terça-feira

Coerência

Houve a discussão sobre a Procriação Medicamente Assistida (PMA) e agora discute-se pela blogosfera a proposta do Minsitério da Educação de que os pais dos alunos participem na avaliação dos professores.

Segundo percebi, a minha pessoa tem o direito inalienável de conceber sem pai uma criança, mesmo sendo fértil, que se eu não quiser ter sexo com um homem é o meu direito de o fazer por PMA, sou maior de idade e só isso é o suficiente para me fazer uma pessoa séria e responsável, me equipar completamente para ser mãe de alguém, que tem o dever de me ter como mãe e pai, mas depois de ser mãe sou completamente incapaz de fazer uma crítica séria e responsável e imparcial à forma como o meu filho é ensinado na escola. Em que ponto do percurso é que o meu QI desceu? É um efeito secundário da maternidade?

21 comentários:

João Melo Alvim disse...

"Fazer uma crítica séria e responsável e imparcial à forma como o meu filho é ensinado na escola". Sim, e depois discute-se o Pai Natal e o Coelhinho da Páscoa.

Se os pais podem participar na avaliação, então eu, se fosse professor, também posso avaliar um pai? Ou aliás, eu como advogado também deveria avaliar juizes e funcionários?

Deixá-los participar, ouvir e essencialmente ser ouvidos. Saber que reclamações e queixas chegam a quem de direito e que são consideradas. Permitir que um pai diga que, tecnicamente, não aprecia a relação educador-educando é, na esteira do livre-arbítrio que grassa nas escolas, arranjar lenha para uma fogueira que deveria ser acalmada.

Como já li algures, muitos dos melhores professores não teriam avaliação positiva, fosse por incentivarem ao livre pensamento, fosse por serem pouco ortodoxos, fosse por acreditarem no mérito e na capacidade, fosse por acharem que poderiam mudar o mundo e por último, fosse por serem exigentes.

E como já alguém do sector me disse, os piores vão ser os pais que também são professores. Esses sim, irão perverter um sistema. Que até é capaz de funcionar noutra sociedade, mas nesta (ainda) não.

abrunho disse...

Pela tua linha de pensamento não se pode confiar na formação que os alunos recebem numa escola privada. Como podem, quem lá trabalha, quem as gere defender-se do persistente, canino, feroz assédio dos pais para que os seus filhos tenham as notas que o pagado merece?

Acaba-se também com os livros de reclamações, porque quem se queixa não é porque tenha razão, mas porque ou tem rancor escondido ou está à espera de um desconto. Além disso, como poderei, por exemplo, eu reclamar se alguém cozinha mal se nem sei fritar um ovo? Ou criticar um quadro se não sei pintar, ou criticar um livro se não sei escrever literatura, para quê enfim falar se não for a rimar?

Na verdade, todos queremos ilusões. Eu nunca quis aprender. Eu andei sempre pelas notas! Os meus pais também. E agora os meus irmãos com os meus sobrinhos também. Eu não sei absolutamente nada, porque o meu pai assim o exigiu. Aqueles encontros dele com a professora a perguntar educadamente sobre mim e a não massacrá-la com exigências foi tudo ilusão. A minha cunhada, dia sim dia não, tem um motim à porta.

Os pais não querem os filhos formados, querem um diploma. Assim, em massa os pais não querem os filhos a saber ler, escrever, contar. Querem o diploma e assim durante anos a fio, até que o filho saia da escola e saiba absolutamente nada e...? Presumo que chegados aqui os pais ainda não tenham pensado até ao fim o assunto.

Presumo que os únicos capazes de dizer algo sobre o desempenho dos professores sejam professores. A sua actividade é tão delicada e cheia de intrincados pedagógicos que só um professor percebe. Além disso, só um professor tem a estrutura moral e a honestidade para avaliar outro professor.

Como já li algures, muitos dos melhores professores não teriam avaliação positiva, fosse por incentivarem ao livre pensamento, fosse por serem pouco ortodoxos, fosse por acreditarem no mérito e na capacidade, fosse por acharem que poderiam mudar o mundo e por último, fosse por serem exigentes.
Eu a isto nem sei que diga. É tão contra-senso, que só pode acontecer por excepção.

Os professores, se acham que os pais são maus, não só podem, como devem fazer denúncia à polícia que levará o caso ao Tribunal de Menores se houver procedência na queixa.

Os juízes não trabalham em prol dos advogados, mas deviam ser avaliados. Não posso dizer por quem porque me é estranho o mundo dos tribunais. Mas concerteza que deveria haver uma avaliação.

abrunho disse...

A não ser que os pais tenham mudado muito, o que os directores de turma se queixavam no meu tempo, era que nem conheciam os pais.

O meu pouco aparecia. Achava que a escola era minha responsabilidade, aprender era minha responsabilidade e passar de ano era minha responsabilidade. Dizia-me ele que eu estava a trabalhar para o meu futuro. Um original do caneco, o meu pai.

abrunho disse...

A minha mãe concordava. Mas isto já se sabe. Os originais encontram-se. Uns hippies! Mas isso eram outros tempos. Os bons tempos em que os pais não incomodavam os professores e os deixavam trabalhar. Agora são como cães nas canelas. Uns yuppies que só vêem os fins e não querem saber dos meios.

São tão melgas, que fartam-se de pagar explicações aos filhos. Mas isso é só fachada. Não é que eles queiram que os filhos aprendam e tirem boas notas. Mentira! Pela calada andam à cata dos professores para os ameaçar de morte!

abrunho disse...

Sabes porque exagero? Porque exagero com exagero se paga.

João Melo Alvim disse...

Numa escola privada, os pais avaliam os professores?

Quanto ao contra-senso, pode ser que em engane mas veremos.

Quanto a todo o resto, pensando bem, esta questão é acessória e não essencial. Deve haver um sistema de avaliação baseado no mérito e na qualidade. Entendo que os pais embora possam contribuir não devem ser elementos activos desse processo no sentido em que as reclamações que tenham sejam resumidas num formulário. Se existem estruturas para questionarem a actuação dos professores (e elas existem), então que se aproveitem. Não é este o essencial da lei, mas mostra bem como as coisas são feitas às três pancadas (e politicamente impensadas).

Ainda quanto à avaliação dos juízes e funcionários, por muito que eu constate que há coisas que roçam o surreal, a avaliação deve ser interna, embora haja formas externas de o fazer: a forma como os advogados reagem às decisões e o acolhimento que isso tem pode indiciar algo. É o serviço a prestar conta dele próprio.

Exagero é, de facto, transformar esta questão na questão central no que toca à avaliação dos professores. Aliás, os sindicatos (esses parasitas) bem a vão aproveitar para minar todo o resto. E o resto, apesar de algumas coisas surreais (progressões proporcionais) estava bem orientado. Eu, por mim, quanto a isto da avaliação pelos pais nos moldes em que se pretende, não vejo sentido nenhum.

sabine disse...

A minha posicao é semelhante à do Joao Melo Alvim. De qualquer forma, deixo leitura complementar:
http://escoladelavores.blogspot.com/2006/05/sementes-de-violncia.html

abrunho disse...

Pois Sabine, é um problema. Naqueles motins que a minha cunhada tem à porta, dia sim dia não, a gente para os dominar manda-lhes água a ferver pela varanda. E se sobem é mesmo à paulada. Temos uma moca no guarda-fatos que está etiquetada "pais volentos". Para os mais meigos a gente só os empurra da varanda abaixo.

Eu também acho que é secundário. Eles seriam uma parte pequena do processo. Eu não sei os moldes em que se vai fazer a avaliação, pois não li em lado nenhum. Mas ninguém discute moldes, o que se põe é liminarmente em questão a sua participação, usando argumentos baseados em excepções para fazer a regra. Eu não percebo porque é que só se usa esta linha de pensamento para este caso. Vamos generalizar em tudo, vamos sempre considerar que somos todos culpados até prova individual em contrário.

Quanto às privadas: os pais avaliam tirando os filhos da escola.

João Melo Alvim disse...

E já não somos todos culpados até prova em contrário?

A avaliação nas privadas, portanto é diferente daquela que, aparentemente, se pensa em fazer.

Ponto de ordem, e sem motins ao barulho (numa ligação indirecta, ao que consta, deu ontem um elucidativo documentário sobre a violência nas escolas), esperemos então para perceber os moldes exactos da avaliação pelos pais. Para mim, e sem prejuízo de essa avaliação ser meramente complementar que nem seja uma avaliação stricto sensu, parece-me que deve haver um limite que deveria pressupôr que as escolas funcionassem bem, talvez com regras privadas, a ver se educavam.

Já me estou a aperceber que há um lado pernicioso nesta discussão que, no fundo, é o defeito das discussões que se centram no acessório (mea culpa): corre-se o risco de espantar os poucos pais que ainda sobram envolvidos na escola.

abrunho disse...

No meu mundo, as pessoas são inocentes até prova em contrário. Faço a precaução básica contra os lobos, mas não atiro primeiro e pergunto depois.

Se se instituir um sistema em que os pais possam escolher as escolas onde querem matricular os filhos, introduz-se um sistema de avaliação parental implícito. Agora o que há é o jeitinho, uma espécie de cunha, em que os pais mais esclarecidos e que tenham contacto com a escola, gerem influências para que os filhos tenham os melhores horários e professores. Os que estão de fora desse sistema, estão de fora.

Eu sei que há violência nas escolas. Uma colega minha esteve a leccionar numa escola da área de Lisboa e teve um esgotamento nervoso. Também sei dos liceus frequentados por filhos de universitários em que não há violência, mas há pais a pôr em questão os conhecimentos do professor. Não se pode é generalizar e basear nela uma regra universal de demonização de pais e alunos. É estranhíssimo porque todos nós fomos alunos, todos nós conhecemos pais e alunos, alguns de nós somos pais, alguns de nós conhecemos professores, pelo que não percebo esta alienação relativamente ao que está à nossa volta, usando, como exemplo para o país, casos pontuais. Eu, como é óbvio, não vi a reportagem, mas diz-me: foi uma reportagem sobre o país ou sobre uma escola numa área socialmente problemática?

Eu ponho em questão este raciocínio.

abrunho disse...

O Vasco Graça Moura acha que se deve arrasar com o sistema de ensino actual e começar de novo. No Diário de Notícias.

João Melo Alvim disse...

Não vi a reportagem, mas do que se vai lendo e vendo, ainda vai estando circunscrita a determinadas zonas problemáticas. Eu chamei a atenção pela pertinência do tema (daí o ligação indirecta), ainda que não seja (felizmente) generalizado, numa altura em que se discute a educação. E exactamente pelo que tu dizes, em que muitos ficam de fora, a levar com uma educação merdosa para serem carneiros, enquanto as élites se refastelam.

Eu começava a dinamitar lá para os lados da 5 de Outubro (ou lá onde é que eles agora brincam aos Dungeons & Dragons com as escolas portuguesas).

Mais autonomia dos pais na escolha das escolas? Isso sim, absolutamente desejável.

abrunho disse...

Eu nem digo que ele tem razão ou não. Mas se tem, é gravíssimo e os professores têm muito trabalho a fazer. Pelos alunos que, estranhamente, a maior parte das vezes estão desaparecidos das suas retóricas.

João Melo Alvim disse...

Eu, à cautela, dinamitava. O eduquês que reina para lá é muito complicado. É gente que está fora das escolas há muito tempo (muitos deles também não gostavam de lá estar). E é tão grave quanto parece. Era essencial que se agarrasse na educação com a assertividade que nunca se teve. Já chega de criar condições para a formação de amorfos. Os coirões agradecem o imobilismo e os que se preocupam desesperam.

abrunho disse...

Master Minder contrapôs...

Eu não tenho medo de alunos, nem de pais, nem de ninguém. Agora.... com um país tão imbecil, tão malévolo, tão egoísta à minha volta, começa-se-me é a exacerbar seriamente a minha faceta iconoclástica.
Eu sou naturalmente pacífico e positivo. Mas se alguém, algum dia, perder a cabeça, bato palmas. E é triste chegar-se aqui...
Quarta-feira, Maio 31, 2006 10:53:52 AM @ Arte da Fuga

Vou telefonar para casa para prepararem outra moca. Esta para "professores violentos". Como isto anda.

João Melo Alvim disse...

Uns victans e a coisa há-de passar...

Acho que era pôr tudo a treinar desportos tipo golf, lacrosse e baseball. Com tantas ganas, acho que iriamos ter futuro

sabine disse...

«O Vasco Graça Moura acha que se deve arrasar com o sistema de ensino actual e começar de novo. No Diário de Notícias». Eu nao li o artigo mas se tens razao, Gabriela, permite-me dizer que o Vasco Graça Moura esta louco.
O sistema de ensino pode melhorar e temos de ser mais exigentes - a sociedade em geral, os pais e os professores em particular - mas "arrasar" nao, de forma nenhuma.
Com a passagem do estado novo para a democracia muitos professores continuaram a leccionar (estou a falar, obviamente, de uma maneira geral). Agora o Vasco Graça Moura quer arranjar uma descontinuidade de tempo?!...

sabine disse...

Ate porque nem tudo o que foi feito foi mau. O que estamos a viver agora é tambem consequencia da democratizaçao do ensino. E do facilitismo do sistema, muitas vezes promovido pelos anteriores governos (PS e PSD, obviamente).

abrunho disse...

Dentro do que sei, penso que concordo contigo. O facilitismo não é só pelo lado dos professores. Ainda continua em pé a passagem automática de alunos, mesmo tendo número de chumbos que o assim exigissem? Passa-se, mas dá-se apoio. Quando ouvi isto pensei logo que estávamos tramados. Com este sistema iamos ver os putos a estudar por um telescópio. Algum dia os professores iam ter mão neles? Quem pensa que os putos são bons selvagens está a sonhar.

abrunho disse...

Mas estes intelectuais portugueses andam muito violentos! A Filomena Mónica fuzilava os professores e o Vasco Graça Moura vinha com o catterpillar arrasar.

Isto só a rir, senão...

João Melo Alvim disse...

Para colocar o Ministério da Educação a funcionar, só mesmo à base de dinamite.

O ideal era darmos o passo seguinte: mais autonomia para as escolas, com possibilidade de contratarem os próprios professores, deixando o ME como o tal mero regulador do sistema. Retirar a ascendência dos burocratas e deixar gente que quer trabalhar, a trabalhar mesmo. Por outro lado, tornar o acesso à carreira docente mais exigente (nao pode ser professor quem não encaixa em mais lado nenhum), ao mesmo tempo que o desenvolvimento da carreira tem que se apoiar no mérito. Os alunos têm que se habitura (como já se habituaram) a chumbar se não trabalharem e tem de acabar aquele discurso da treta do aprender a aprender. Não temos que voltar aos tempos do empinanço e decoranço, mas seguramente que profissionais competentes conseguirão dar a volta ao texto. Os pais, antes mesmo de se saber se podem avaliar ou não, podiam habituar-se a ver a escola não apenas como um depósito dos meninos onde é suposto aprenderem da vida aquilo que não aprendem em casa. Dinamitar neste sentido, sim. Porque senão a democratização da escola pública é apenas uma balela para tentar perpetuar as diferenças sociais.

Os intelectuais é que curtem.