Em geral os portugueses observam com muito rigor o lado exterior da religião, talvez mais do que os espanhóis. Quem come carne na Quaresma tem mesmo de ser muito instruído. Ouvi com prazer uma vez que a questão foi lançada: seria maior pecado comer carne na Quaresma ou infringir o sexto Mandamento? A conclusão em termos gerais foi que o último pecado seria uma ninharia em relação ao primeiro. Não obstante, a nação e mesmo o povo mais vulgar não é tão fanático como em Espanha. Podia contar uma série de coisas a este respeito, mas contento-me apenas com algumas. Assisti em Setúbal a uma procissão onde dois capitães de navios, um inglês e um dinamarquês, ao passar o Espírito Santo não tiraram o chapéu. Ninguém se preocupou com o caso, apenas um marinheiro português perguntou: quem são aqueles ali com os chapéus na cabeça? São ingleses, fideputas, replicou o outro, e com o palavrão a coisa ficou resolvida. Quando o príncipe de Waldeck foi sepultado, ouvi dizer a um homem do povo: era um herege, mas um muito bom homem. Em seguida misturei-me com a multidão e não ouvi senão louvores e elogios ao amável Príncipe que foi precisamente levado para o cemitério protestante, soube mesmo que ele declinou o habitual convite para se tornar católico que lhe foi feito à hora da morte e verifiquei que, para meu grande espanto, esse acto obteve de um modo geral a aprovação de todos, na medida em que cada pessoa deveria viver e morrer na sua fé. O português considera qualquer estrangeiro um herege e é atencioso e prestável para com ele, chega mesmo a admirar-se quando vê estrangeiros católicos. Este traço mostra já como a nação, provavelmente em virtude do seu contacto com os ingleses, perdeu o seu fanatismo há muito tempo.
Em Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, págs. 134-5, de Heinrich Friedrich Link, Biblioteca Nacional, Lisboa, 2005
sexta-feira
Religião, Portugal, Final Séc. XVIII
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