quinta-feira

Tatuagens

Percebi o limbo no dia em que a minha mãe pela primeira vez disse: "A vida é para quem a sabe viver." Foi daqueles momentos em que sabemos que estamos a viver um daqueles momentos. Os decisivos, a linha entre o antes e o depois, os que nos hão-de bater vezes sem conta dentro do crânio até nos fazer acreditar na possível loucura, os que nos farão ranger os dentes, desejar chorar. Naquele dia eu tive medo, muito medo, como nunca tinha tido na vida e o medo mantevesse-me colado à pele. O caricato é que a minha mãe disse-o e provavelmente esqueceu-o, nunca sabendo que a criança que o ouviu iria ficar tatuada para a vida por algo aparentemente tão comezinho. Mas houve outros momentos menos comezinhos e tudo ficou escrito. Está tudo escrito na epiderme. Tenho medo do que digo às crianças. Explico tudo e rego as minhas palavras com esperança, sou ausente, tento ter o mínimo das influências e nunca desejei ter filhos. Porquê? Eu digo que suspeito que não serei uma boa mãe. Mas o pavor, o pavor são as tatuagens que eu possa deixar nos meus filhos.

2 comentários:

Anónimo disse...

"Tenho medo do que digo às crianças"

Não conhecia este teu receio do teu próprio racionalismo.

Devias ler o Castelo de Kafka, não te explico porquê ...

abrunho disse...

Esta combinado.