sábado

A dificuldade em contemplar

Estive ausente. Dias sem ler jornais portugueses ou blogues. Arredada.

Hoje liguei-me de novo ao mundo portugues que a mim chega-me por fio.

Segundo compreendi 11 miudos humilharam/torturaram/mataram um homem. Provavelmente porque estava fragil, doente e era transsexual. Miudos. Li pormenores de sadismo. Frisa-se que o assassinio nao foi premeditado. A tortura foi? Acabou por morrer, mas eles nem pensaram nisso. A estupidez e' como a insanidade mental, uma desagravante? Miudos.

Desculpem-me. Arredo-me de novo. Ha coisas muito dificeis de contemplar.

sexta-feira

Palestina



Gaza 1996. Campo de refugiados palestiniano em Rafah. Criança brinca com notas de banco israelitas, que os palestinianos são obrigados a usar nos territórios ocupados.

Em Magnum

quinta-feira

O que um deputado do Hamas tem a dizer

Excerto de entrevista [Aljazeera] a Aziz Duwaik, professor de planeamento urbano na Universidade Najah em Nablus, que nas últimas eleições legislativas palestinianas tornou-se um dos deputados do Hamas no parlamento.

(...)

But the question remains, how can Israel possibly talk with Hamas as long as Hamas refuses to recognise Israel's right to exist?
Why on earth should we recognise Israel while Israel refuses to recognise Palestine? Indeed, we can't understand why the international community, strangely enough including some Arab leaders, is demanding that we recognise Israel but making no similar demands on Israel that it ought to recognise Palestine.

But Israel is a reality while Palestine is not.
Palestine is also a reality. There are nearly five million Palestinians living in Palestine and these people have an inherent right to self-determination. Do you think that we are children of a lesser God or something?

Israel has recognised the PLO and said it will accept President Bush's vision which calls for the creation of a Palestinian state that would live in peace alongside Israel?
The important thing is not what Israel says but what Israel does. Israel has built hundreds of Jewish-only colonies in the West Bank and transferred hundreds of thousands of its citizen to the occupied territories. This alone shows the mendacity of its claims regarding Palestinian statehood.

Are you implying that the creation of a Palestinian state is no longer possible or realistic?
Precisely. Israel has effectively killed all prospects of a genuine and viable Palestinian state in the West Bank. In a nutshell, there is no room left for a true and viable Palestinian state in the West Bank. The implanting of so many Jewish colonies has made the creation of such a state utterly impossible.

Will you be willing to negotiate with Israel?
Negotiation in itself is not the issue. The issue is our rights as human beings and as a nation. If Israel is willing and ready to come to terms with our human, civil and political rights, then we can negotiate, otherwise we will not allow ourselves to repeat the same failed process of the past 10 years all over again. We maybe weak politically, but we certainly are not stupid.

The Oslo process was not a peace process. It was a process of deception and cheating and lies which enabled Israel to truncate our homeland with settlements and separation walls and roadblocks and closed military zones. We will not deceive our people as the Palestinian Authority did for 10 years.

(...)

quarta-feira

bloody pets

testosterona sit! good hormone.

A BBC e as suas decisões editoriais

Durante o caso dos cartoons dinamarqueses a BBC não os mostrou. Justificaram-se dizendo que para informar não era preciso mostrá-los e que só iria ofender desnecessariamente muito dos seus leitores. Duvido que sem ver os cartoons as pessoas pudessem avaliar a gravidade da ofensa, mas lá está, é direito deles.

Agora surgiram novas imagens relativas ao caso de torturas e humilhações na prisão de Abu Ghraib. Não são novos casos de tortura, é mais material visual do ocorrido. Na página da internet da BBC tem-se acesso às fotografias e um vídeo. Avisam-se que podem ser chocantes. Para avaliar da significância das novas imagens abri o das fotografias. São tristes e desnecessárias. O caso já veio para a arena, já foi discutido, pessoas foram condenadas. Para quê mostrar as fotografias de seres humanos rebaixados? O que trazem aquelas fotografias de novo?

O meu respeito pela BBC e pelas suas decisões editoriais despenhou.

Para o Irão, sem amor



De Javad Alizadeh, Irão

terça-feira

O amor é um caso de farmácia

Os neuroquímicos envolvidos na ligação sentimental e os envolvidos no desejo e prazer sexual são diferentes. Os primeiros são a oxitocina e a vasopressina, ambas produzidas nas gónadas e no hipótalamo. Para o sexo o mais importante é a testosterona. Contudo, estas substâncias afectam-se mutuamente. Em certas condições o aumento em testosterona também aumenta os níveis de oxitocina e vasopressina, de forma a que o prazer sexual promove o estabelecimento ou o fortalecimento da ligação amorosa. Inversamente, o aumento em oxitocina e vasopressina pode resultar no aumento da testosterona, de forma a que a atracção também possa conduzir a luxúria. Quando isto acontece o romance leva a desejos sexuais. Contudo, se os níveis de testosterona excedem certos limites pode-se criar um efeito paradoxal: os níveis de oxitocina e vasopressina diminuem muito e logo as possibilidades de ligação sentimental. Assim, um pouco de excitação sexual ajuda o enamoramento, mas demasiado mata-o. Também demasiada vasopressina diminui a testosterona e logo o desejo. Há aqui um problema complexo de doseamento.


"Hardwired behavior: What neuroscience reveals about morality" de Laurence Tancredi. Cambridge University Press, 2005. Pág. 106.

Tradução minha

sábado

Como é a vida no Irão?

Na BBC, na secção onde os leitores podem escrever sobre determinados assuntos propostos pelo jornal, colocou-se esta questão: como é a vida no Irão?

Traduzi algumas das contribuições:

(...) O governo actual estava a tornar-se menos popular e mais odiado até começar esta crise nuclear. Penso que o Ocidente está a agir erradamente e a tornar um governo odiado num governo popular, ao usar de critérios diversos e descriminação. Eu acredito que se o Ocidente não arruinar o processo, o próximo governo do Irão será democrático e pró-Ocidente. Obrigado.
Mohsen, Tehran

Os clérigos (não eleitos) usam a religião muito profissionalmente para explorar a população xiita. Infelizmente, nos últimos anos, os atropelos aos direitos humanos têm sido escondidos atrás da disputa nuclear. Ainda existem execuções, torturas, perseguições, censura, eleições preparadas, situação económica catastrófica, monopólio do poder, má gestão, imprensa controlada e a prisão de dissidentes. O que me chateia mais é o apoio do Ocidente a este governo, ao seguir uma política de "diálogo construtivo e crítico".
Hiwa Mokriani, Mahabad- Kurdistan

Como rapariga que estudou no Ocidente, sinto-me desapontada pelo que o Irão continua a ser. Um país belíssimo que é diminuído por um modelo político, social e económico que não dá qualquer oportunidade aos jovens; que suprime qualquer forma de pensamento inovador e empreendedor; que promove o favoritismo nos meios do poder. É triste viver no nosso próprio país e ouvir o desejo dos compatriotas de emigrar, procurar uma melhor existência no Ocidente, ao mesmo tempo que o governo tenta desesperadamente denegrir o Ocidente. A nossa religião é o Islão, mas a nossa cultura é a persa. O actual governo nunca entendeu esta distinção e continua a impôr uma cultura islâmica que nos é estranha. O tempo demonstrará que o mais precioso para nós é esse nosso sentir persa.
Bahareh, Niavaran, Tehran

Para um muçulmano sunita, a vida no Irão, especialmente em Teerão, é difícil. O governo proibe por lei os sunitas de construirem uma mesquita na capital. Os xiitas têm uma mesquita até em Bagdad, Iraque. Contudo, os sunitas no Irão são privados dos seus direitos. Quando estou de visita a parentes, eu não me declaro como sunita. Actualmente, eu abandonei o Irão por um país em que posso praticar livremente o Islão e não de acordo com os "Molahs".
Abubakr, Tehran

O meu pai envolveu-se numa luta com o primeiro governo de 88. Ele decidiu abandonar o país com a sua família. Na altura o Canadá era o país onde era mais fácil obter o estatuto de refugiado (penso que ainda é). Assim fez e tornamo-nos canadianos 8 anos depois. Em 2004, eu tinha-me chateado com a vida num país ocidental (a herança cultural e os valores iranianos não são sempre respeitados). O Canadá é um país muito tolerante, pacífico e amigável, mas em algumas coisas a cultura é demasiadamente diferente da nossa (especialmente as suas ideias políticas, que são a maior parte das vezes pensadas para demonizar/antagonizar o Irão). Porque é que as notícias sobre o Irão são sempre negativas? Estou feliz por agora viver na Malásia. Pelo menos aqui as pessoas não são tão ignorantes sobre nós.
Kia Kazam, Vancouver

sexta-feira

Olha, um moderado!

Muslims have little integrity demanding respect for our faith if they don't show it for others. When have we demonstrated against Saudi Arabia's policy to prevent Christians and Jews from stepping on the soil of Mecca? They may come for rare business trips, but nothing more. As long as Rome welcomes non-Christians and Jerusalem embraces non-Jews, we Muslims have more to protest than cartoons.

None of this is to dismiss the need to take my religion seriously. Hell, Muslims even take seriously the need to be serious: Islam has a teaching against "excessive laughter." I'm not joking. But does this mean that we should cry "blasphemy" over less-than-flattering depictions of the Prophet Muhammad? God no.

For one thing, the Koran itself points out that there will always be non-believers, and that it's for Allah, not Muslims, to deal with them. More than that, the Koran says there is "no compulsion in religion." Which suggests that nobody should be forced to treat Islamic norms as sacred.

Fine, many Muslims will retort, but we're talking about the Prophet Muhammad - Allah's final and therefore perfect messenger. However, Islamic tradition holds that the Prophet was a human being who made mistakes. It's precisely because he wasn't perfect that we know of the so-called Satanic Verses: a collection of passages that the Prophet reportedly included in the Koran. Only later did he realize that those verses glorified heathen idols rather than God. According to Islamic legend, he retracted the idolatrous passages, blaming them on a trick played by Satan.

When Muslims put the Prophet on a pedestal, we're engaging in idolatry of our own. The point of monotheism is to worship one God, not one of God's emissaries. Which is why humility requires people of faith to mock themselves - and each other - every once in a while.


Excerto dum artigo de Irshad Manji no Haaretz

Dar a voz aos muçulmanos de razão

Excerto dum artigo de Timothy Garton Ash no Guardian:

I think the British media have done exactly what they should by letting us hear the voices of Muslim extremists but setting them against moderate and reasonable Muslim voices, as well as those of non-Muslims. There was a riveting discussion on Newsnight, in which two British Muslim women calmly argued with the ranting, demagogic, but in style and accent also recognisably British, extremist Anjem Choudary, of the al-Ghuraba groupuscule. Perhaps it would have been better still if the discussion had been chaired by, say, Zeinab Badawi rather than Jeremy Paxman; but the essential point is that it provided a civilised platform on which Muslims could argue with fellow Muslims. Reporters sweepingly write of "Muslim anger" erupting across the world, but many British Muslims are as angry with the jihadist provocateurs as they are with the Danish cartoonists, as we will doubtless see in the demonstration planned by British Muslims in London this Saturday.

(...)

But the real dividing line is between moderates and extremists on both sides, between men and women of reason and dialogue, whether Muslim or non-Muslim, and men and women of hatred, such as Abu Hamza or Nick Griffin. Not for the first time in recent history, the means are more important than the ends. In fact, the means you choose determine where you'll end up.

This is not a war, and it's not going to be won or lost by the west. It's an argument inside Islam and inside Europe, where millions of Muslims already live. If reason prevails over hate, it will be because most British, French, German, Spanish, Italian, Dutch, Danish and altogether European Muslims prevail over their own extremist minorities. We non-Muslim Europeans can contribute to that outcome, by our policies abroad, towards Iraq, Iran, Israel and Palestine, and at home, on immigration, education, jobs and so forth. We can also contribute by cultural sensitivity and self-restraint, but we cannot compromise on the essentials of a free society. Offering platforms of civilised free speech for European Muslims to conduct their debate with each other, as the British media have done this week, is one of the best answers we can give to hate.


Via Lutz.

Não percebo

Não, eu não acredito que a cultura ocidental é superior. Nem considero que a excisão feminina é cultura. Cultura não é atropelos aos direitos humanos. Cultura é a expressão positiva da humanidade. O que a mim me repugna nas sociedades islâmicas do Médio Oriente não é a cultura. É o governo dessas sociedades.

A nossa sociedade é superior, porque está estruturada pelo e para o indivíduo. Não é perfeita, mas permite que cada um de nós siga o seu caminho. Nós temos mais mundo e opções que um cidadão comum no Médio Oriente.

A linha entre a civilização e o barbarismo é ténue. Há nódoas. No nosso passado cometeram-se horrores e, espero, somos hoje uma sociedade melhor por essas memórias. No nosso presente há horrores, mas há a liberdade de cada um de nós se opôr, esbracejar, protestar. O nosso futuro poderá ser o presente das sociedades islâmicas. Mas haverá por aí alguém que não concorde que essa seria uma despromoção? Que seriamos globalmente mais infelizes, mais limitados e mais parcos na esperança de nos cumprirmos?

Não percebo quando leio cuspidelas numa sociedade que dá a liberdade de pensamento, de religião, de ser. Pela compreensão de uma sociedade repressora. Ainda por cima, cometendo-se o dislate de confundir a repressão com o que é cultura e o que é religião.

Lembram-se d'"O planeta dos macacos"? Os seres humanos são animais da selva, sem capacidade de fala, escrita, cultura. São caçados e utilizados em experiências médicas por macacos que evoluíram para uma sociedade inteligente. Lá para o fim descobre-se que os seres humanos "simplificaram-se" por opção própria. Será este o destino? Esquecermos o que somos? Por um pretenso respeito pelos outros e nisto aceitar o barbarismo? É isto? As mulheres excisadas, os homossexuais mortos, os mutilados, os esquecidos, os calados agradecem. É a cultura deles, não é?

Ayaan Hirsi Ali sobre os cartoons

The Somali-born Dutch MP who describes herself as a "dissident of Islam" has backed the Danish newspaper that first printed the Prophet Muhammad cartoons.

Ayaan Hirsi Ali said it was "correct to publish the cartoons" in Jyllands Posten and "right to republish them".

Her film-maker colleague Theo van Gogh was murdered by a Muslim extremist in a case that shocked the Netherlands.

Ms Hirsi Ali, speaking in Berlin, said that "today the open society is challenged by Islamism".

She added: "Within Islam exists a hardline Islamist movement that rejects democratic freedoms and wants to destroy them."

Ms Hirsi Ali criticised European leaders for not standing by Denmark and urged politicians to stop appeasing fundamentalists.

She also said that although the Prophet Muhammad did a lot of good things, his decree that homosexuals and apostates should be killed was incompatible with democracy.

Sexta-feira: dia da lamechice

O Inverno desbota. Mas hoje, especial, o cinzento das nuvens resolveu dar passagem a algum azul. Não é preciso ligar as luzes ao meio-dia. À volta as cores acordaram um pouco.

Penso nos filmes "Munique" e "Brokeback Mountain" e penso não ir. A idade torna-me lamechas, sensível. Prevejo lágrimas a amolecerem as pipocas. Olhos baixos à saída, a esconder os olhos inchados. O coração ferido por histórias, que me dá medo que andem por aí à solta pelo mundo.

Passei os olhos pela lista de pessoas na subscrição pela liberdade (abaixo), pelas profissões e sorri quando encontrei uma avó. Mandei-lhe um beijo suspirado pelo ar.

terça-feira

Começou a época da caça

Façam o favor de surfar pela blogosfera e vão ver de tudo. Eu que tenho como filosofia ver todas as cores da paleta fiquei maravilhada.

Há:

1) os que defendem que o caos dos últimos dias é um movimento pela supremacia ocidental;
2) os que defendem que foi pela liberdade de expressão;
3) os que defendem que é um movimento de hipócritas que acobertados pela liberdade de expressão querem afirmar a supremacia ocidental;
4) os que defendem que a supremacia ocidental deve tomar as sociedades muçulmanas à má fila, de mansinho, a rastejar e quando eles derem por ela já não escapam;
5) os que defendem que isto foi um movimento islamófobo;
6) os que defendem que somos islâmico complacentes;
7) os que defendem que o importante é a segurança, lixe-se a liberdade de expressão;
8) os que defendem que se queremos defender os nossos valores é juntando-nos aos americanos no Iraque;
10) os que defendem a responsabilização dos jornalistas;
11) os que defendem limitar a liberdade de expressão.

A blogosfera é um mundo de pluralidade e eu gosto.

Ora bem, eu escolho 2,6,10.

Este Jyllands-Posten...

... é um jornal merdoso. Depois de muita meditaçao achei que este adjectivo é o mais adequado.

Liberdade de expressão e segurança



Bandeira no DN

segunda-feira

Perdida

Quando me deixares sozinha
dá-me pelo menos o olhar
e o sorriso
de quem me ama.

Se não me amas, mente.
Porque eu não aguento ficar tão sozinha.
Se me amas, mente que não me amas.
Que eu não consigo encontrar-me assim sozinha.

De pequenino se torce o pepino

I saw a picture (broadcasted by Euronews) of an enthusiastic Palestinian female teacher organising a "protest" of 7-10 y.o. schoolchildren. Under her guidance, the kids were chanting slogans and burning the Danish flag. This reminded something to me. In the USSR, it was a common practice to arrange a massive campaign against, for example, Boris Pasternak using people who didn't even read a single line of his writings. But politicians knew their job very well.
Alexander Markin, Moscow, Russia


Comentário na BBC

Guerra

Parece que sim. Acabei de vir de consolar um amigo. Eu li na net à tarde sobre um cartoon em que Hitler está na cama com a Anne Frank. Acabei por chegar à página da Liga Árabe Europeia (LAE). Contei-lhe. Tinha esquecido que familiares dele morreram no holocausto. Ele leu e viu. Companheiro de indignação desta semana, caminhava de trás para a frente, na cozinha, tentando demonstrar-me a diferença. Eu respondi-lhe que um muçulmano responderá que para ele Moamé é tão importante para ele quanto a sua história de perda e horror. Que a ofensa está, para eles, ao mesmo nível. Como podemos dizer que não? Para nós o respeito pela vida humana é mais importante que religião, mas... Mas eles estão a mentir! Não havia mentira naqueles cartoons? Mas isto é uma provocação reles! Ele escreveu uma carta electrónica à LAE. Ajudei-o. Abracei-o. Não há guerra sem ferimentos.

domingo

Problema: extremismo



De Stephane Peray, Tailândia

Um país de direito

Nem que por mais nada, este caos dos cartoons, teve o aspecto positivo de me fazer envolvida em discussões interessantes. Uma delas foi discutir democracia com um chileno, que a certa altura se desculpou dizendo que como eu poderia compreender, devido a prerrogativas históricas, os processos democráticos são para ele conceitos não claros. Disse-lhe que por aqui a democracia também não é um conceito absolutamente transparente, mas o que interessa é que o possamos discutir.

O que ele me disse a certa altura era que eu não respeitava a democracia nesses países que eu apelidava de muçulmanos*. Eles votaram em dirigentes que defendem leis religiosas, mas como esses dirigentes emanam da lei da maioria, eu devia respeitar. Atendendo aqueles países que são democráticos (a maioria não o é), eu respondi que um estado de direito tem como base o processo democrático, mas não é tudo. O respeito pela diferença e pelas minorias é um factor fundamental. E qual o sistema de protecção utilizado? Eu disse "A constituição". Este é o documento que definindo os direitos do ser humano independentemente da cultura, da religião, do género, impede que a lei particular ditada pela maioria tropece nos direitos fundamentais da minoria.

Com respeito à discussão sobre o casamento dos homossexuais, li algures alguém que dizia que a Constituição, ainda que não o declarando explicitamente, é obviamente um reflexo dos ideais da sociedade que a redigiu. Pois será, mas não devia. É-o porque os seres humanos são preconceituosos. Sê-lo-á a nossa, portuguesa, porque o preconceito continua a ser aceitável, mesmo entre as chamadas elites pensantes. Mas não devia ser. A Constituição devia conter somente os preceitos universais para o bem estar do ser humano. O direito à felicidade, ao trabalho, à saúde, à educação, à liberdade, ao amor, e como somos seres extremamente sociais, o direito à não ostracização.

Senão eu faço a mesma pergunta que o meu amigo chileno: o que constituirá o contraponto à lei da maioria?

* Ele condenou o meu uso de "muçulmanos" para caracterizar esses países. Semântica. Este é um problema político, dizia-me ele. Religião e Política são separados. Aqui, meu caro, não nesses países, em que os gritos de protesto a tresandar a ódio e morte começam nas mesquitas pelas bocas dos imãs.

sábado

Minaretes


De Riber Hansson, Suécia

Cuidado com a Petição

Anda pela internet uma petição de apoio ao jornal Jyllands Posten.

Chamo a atenção que este jornal tem como linha editorial a publicação de artigos racistas e xenófobos. Ao assinarem a petição estarão a dar implicitamente o apoio a esta faceta do jornal.

Eu apoiei o posicionamento que pretendia defender o princípio da liberdade de imprensa. Eu congratulei-me com a decisão de outros jornais de também publicarem os cartoons. Seria injusto abrir excepções para uma religião e seria perigoso tornar todas as religiões não censuráveis e não criticáveis. Mas esta luta era por um valor: a liberdade.

Eu adoraria que o caso dos cartoons tivesse dado azo à discussão da responsabilidade que vem com a liberdade (como a Helena tentou desde o início), da complacência para com as comunidades muçulmanas na Europa (parece ser a tendência dos alemães), por um lado, e por outro, a reacção perniciosa de apoio a governos que tomam medidas xenófobas e chauvinistas (o caso da Dinamarca). Contudo, os protestos extremos de países tecnocráticos do médio oriente enrijeceu-nos na posição defensiva.

Quando a situação amainar (sabendo que infelizmente qualquer pedagogia perdeu-se nesses países) é altura de discutir os outros pontos. Não saltar em rebanho para a parvalheira de apoiar outros extremos também perigosos. A febre foi alta, mas é altura de reavermos a claridade de pensamento.

Os jornais poderiam agora usar essa liberdade de imprensa e mostrar o que é hoje a Dinamarca.


Boa parte da terceira página do meu jornal diário (Süddeutsche Zeitung) é dedicada hoje ao problema da xenofobia nesse país [Dinamarca].
Um exemplo: para poderem casar, os estrangeiros são obrigados a ter ambos pelo menos 24 anos de idade, um apartamento conveniente, rendimentos suficientes, 7000 euros num Banco e "em conjunto, uma relação mais forte com a Dinamarca" que com qualquer outro país. Bolette Kornum, uma dinamarquesa que foi viver para o Egipto em 1999 e casou com um egípcio, viu-se impedida de voltar para o seu país, em 2003, porque "o casal tinha uma relação mais forte com o Egipto que com a Dinamarca". É a lei.

sexta-feira

Manif

Hoje, pelas 16h, Rathausmarkt, por cartoons com piada.

P.S.: Imprimam os cartoons e tragam isqueiros, bionade e cervejas (não astra).

É a última

Former Spectator editor and Conservative MP Boris Johnson told the BBC the Muslim religion should not be treated with kid gloves.

He said: "If you are a Muslim and your faith is strong and you believe in God and in your prophet then I don't think you should be remotely frightened of what some ludicrous infidel says or does about your religion or any depiction he produces.

"I think we've got to move away from this hysterical and rather patronising idea that we have got to treat the Muslim religion with kid gloves and not subject it to all the same rough and tumble that we subject other faiths to."


BBC

Da UE diz-se:

FRANCO FRATTINI, EU Justice Commissioner

It should be crystal clear to all that violence, intimidation, and the calls for boycotts or for restraints on the freedom of the press are completely unacceptable.

I can understand the feelings of indignation, frustration and sadness of the Muslim communities over the last few days. Such events do not facilitate dialogue between faiths and cultures.

quinta-feira

Pedagogia

Na BBC:

Why is the insult so deeply felt by some Muslims?

Of course, there is the prohibition on images of Muhammad.

But one cartoon, showing the prophet wearing a turban shaped as a bomb with a burning fuse, extends the caricature of Muslims as terrorists to Muhammad.

In this image, Muslims see a depiction of Islam, its prophet and Muslims in general as terrorists.

This will certainly play into a widespread perception among Muslims across the world that many in the West harbour a hostility towards Islam and Muslims.



AAAhhhh. Portanto como eles pensam que nós os odiamos então o melhor mesmo é ameaçar-nos. Tá bem. Tem toda a lógica. E para a gente não pensar que eles são terroristas o melhor mesmo é exigir-nos desculpas armados.

Comentário na BBC...

... que raspa um dos pontos do meu pensamento.

Let me admit up front that I'm an atheist and have no love for any of the Big Three religions. That said, I'd like to point something out: When there's something really offensive to Christians, Pat Robertson gets all mad for a day or two, but life goes on. When there's something offensive to Jews, Abraham Foxman gets all mad for a day or two, but life goes on. When there's something offensive to Islam, it's the top story on the BBC for several days in a row. Get my drift?

James Sweet, Rochester, NY, USA

Não são só más notícias

Hundreds demonstrated in Pakistan on Thursday, chanting "Death to Denmark" and burning Danish and French flags.

But one Jordanian paper has reprinted the cartoons, with an editorial urging Muslims worldwide to "be reasonable".


Na BBC

quarta-feira

Liberdade II

Já agora coloquem-se aqui dois elementos importantíssimos da discussão:

Os cartoons. Por intermédio dos Renas e Veados.

O pedido de desculpa. Por intermédio de uma amiga minha, que adoraria ter um passaporte de um país europeu. Não é porque a Europa é comparativamente rica relativamente a outros continentes. Ela vem de um país rico e com as manias. Será porque somos porreiros e gostamos dela, mesmo que ela seja polireligiosa (ela tem uma curiosidade imensa por religiões), boxista, vegan e anarquista, que além disso tem o passatempo de ir a demonstrações contra a monarquia? :-)

P.S.: E um cartoon que diz muito. Actualização: o editor foi despedido.

Na BBC segue-se o caso. A última é que homens armados rodearam escritórios da UE em Gaza exigindo desculpas. Já sei, já sei, coitadinhos, tão injustiçados que eles foram e são... É só mesmo porque nós somos uns mauzões, que eles lá no fundo são adoráveis. É só mesmo por causa de nós que eles não percebem nada de respeito dos direitos humanos, liberdade e tolerância. Vou ali a uma loja sado-maso comprar um chicote para me penitenciar. Estou mesmo a merecê-las, sua infiel!

Something is rotten in the state of Denmark.*

Cara Helena,

a minha noite ontem foi passada no contraditório.

Encontrei-me com um conhecido dinamarquês, indignada, ruborizada, na defesa da liberdade. Imagina se queres, gadelhas e cuspo pelo ar.

Abrunho, senta-te. A Dinamarca é hoje um país racista. Os dinamarqueses maioritários continuam a ser boas pessoas, cordiais com aqueles que conhecem, sejam eles estrangeiros ou dinamarqueses culturalmente diferentes. Contudo, estão abertos a políticas xenófobas que os protejam da ameaça sentida de uma massa humana, que eles visualizam desconhecida e abstracta.

O apoio a políticos xenófobos e os consequentes acção e discurso está a criar tensões sociais graves. Pelo menos 5% dos dinamarqueses são muçulmanos. Além disso, adiciona os imigrantes. Além disso, adiciona outras comunidades também visadas.

O jornal em questão - Jyllands-Posten - tem como linha editorial a publicação de artigos racistas e xenófobos. Depois da Kristallnacht (este jornal é velhinho) publicou que os alemães tinham exagerado um pouco, mas era compreensível a sua animosidade contra os judeus.


Mas eu li que tudo começou porque um escritor queria contratar ilustradores para um livro seu sobre Maomé e ninguém aceitou porque temiam represálias. Assim, este jornal tomou a iniciativa de congregar um conjunto de cartoonistas e publicar os seus trabalhos figurando Maomé.

Mas então eles não tinham medo de represálias?

?

Se tivesse sido uns cartoons num jornal que não o Jyllands-Posten a questão não teria atingido estas proporções. Além de que esta é a gota de água numa cadeia de provocações.

Mas não é um exagero fazer ameaças de morte?

Houve exagero. Mas atenção, que os que ameaçam de morte são uns poucos. Não podes considerá-los como representativos. Utilizando o palavrar do próprio Jyllands-Posten: houve exagero, mas não será compreensível a animosidade da comunidade islâmica para com os dinamarqueses? Dentro de portas o tom é de provocação, fora é o apoio da beligerância. Não é a liberdade que está em perigo na Dinamarca.



Quando falo de liberdade falo de uma óptica europeia porque essa é a minha origem e vivência. Eu gostaria que ela fosse universal. Tento tido a sorte de viver na liberdade, considero-a um dos maiores bens. Não conoto a liberdade com respeito, conoto-a com fundamental. Merece que se lute por ela, não pelo facto de ser nossa, pois a liberdade não se possui, mas pelo direito do seu usufruto.

Fica bem. Gosto de te ler.

abrunho



* Hamlet, Shakespeare, Primeiro Acto, Cena 4