terça-feira

As longas do novo cinema português em Hamburgo

O que é bom sempre se acaba. Terminou o certame do novo cinema português em Hamburgo. Um grande obrigado ao Instituto Camões e à Associação Luso-Hanseática, que apoiaram a iniciativa. No global, relativamente às longas-metragem, vi dois filmes extraordinários e uma seca. O que a minha pessoa se lembrou de escrever sobre cada um segue já a seguir:

"Kiss me" - Uma xaropada. Pessoal, não é por se pôr uma mulher belíssima num filme que este resulta! Ouviram? Aprendam a usar a banda sonora. Esta deve ser um acompanhamento de bom gosto, não uma forma de ridicularizar ou um empecilho. Christ! Os momentos em que a música está no sítio certo é na verdade quando esta é também personagem: a Laura (Marisa Cruz) a cantar o Kiss Me, na cena do Rachmaninov, no baile ou nos tangos. De resto um desastre auditivo de bradar às Valquírias e pedir-lhes vingança.

Os actores são bons. A Marisa Cruz surpreendeu-me. Todos conseguem vestir bem as personagens que têm e se alguma cena corre menos bem a culpa é do argumento ou da montagem. Os meus parabéns.

A ideia subjacente ao filme é boa, poderia ter resultado. Mas não resulta. O filme é como ir em primeira do Porto a Tavira. Quando a coisa está a ganhar velocidade dá-se conta que é só um declive no terreno. O alemão ao meu lado estava também entediado. Pensei em perguntar-lhe se tinha um canivete. Cortávamos os pulsos para nos entretermos. Mas lá conseguimos sobreviver e no fim saltamos por cima dumas portuguesas empinocadas e amandamo-nos para a liberdade do Verão. Ah, aragem, kiss me!

"A costa dos murmúrios" - é um filme perfeito. Poderia parar aqui porque não há palavras para a perfeição. Se continuo estrago tudo.

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Não, eu escrevo, eu escrevo. Começo pela banda sonora que eu sou peixe que morre pelo ouvido. É perfeita. Estou tramada. Só me sai este adjectivo. É um filme muito português no sentido de ser intimista. Tudo fala por dentro, pelos olhos e pelos diálogos esparsos. Cada cena dá um pouco mais de cada personagem, que pode ser por um sorriso, por uma frase, por um enquadramento, pelo maneio de uma cintura, pelo timbre da voz, tudo no sítio certo, na medida certa. A história é-nos dada no passo de um passeio à beira-mar, somos mantidos em competência na expectativa, lembrados nos momentos adequados de que algo está para vir, deixados em união docemente dolorosa com aquelas vidas no écran. Cada migalha é comida com deleite respeitoso. No fim percebe-se o quanto tudo foi absolutamente disposto da forma mais... perfeita. Estou apaixonada pela Beatriz Batarda. Que é... Pois. Gostava de abraçar o Luís (Filipe Duarte) e salvá-lo. Agora um grande suspiro e a lágrima que não chegou a desprender na sala do cinema.

"Alice" - Lisboa e Mário e Luísa.

Quando me conhecem as pessoas geralmente perguntam-me se sou de Lisboa. Há como um brio por mostrarem que sabem a capital de Portugal e devem saber que, por norma, não erram. Ficam sempre com um ar desiludido quando digo que não. Mas aí devem também saber do Porto ou do Algarve, pelo que fazem a pergunta que os atola: "Então de onde és?" Eu digo muito devagarinho. Que cara triste fazem. Venho então em seu auxílio: formo, traço um rectângulo e digo: aqui é Lisboa, aqui é o Porto e eu sou daqui. Ficam muito contentes e dizem o nome da minha cidade devagar e mal. Mais tarde hei-de dizer como Lisboa é linda, o sol, o rio, o casario, mas que nunca moraria lá. Só faço visita a lugares seleccionados. Quem não foi a Lisboa não me entende. Mas a minha amiga francesa perguntou em "Alice": "É Lisboa?". "Sim , é." E fez um ar entendido, como se eu tivesse absoluta razão de não pôr qualquer hipótese de lá morar, no meu jeito decisivo e fatal. Lisboa é muito fria em "Alice", tão indiferente esta Lisboa molhada, cinza e azul.

Essa amiga francesa também me perguntou em mais uns tons de Sassetti combinados aos olhos e ao perfil triste de Mário, se a história ia acabar bem. Respondi-lhe: "É um filme português." enquanto abanava a cabeça. Foi este fatalismo que me enterrou no fim, sabendo que Mário não ia voltar atrás, que Mário iria caminhar em frente naquele preciso momento, refazer a vida com Luísa, naquele momento. O queixo começou-me a tremer e, no genérico, eu chorei desconsoladamente por ser tão fatal.

Beatriz Batarda e Nuno Lopes são incríveis. Sem palavras. Só eles, é a sensação que dá. Só eles poderiam ser o Mário e a Luísa. Dar corpo à dor, à perda, à solidão, à esperança. Que inveja, que alguém seja tão bom no que faz.

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