanho é incapaz de prender a si uma atmosfera, pelo que exceptuando esparsos períodos em que houve emissão de gases formando uma atmosfera, estes acabam por escapar para o espaço e de novo Marte restabelece o seu eu mais gélido. Ao introduzirmos gases com efeito de estufa na atmosfera estamos a mover o equilíbrio energético da Terra. Esta está a reter mais energia vinda do sol e consequentemente a mover-se para temperaturas médias globais superiores. Como o planeta Terra é um sistema de ciclos e contra-ciclos, se mexemos neste equilíbrio energético, mexemos noutras variáveis e daí estas alterações climáticas.

Nós estamos num momento do saber em que negar a correlação entre os gases com efeito de estufa (que estão na atmosfera por arte nossa) e o aquecimento global seria como virar um copo de água sobre a cabeça de alguém e negar que essa acção teve alguma coisa a ver com o facto da pessoa estar a escorrer água da cabeça. Está-me a culpar a mim? Já viu se está a chover lá fora?

A questão agora é perceber em que consistirão as alterações climáticas. O que vai acontecer exactamente? Estudar o passado da Terra é uma grande ajuda. Analisar como era o planeta Terra quando os gases de estufa estavam em concentrações mais elevadas, entender o que levou às várias alterações climáticas, como é o ciclo climático e o que o "despista" é uma das formas de responder à questão do futuro que nos aguarda.

Assim, o que está em causa é um mundo em mudança e caso a gente não goste muito do que vem aí, azar. Fucking luck. É desconfortável para muitos pensar que somos nós os responsáveis por estas alterações climáticas e que sendo nós os responsáveis poderiamos fazer algo para retroceder o processo. Pessoalmente, acho que estamos demasiadamente confortáveis no nosso estilo de vida para o mudarmos. Basta olhar à volta. Basta saber como funcionamos. Nós choramos sobre o leite derramado. É assim que funcionamos. Se as alterações climáticas não fossem responsabilidade nossa, haveria menos consciências pesadas, mas estariamos no mesmo ponto a estudar como manter tudo como está agora. Esta é a Terra a que nos habituamos. Esta é a Terra após milhões de anos de evolução biológica. Esta é a Terra num momento de abundância. É isto que vamos perder. Além de que atendendo à forma como vivemos, onde vivemos e quantos somos não augurar nada de bom na nossa capacidade de sairmos incólumes num clima mais variável. A questão não é se aconteceu. A questão é que estamos aqui para o viver e morrer. Nós somos seis mil milhões de pessoas! O que o caso Katrina veio demonstrar a mim, no ano passado, é que se os EUA que é o mega, o mais rico, o que tem meios de protecção civil, deixou um desastre daqueles acontecer, então que será dos outros? Onde vivem mais pessoas e mais desprotegidas?

Quanto a consensos, os cientistas não discutem se vai haver alterações climáticas. A não ser que apareça por aí um artigo científico revolucionário que coloque em questão centenas de outros. Ficamos à espera, mas até lá o caso está arrumado. O que anda a perturbar o sono destas almas é: que alterações? Por isso andem por aí a discutir o sexo dos anjos. Se houvesse dúvidas quanto à reversibilidade do aquecimento global bastava isto para nos tirar as ilusões: anda-se no meio científico a discutir como e o resto a discutir se. Benza Deus. Telefonem quando descobrirem se é menina.

P.S.: Aproveito para mandar as minhas condolências mais sentidas aos botânicos e aos zoólogos, cujo futuro é serem coveiros, guardas de zoo e guardas de gavetas cheias de cadáveres de plantas. Opá, não fiquem tristes, ser bibliotecário também é giro. Os livros da vida sem direito a novas edições.

2 comentários:

Anónimo disse...

Excelente post!

abrunho disse...

Agradecida.

Mas fatal... :'|