sexta-feira

Não é só nascer

Porque será que eu sofro e sofrerei domingo com os resultados do referendo? Eu não preciso da vossa lei. Egoisticamente falando, eu vivo fora de Portugal, num país que permite o aborto até às 12 semanas. Vivendo em Portugal, eu posso ir ao estrangeiro. Eu não terei que me sentir clandestina, vou poder seguir a minha consciência, tomar a decisão em liberdade e consoante a relação em que estiver, com ou sem o pai. Não será por causa da lei que terei um filho, não será nenhum hipócritazinho que me vai dizer quem amar, nenhum cérebro machista me vai dizer quando amar, nenhum legista dos sentimentos alheios ir-me-á dizer quando ser mãe. A minha vida não está ao vosso alcance. Os meus afectos não estão ao vosso alcance. A minha consciência não está ao vosso alcance. A minha saúde não está ao vosso alcance. Ainda assim, sofro pelas pessoas que terão de morrer, ficar estropiadas, de cerviz vergada a imposições alheias. Homens também, pais, maridos, namorados, vítimas em segundo grau. Filhos que ficarão sem mãe. Mães que ficarão sem filhas. Mulheres estéreis. Filhos que não serão amados. Desfortunados, porque alguém, que é outra eu, mulher, eu, não tem acesso à minha liberdade. Nao é só nascer. É também nascer com sorte.

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