quinta-feira

O verdadeiro amor. É normal,

é sério, é prático?

O que é que o mundo ganha com duas pessoas

que vivem num mundo delas próprias?



Colocadas no mesmo pedestal sem mérito nenhum,

extraídas ao acaso entre milhões, mas convencidas

que era assim que tinha que ser - em prémio de quê?

[ De nada.

A luz desce de qualquer lado.

Porquê nestas duas e não noutras?

Não é isto uma injustiça? É sim.

Não é contra os princípios estabelecidos com diligência,

e derruba a moral do seu cume? Sim, as duas coisas.



Olha para este casal feliz.

Não podiam ao menos tentar esconder-se,

fingindo um pouco de melancolia, por cortesia com

[ os seus amigos.

Ouçam como riem - é um insulto

a linguagem que usam - ilusoriamente clara.

E aquelas pequenas celebrações, rituais,

as mútuas rotinas elaboradas -

parece mesmo um acordo feito nas costas da humanidade.



É difícil prever a que ponto as coisas chegariam,

se as pessoas começassem a seguir o seu exemplo.

O que é que aconteceria à religião e à poesia?



O que é que seria recordado? Ou renunciado?

Quem quereria ficar dentro dos limites?



O verdadeiro amor. É mesmo necessário?

O tacto e o silêncio aconselham-nos a passar por cima dele

[ em silêncio,

como sobre um escândalo na alta roda da vida.

Crianças absolutamente maravilhosas nasceram sem a sua

[ ajuda.

Nem um milhão de anos conseguiriam povoar o planeta.

Ele chega tão raramente.



Deixem que as pessoas que nunca encontraram o verdadeiro

[ amor,

continuem a dizer que tal coisa não existe.


Com essa fé será mais fácil para eles viver e morrer.



DE Wislawa Szymborska (1923) -> X

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