segunda-feira

Deixem-me lá escrever sobre aquela coisa que não interessa nada

Há uns anos que não prestava atenção aos óscares. Pelo simples facto de que não se baseiam em qualidade, mas em política, em interesses, em influências, mecanismos que não me interessam. Mas este ano foi diferente. Sei que o foi por Brokeback Mountain. Ver até onde vai a liberalidade da academia. Não me surpreendi.

Ainda assim, tendo em conta o currículo da Academia a dar prémios, Crash não é nada mau*. Só de lembrar o Shakespeare in Love a ganhar o óscar, ainda por cima no mesmo ano de Saving Private Ryan... Portanto, ainda que o Crash seja daqueles filmes que irritam pela simplicidade de pensamento (se estás de mau húmor vingas-te no primeiro que tenha uma cor diferente da tua), pelo uso, neste filme descabido, da mais elegante e bela cena do Magnólia (tentaram tapar a verdade com neve em vez de sapos, mas eu apanhei-os...), pelas formulazinhas bem intencionadas e pela redenção final (sem comentários), é ainda assim um filme que capta, com interpretações efectivas e afectivas, um filme que no cômputo final diz algo mais que entretenimento vazio.

Quanto a Brokeback Mountain: é um filme belíssimo, ainda que quando penso na história, penso mais na palavra escrita do conto denso e brilhante de Annie Proulx. Li que o filme está a ter muito sucesso com as mulheres. É normal. Além de não estarem preocupadas com os "perigos" que poderão espreitar a sua masculinidade só por ver o filme, as mulheres adoram uma boa história de amor. Não, não estou a dizer que esta história não é sobre dois homossexuais e a tragédia do "armário", como já li. Estou simplesmente a escrever que se a história fica no pensamento é por ser uma história de amor trágica, como um Paciente Inglês ou Romeu e Julieta. É claro que não fica em branco que actualmente os amores não têm que enfrentar pais desavindos (não estou a falar da India) e a morte será sempre irremediável. Lembremo-nos apenas que nesta nossa civilização ocidental ainda há entraves à felicidade fruto de estreiteza de espírito. Fica mais trágico quando a tragédia é resultado de mesquinhez. So fucking pointless.

* Dei-me conta agora que no ano passado deram o óscar de melhor filme ao Million Dollar Baby e fiquei boquiaberta. De vez em quando consegue passar pelo filtro um filme realmente notável. Ok, neste século também amei o American Beauty...

6 comentários:

João Melo Alvim disse...

O Nighthawks deve ficar bem em qualquer latitude, digo eu...

Em relação aos Óscares, subscrevo (quase) inteiramente a afronta do Shakespeare in Love. No entanto, para mim, o melhor filme daquele ano era a Barreira Invisível.

Quanto ao Million Dollar Baby, depois daquele Everest, vai ser difícil voltar a escalar àquela altitude, se bem que o Crash saiu um bom Kilimanjaro.

abrunho disse...

Eu não me tinha dado conta que o "Barreira Invísivel" esteve nomeado no mesmo ano! Ainda foi pior do que eu pensava! Ficou-me na ideia o desagrado que senti nesse ano e como a partir daí não liguei mais aos óscares, até hoje, mas esqueci os pormenores.

Concordo completamente. O "Barreira Invísivel" é excelente e o melhor daquele ano. Estou para ir ver o novo do Terrence Malick ("The New World").

Como disse: o "Crash" não é um mau filme. Lembro-me de que ao fim de o ver (no Verão) fui dar uma longa volta a pensar. Mas não é um filme para levar um prémio de "Melhor Filme do Ano". Nem a mensagem é nova, ainda que seja actual e tem a capacidade de afectar as pessoas e não deixá-las indiferentes. Relativamente a ser um filme mosaico, que é um estilo muito apelativo e na moda, também não é o melhor filme mosaico que eu tenha visto. Ou seja, não é um filme brilhante em nada e deveria haver algo, algum pormenor que o fizesse sobressair. É que quando se fala dos óscares já nem se pede realmente que seja o melhor filme!

A Academia escolheu o seguro, o que é expectável. Eu não me surpreendi. Cá está: "Crash", um filme de mensagem, um choradinho no fim, nada de novo, mas pode-se fazer de conta.

Estou despeitada. Este ano não só pela escolha em termos de qualidade, mas também ao nível de mensagem. Isto serão mais 8 anos sem ligar aos óscares. Pelo menos.

João Melo Alvim disse...

Mas tiveste o Million Dollar Baby o ano passado e isso ainda dá para o desconto.

Infelizmente, só vi, dos nomeados, o Crash. Gostei muito do filme. Pode não ser o melhor filme mosaico, como dizes, mas tem uma simplificaçao de processos que me agradou. Vou entretanto ver os outros, para ver no que dá.

abrunho disse...

Sim, parece que eu estou a levar isto super a peito, mas estou a dar uma imagem errada. Eu sou um pouco hiperbólica.

Mas pessoalmente, melhores filmes nem foram nomeados: "The constant gardener" e o "Match Point".

Eu, para desanuviar do cinema anglo-saxónico, amanhã vou com o maralhal ver o "Saltos altos" ("Tacones lejanos") do Almodovar.

Bom cinema.

abrunho disse...

Lembrei-me: se gostaste tanto do Crash, és capaz de gostar do Syriana. É um filme de mensagem, formado por blocos que mostram os vários intervenientes no mundo dos interesses do petróleo. Eu achei o conjunto muito bom, mas tem muita palha. Foi o grande problema que lhe achei. O Clooney é bom, mas um prémio de interpretação é um bocadinho exagerado. O Matt Damon ou o Alexander Siddig não são de menor valia.

Uma ideia.

João Melo Alvim disse...

"The constant gardener" e o "Match Point".

Vi o primeiro e gostei muito (gostei particularmente do Ralph Fiennes e achei a Rachel Weisz um portento). O segundo, para mal dos meus pecados (preguiça à cabeça), ainda não vi, mas como fã do Woody Allen, e até pelas "novidades", terei que ir ver.

O "Saltos Altos", vi-o há muito. Um dia destes, tenho que fazer uma retrospectiva Almodovarense...