quarta-feira

Um rabo quieto hoje, outros rabos molhados amanhã

(...) Eu acredito que a maior ameaça para os seres humanos criada pelas alterações climáticas é a potencial desestabilização das enormes placas de gelo da Gronelândia e da Antártida. Por razões práticas*, tal como a extinção das espécies, a desintegração das placas de gelo é irreversível. Os nossos filhos, netos e muitas mais gerações terão de arcar com as consequências das escolhas que nós faremos nos próximos anos.

O nível do mar é primariamente o resultado de alterações no volume das placas de gelo e logo de modificações na temperatura global. Quando o planeta arrefece, as placas de gelo aumentam sobre os continentes e o nível do mar desce. Reversamente, quando a Terra aquece, o gelo derrete e o nível do mar sobe. A autora Elizabeth Kolbert conta no livro "Field Notes from a Catastrophe" [Notas de Campo de uma Catástrofe], do trabalho dos cientistas a tentarem perceber a aceleração do derretimento dos gelos e o Al Gore, no seu novo livro e filme "Uma verdade inconveniente", ilustra com gráficos o que poderá significar a subida do nível do mar na Flórida e noutros locais.

As placas de gelo aumentaram e diminuiram à medida que a Terra arrefecia e aquecia durante os últimos 500 mil anos**. Durante as épocas mais frias das idades glaciais, a temperatura média da terra era cerca de 5,5 graus centígrados mais fria que hoje. A maior placa de gelo, com uma espessura de 1,6 km, cobrindo a maior parte do Canadá e Norte dos EUA, emprisionava tanta água que o nível do mar era 120 metros mais baixo que hoje. Os períodos inter-glaciais eram cerca de 1 grau centígrado mais quentes e o nível do mar chegava a atingir mais 5 metros que hoje.

A efectiva subida do nível do mar futura dependerá dramaticamente do aumento dos gases com efeito de estufa, que irão ser determinantes em quanto será o aquecimento global. (...)

De forma a definirmos uma estratégia efectiva para enfrentarmos as alterações climáticas, dois cenários podem ser projectados. No cenário "business-as-usual" [negócios-como-sempre], as emissões anuais de CO2 continuam a aumentar à taxa actual durante, pelo menos, mais cinquenta anos, tal como outros agentes de aquecimento da atmosfera, como o metano, o ozono ou a fuligem. No cenário alternativo, as emissões de CO2 estabilizam na actual década, diminuem lentamente nas décadas subsequentes e pela metade do século diminuem rapidamente com a ajuda de novas tecnologias.

O cenário "negócios-como-sempre" origina um aquecimento global de 3 graus centígrados neste século, enquanto que o cenário alternativo origina um aquecimento de menos de 1 grau centígrado, durante o mesmo período. (...)

Excertos do artigo "The threat to the planet" de Jim Hansen na New York Review of Books

Notas da tradutora (eu):
* Em termos de placas de gelo o resultado é irreversível na dimensão temporal dos seres humanos. O mesmo acontece em termos funcionais na extinção de espécies. Contudo, quando se fala em termos composicionais, a extinção de espécies é irreversível para sempre. A unicidade de cada espécie torna-a irrecuperável.
** Não é que antes o mesmo não tenha acontecido. 500 mil anos é o registo conhecido.

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