quinta-feira

Quando eu estive em Cuba

Estive lá 2 semanas de férias há 4 anos. Em apanhado: chegamos a Havana, alugamos um carro e conduzimos até Santiago de Cuba, Havana, casa. Havana era uma cidade belíssima, muito poluída e a cair aos pedaços. Algumas áreas do centro estavam a ser restauradas. A música saltava de cada canto, inadvertida, movida, alegre. O que mais me ficou de agradável de Cuba foram as crianças de uniformes escolares a brincar. Havana, um largo restaurado e limpo, diferente do sujo, do barulho e da poluição do restante, dum lado descansamos enquanto bebemos um café (sempre) intragável relativamente caro, em café para turista, enquanto do outro lado, da escola saíam as crianças com o professor de educação-física e ficamo-nos a ver a aula. Conseguirei explicar o doce desta memória? Durante a viagem houveram outros largos e outras crianças, a brincar pela noite e pelo dia, esquecidas dos turistas, na sua alegria privada e eu ia-me lembrando das crianças em Portugal, sempre fechadas em algum lado, na escola, em casa, no ATL, detrás de cercas e paredes. Disse à minha amiga que se tivesse filhos queria que fossem assim livres.

Mas as crianças crescem. Os cubanos tornam-se adultos. Aqueles que conseguem fazer negócio com os turistas são relativamente ricos. Tinham enormes televisões e aparelhagens, que os outros só em sonhos. Os adolescentes que podiam esmeravam-se por vestir como os rappers americanos. Tentavam-nos vender café, charutos, cigarros. Era ilegal, sentimo-nos como a comprar droga. Levaram-nos por umas portas reversas, os olhares cruzaram-se, eu pensei que eramos doidas. Eles disseram-nos que não nos preocupassemos. As penas de prisão são muito duras para quem faz mal a turistas. Eles são amáveis, tentam seduzir, dizem-nos que têm muitas namoradas no estrangeiro, que se escrevem. Falavam como se nos mostrassem um trunfo, esta ligação com o exterior. Fidel passava-lhes pelos lábios como um escarro. O que nós eramos, o que nos sentiamos a cada esquina, a nossa essencia era dinheiro. As crianças eram um descanso.

As estradas de Cuba eram pouco movimentadas e os carros detectavam-se à distância da nuvem de poluição que levavam na peugada. Quando nos chegavamos a algum camião fechavamos as janelas senão sufocavamos, até o ultrapassarmos. Nas bermas da estrada regularmente apareciam pessoas a pedir boleia. Discutimos se haviamos de levar alguém. Ao segundo dia tentamos. A partir daí até ao final da viagem fomos como um autocarro. Chegava ao ponto de estarem a sair por uma porta e a entrar pela outra. Conversamos muito, sem os jogos de obter dinheiro, aqui longe de Havana, as pessoas sentiam-se satisfeitas pela banalidade de uma boleia e por uma amigável conversa. Inopinadamente, pensamos que tinhamos a oportunidade única de falar com os cubanos sem se sentirem restritos. Depois de muitas boleias, não ficamos esclarecidas sobre o povo cubano. Nunca consegui perceber quando parava a representação, tanto a dos lamurientos como a dos louvadores. Tivemos as jovens revolucionárias que falavam com devoção do comandante e nos contaram como os americanos raptaram uns valorosos lutadores socialistas, acusaram-nos de espionagem e ainda os tinham presos. Havia cartazes ao pé da estrada a cantar estes valorosos heróis. Estes e Fidel e outos gritos pela revolução. Bastas vezes paramos para tirar fotografias a tiradas surrealistas. Pelo carro passaram muitos passivos que não falavam de política, encolhendo os ombros. Nós é que lhes contavamos o que tinhamos visto, o que tinhamos gostado, onde viviamos, o que faziamos. Passou o senhor que se lamuriava de não poder ir para onde queria, que tudo era controlado, que tudo tinha de ser requerido, que só poderia sair de Cuba se alguém de fora o convidasse e olhava pedinte para nós. Trocamos moradas. Contaram-nos o que se tinha que esperar por um simples tubo de pasta para os dentes, um simples qualquer coisa. Os que deitavam pelos olhos o sonho de serem como nós, terem as máquinas fotográficas que nós tinhamos, poderem viajar a um país distante como nós. Contaram-nos que a saúde e a educação eram completamente de graça. Que o comandante providenciava. Uma estudante de enfermagem gabou que em Cuba todos eram iguais, o branco, o preto, o mulato e mirou-nos talvez na expectativa que nós talvez ficássemos extasiadas e nós trocamos olhares e não soubemos que retrucar. Ensinaram-nos como saber pelas matrículas quem era funcionário graúdo do governo, peixe-miúdo, quem era diplomata, quem era o sortudo que ainda tinha o carro do avô. Eu dizia-lhes que a terra que eles invejavam também tinha os seus podres, que era preciso eles guardarem o bom quando a liberdade chegasse. Senti-me e fui paternalista. Eu queria falar-lhes da Europa, mas eles não se interessaram. Eles já sabiam, ou que Cuba era melhor, ou que lá fora era melhor. Tudo nos passou por aquele pequeno carro feito em autocarro. A minha amiga presenteou t-shirts e mais não sei o quê. Eu, como em tudo na vida, não fui preparada.

Inúmeras vezes nos tentaram enganar, amigáveis falcatrueiros. Inúmeras vezes nos mentiram. A desconfiança tornou-se uma segunda pele, com a excepção dos novos e dos velhos. Numa praia à sombra de hóteis para turistas, naquela altura do ano praticamente vazios, um senhor, que apanhava pedaços de folhas pela praia, olhou para nós admirado quando nadamos no mar, mas como, era Inverno, meninas! Que não, a água era melhor que em Portugal. Ah, sim, Figo. Até em Cuba. Inopinadamente numa cidadezinha pequena uma espécie de cowboy pagou-nos as bebidas e nós ficamos boquiabertas, habituadas que estavamos a pagar as bebidas de todos os impostos mancebos que se sentavam à nossa mesa.

Fora de Havana e Santiago, a maioria dos poucos turistas eram americanos com os seus sotaques detestáveis. Lembro-me de falar com um num bar, todos molhados com os melhores mojitos e cocktails que algumas vez bebi, onde ele cantou Cuba e denegriu os EUA. Dançava rumba divinamente.

Fomos a um museu botânico, eramos só nós e a guia. Obra de um ricaço de origem francesa muito antes da revolução. Passeamos por um jardim amado e selvagem, por entre árvores enormes, belas, exóticas. A guia tinha a macieza da calma. O dinheiro de entrada era baixo, mas ela não quis mais. Cavalgamos por serranias que nos lembraram as novelas brasileiras. O espanhol eram cascatas.

Nas duas grandes cidades a prostituição esgueirava-se. Em Santiago era frontal. Cigarros? Não. Café? Não. Charuto? Não. Chico? Gracias, não cabes na mala. Eles sorriem, encolhem os ombros, afastam-se.

Em Santiago, talvez porque não chega tanto turista, a gula assaltava. Em Santiago, os mulatos são belíssimos, de olhos claros. Em Santiago farta de ser assediada, tento vestir-me como uma cubana, maneio as ancas, digo à minha amiga que se afaste de mim com a sua câmara a tiracolo. Descubro que é escusado. Os piropos são descarregados em catadupa. O machismo é espesso. A invisibilidade é impossível. Por agora eu sentia-me cansada, irritada, queria voltar a casa, caminhar na rua e não ser olhada, não ser falada, não ser ludibriada.

No táxi para o aeroporto, o taxista pergunta-nos se achamos Havana bonita. Cuba bonita? Estava exausta. Respondi com a beleza e o resto. Ele sermoneou-me até ao aeroporto. Não percebo, diz, eu não percebo. Havia desespero e angústia na voz. Ele não regateia. Ele estava zangado. Eu sentia-me demasiadamente europeia. Eu e Cuba despedimo-nos assim, zangadas uma com a outra. Impacientes.

1 comentário:

Anónimo disse...

ai, mas a amiga deve ter adorado...tirar fotografias, então, é mm o forte dela...