sexta-feira

Incompletudes: o quebra-cabeças

Eu matuto e matuto e hei-de matutar ainda mais com todo o material que facultaste, Helena. Prometi a mim mesma não menosprezar o sofrimento que as pessoas expressam por não saber quem são os pais biológicos.

Puseste este excerto na caixa de comentários do Tempo dos Assassinos:
http://www.guardian.co.uk/Archive/Article/0,4273,4416955,00.html

Our storytelling is not only a social and cultural activity. We ourselves embody, a narrative. Sperm is not just fertiliser: it is a book, in which is written half the recipe for a new human being. When my donor's sperm fertilised my mother's egg, he ensured that his genes were passed on, to me. Most people would accept that an individual's personal development is the story of the interaction of genetic predisposition with environment. And there are kinds of genetic inheritance which have nothing to do with personal mythology: recessive genes for incurable diseases are not susceptible to interpretation.

Each of us owns our personal history. Not just the the funny things we said when we were little, but the darker and half-hidden story in the genes, that story which we cannot read but whose narrative will inescapably unfold in our own lifetimes and be passed to our own children.

Mas devo dizer que me é impossível ler isto e o sobrolho não me começar a resvalar para um certo cepticismo: "A pessoa está a romancear!" - grita o meu eu interno. Sou inevitavelmente lançada à minha perspectiva fria do que é um espermatozóide e um óvulo. Sim, é um livro e na perspectiva de que pode ter erros de impressão eu posso dar valor ao seu conhecimento. Mas o resto não consigo. Cheguei ao ponto em que simplesmente aceito, sem conseguir entender o sentimento, deste amor pelos genes.

Gostei imenso do texto do Miguel Silva no Tempo dos Assassinos. É um texto equilibrado de muito do que eu penso. Até agora sempre senti que os problemas sentidos pelas crianças em famílias "alternativas" estava ligado ao dedo em riste da moralzinha da sociedade. O meio social que não se coíbe de demonstrar que estão ali prevaricadores, à criança que ela é diferente. Há uma certa idade em que ser diferente é um peso e na minha linha de pensamento, era este peso que traumatizava as pessoas.

Já agora uma confissão. Quando referiste os entendidos na matéria ainda me enervei mais. Tenho um mau-querer aos entendidos das psicoses humanas. Na minha adolescência tive depressão e procurei os ditos e nunca percebi o que é que eles andavam a fazer (quando faziam algo). Mas dou a mão à palmatória: faziam uns organigramas muito bonitos. Um dia declarei à minha família que estava pronta a tratar do caso pelas minhas mãos, tudo menos aturar incompetências obscuras. O meu pai ainda torceu o nariz, mas eu fi-lo ver que para falar para as paredes era muito mais económico eu fazê-lo por conta própria. E cá estou a levar a vida. Não sou feliz todos os dias, mas ninguém o é. Vou embalada pelo meu racionalismo e pelo meu senso que a vida tomamo-la nas nossas mãos. A nossa vida é nossa responsabilidade e a cena do coitadinho deixa-me sem paciência ou empatia. É a melhor maneira de alguém me ver de costas.

1 comentário:

Helena Araújo disse...

Olá Gabriela,
há muitas coisas que não entendemos - desde o livro de feng shui que ando a tentar ler (tipo: pôr moedas no canto do dragão dourado para conseguir um emprego novo...), até ao peso do não-revelado na nossa vida.
Escusado será dizer: acredito mais nos psicólogos que nos fengshuis.

Não direi que a moralzinha social é culpada de tudo.
Há muitos casos de pessoas que, vivendo num quadro social onde ninguém sabia como tinham nascido, sentiam mesmo assim que havia algo estranho na sua origem. As célebres antenas.

E depois, a moralzinha da sociedade acusadora tem as costas largas. Uma amiga minha, loira casada com um africano, disse ao filho de 7 anos, que se queixava do racismo dos outros meninos: "E se não fosse pela tua pele, havia de ser pelo teu peso, ou por seres ruivo, ou por seres caixa-de-óculos. Toda a gente se ri de toda a gente, motivos não faltam nunca, o melhor é ires-te habituando a isso."