quarta-feira

Irreversível

Resolvemos ver o filme Irréversible de Gaspar Noé com Monica Bellucci e Vincent Cassel (2002). Todos sabiamos da cena de violação que dura 9 minutos. Todos concordamos que neste ponto punhamos o filme em rápido e nos poupávamos a célebre cena choque. Pobres ingénuos. Quando se vai ao inferno não há zonas frias.

Ainda o filme não tinha começado e eu só com o genérico já estava como quando estou na montanha russa, a fase da subida na expectativa enervante da descida. Não há imagem, são só as letras vermelhas a acenderem-se num fundo preto, com uma batida que promete pesadelo.

O filme começa no desenlace de toda a tragédia e anda para trás. O preto e o vermelho persistem. A vingança, a caça, a violação... Esta cena começa com Alex (Bellucci) a caminhar de costas. Sensual, fluida, o som dos saltos. Ela quer passar a estrada. Uma mulher diz-lhe que é mais seguro usar a passagem subterrânea. Ela fá-lo e o túnel é demasiado vermelho e longo. Acontece; nós passamos rápido a cena, mas para mim o pior foi o fim, pior que a violação. Não há palavras que possam descrever o horror da maldade ou o que para mim me surgiu como sacrificial. E este mote do sacrifício fortifica-se ao continuar-se para trás e ao conhecer Alex. Esta minha visão pode e será muito pessoal, mas Alex surge-me não só uma mulher, mas a essência da mulher. Tal como uma imagem fala por mil palavras, Alex incorpora as mulheres e é assim que o que lhe acontece me surgiu sacrificial, uma imolação da mulher. A imagem não me larga, o filme não me larga, o desconforto não me larga, Alex naquela imagem de volúpia em que conhece a sua gravidez não me larga.

Gostei imenso do filme como filme. É impossível dizer que gostei do inferno. Penso no dito de Oscar Wilde de que não há livros morais ou imorais. Só bons ou maus livros. Pois...

9 comentários:

João Melo Alvim disse...

Ainda não consegui ver, apesar de várias tentativas.

abrunho disse...

Desmaias?

João Melo Alvim disse...

Sinceramente, falta-me a vontade para agarrar no filme e requisitá-lo. Inevitavelmente levaria a outras discussões...

abrunho disse...

Uma das ideias que me rebateu a cabeça após ver o filme foi: "Para quê ver um filme destes? Qual o propósito?". Acho que é o que incomoda mais. O saber que é um bom filme e seguidamente avaliar se não será melhor ver outros bons filmes que não choquem. Mas somos nós que estamos com mariquices? Mas não há coisas horríveis como aquela a acontecer por aí? E depois? Mas não é arte? e vale tudo na arte?

É complicado e se um amigo me perguntasse se vale a pena ver o filme, eu iria ficar a meio caminho de uma resposta sem nunca a conseguir dar.

João Melo Alvim disse...

Se calhar estou a sofrer por antecipação, mas este tipo de filmes levantam-me sempre questões relativas ao sistema judicial e às suas falhas. A minha namorada defende a pena de morte para estes casos, eu não consigo defender a pena de morte seja para o que for, mas depois fico a pensar na inevitabilidade de alguns "acidentes". Aliás, o primeiro caso em que tive que agir como advogado foi numa tentativa de violação e a experiência, para todos os efeitos, esteve longe de ser agradável.

abrunho disse...

Como eu digo no texto a violação propriamente dita é só uma parte. A maldade do homem é o pior. Ele não vê Alex como um ser humano e, para que não haja qualquer dúvida na mente dele que ela não vale nada, ele redu-la mesmo a nada. É aniquilante.

Eu não defendo a pena de morte para crime algum. A minha razão maior para tal é de que penso ser um perigo dar o poder de morte a quem seja. Contudo, penso que há pessoas que são más sem remédio e nestes casos defendo que se mantenham indefinidamente encerradas. Ou seja, tenho reservas quanto ao cúmulo jurídico, mas em casos muito excepcionais.

Criminosos sexuais (pedófilos e violadores) são um dos grupos que se pensa estarem organicamente doentes e incapazes de funcionar de outra forma. Sendo que a medicina confirme isto, eu sou pela sua cláusura permanente, a não ser que se ache uma cura, ou outra forma de controlar os seus impulsos. Uma temporada na prisão não os vai mudar e a prisão deveria ser em primeiro um meio para proteger os restantes membros da sociedade. Em segundo um dissuasor para os que ficam fora. Punir por punir, eu não vejo a eficiência nisto. O objectivo deve ser muito pragmático: prevenir novas vítimas.

João Melo Alvim disse...

A ideia seria essa, mas teimamos em não chegar lá.

Eu confesso que não sei o que seria capaz de fazer se algo desse género acontecesse em meu redor. Provavelmente ampliaria o falhanço do Estado em garantir a segurança da comunidade e o falhanço na intenção de prevenção. Aliás, parece-me que é por aí que depois todos os medos vêm, pela constatação de que "isto" não funciona.

abrunho disse...

Mas oh João, que é isso? As violações estão em alta em Portugal? Sabes de muitos violadores à solta? Eu sei que os homens portugueses são bastante tarados, mas geralmente ficam-se pela amostragem dos seus atributos e por ditos muito falhos de imaginação.

Por falar em tarado, se fores ao farpas & bitaites (acho que é assim que se chama, cheguei lá por intermédio do Renas e Veados) encontras um vídeo de uma emissão, em directo, de uma das televisões em Portugal, em que a jornalista recebe um telefonema de um tarado. É de morrer.

João Melo Alvim disse...

Já vi a cena. A tipa aguentou-se bem, sem dúvida.

"Felizmente" sei de mais casos de tentativa que de violação propriamente dita, mas a sensação de impunidade e de ineficiência das autoridades ajuda a que a amostragem (digna de um documentário da National Geographic) possa expandir-se.

Além disso, os crimes sexuais sofrem daquele síndrome do iceberg: as queixas continuam a ser poucas e o acompanhamento posterior deixa muito a desejar.