segunda-feira

Incompletudes: cadê o essencial?

Noutra área, que não a social, tive que ler legislação. Para além de ter dificuldades com a escrita em si, que é peculiarmente artificial e ardilosa (Um pesadelo. Chegava ao ponto de pedir a opinião a diferentes colegas e concluírem diferentemente!), também por vezes concluía que perdia-se o essencial. Preocupadíssimos em definir tintim por tintim quando, onde e como, perdiam o porquê.

Eu penso que os legisladores têm o hábito de perder-se. Tal como nós quando começamos a discutir nos começamos a atolar nas incertezas. Da forma que estamos a olhar o problema é impossível, porque há sempre excepções. Neste caso: um casal não é garante de uma família feliz e uma família monoparental não implica um meio inadequado para uma criança crescer saudável. Depende, depende, não sei, talvez. Como aconteceu com o Miguel Silva, acabamos por não conseguir definir nenhuma posição porque o ser humano não é matemática.

Portantos... Na minha humilde opinião deve-se pegar no problema doutra forma. Como? Definindo o essencial. O porquê desta lei deve ser: as pessoas que se apresentam têm um projecto parental com potencial para formar uma criança saudável, feliz? A lei não devia limitar a resposta a casais heterossexuais unidos no matrimónio. A decisão devia ser tomada na altura do processo, com as pessoas à frente. Podia-se aí avaliar das capacidades psicológicas, do egoísmo (como o definiu a Helena), etc.

A limitação a casais casados, convenhamos, é pobre, muito pobre do tipo de relações que os seres humanos podem formar. Exemplo verdadeiro: uma mulher heterossexual chegou ao momento da sua vida em que o relógio biológico começou a apitar. Os desencontros amorosos da vida não lhe deram nenhuma relação estável com um homem. Ela resolve que é agora ou nunca, quer ser mãe e procura um pai para a criança. Um que pareça ter bons genes (ui, que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida - CNECV - já vai dizer que ela instrumentalizou o homem) e bom pai (ela queria um pai para a criança). A escolha caiu num amigo homossexual. Ele aceitou, não sei se esfusiante, se calmo, se se ajoelhou a agradecer a Virgem. Aqui não havia infertilidade, portanto fizeram uma inseminação artificial caseira, que para meu espanto resultou. Tiveram uma criança. Não são casados, nunca tiveram sexo, não é provável que o venham a ter, mas são pais de uma criança. Tenho de averiguar se o menino é mesmo saudável e não está traumatizado com o inusitado. Este é um exemplo de um casal a quem o Estado diz que não é ético que sejam pais. Provavelmente há muitas pessoas que concordam. Eu não. Fico contente que não os tenham podido impedir. Tomem seus conservadores de meia-tigela!

Gostaria de saber se as propostas de lei incluem a reprodução heteróloga (quando um ou ambos dos gâmetas não são do casal)? No parecer de 1993, o CNECV é peremptoriamente contra, mas em 2004 aceita "Excepcionalmente e por ponderadas razões estritamente médicas...". Quanto às mães de substituição, o parecer de 1993 rejeita a sua existência e o de 2004 é omisso. De novo, podem existir soluções entre indivíduos que não são instrumentalizantes da pessoa humana (uma das enormes procupações do CNECV), mas somente soluções de amor. Imaginem, por exemplo, que o casal tenha o apoio familiar e uma irmã ou um irmão fazem a dação dos gâmetas. Será assim um horror tão grande? Mesmo mães de substituição: eu emprestava o meu útero à minha irmã, na boa. Por ela, porque a amo. Será assim tão horrível? A criança seria um tesouro ainda maior para mim. O laço seria maior do que somente tia genética. Instrumentalizem-me, por favor!

Haverá mais variantes, que nem me passam pela cabeça, que podem ser analisadas caso-a-caso. Não terá mais lógica assim, do que fazer presunções e imposições num ponto demasiadamente longínquo do processo? Fazer uma regra única para tanta diversidade é caminho certo para injustiças (até para a criança, quem sabe?). Vamos decidir quem, quando houver cara e sentimento no processo. Será impossível?

Eu não li a legislação proposta, mas provavelmente na sua sempre presente linguagem circunvoluta tem tudo o que disse, só que mais, só para empatar. Este pessoal que legisla devia frequentar um curso sobre ser simples e nunca perder o que importa de vista.

P.S.: O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida no seu parecer de 1993 diz que ético é "o comportamento que visa, promove ou respeita a realização de si próprio, na relação constitutiva com e para os outros, no quadro de instituições justas. Essa necessidade ética de auto-realização pessoal e social (que se revela na consciência do direito e da responsabilidade de cada pessoa na construção da vida, própria e dos outros) exige a liberdade necessária para o seu pleno exercício. Essa liberdade obriga a que nenhuma pessoa seja usada como meio ou instrumento, para o quer que seja." Eu não quero ser mázinha, mas segundo este pedaço de literatura, a procriação pode ser abolida totalmente, para férteis e não férteis. A mulher é sempre instrumento e então quando a sociedade portuguesa obriga a mulher a conceber sem ela querer... Onde está a ética? Ah, pois. Esqueci-me: o potencial de uma pessoa e a mulher, que é pessoa já formada, mas sem liberdade de não ser instrumento às mãos de "instituições justas"... Será assim?

22 comentários:

João Melo Alvim disse...

Claro é daqueles adjectivos que, colocados ao pé de legislador, denuncia uma contradição em termos. Um dos problemas é quando a actividade do legislador mexe com problemas como a felicidade na vida das pessoas.

Assino por baixo no que dizes e destaco o seguinte:
"Haverá mais variantes, que nem me passam pela cabeça, que podem ser analisadas caso-a-caso. Não terá mais lógica assim, do que fazer presunções e imposições num ponto demasiadamente longínquo do processo? Fazer uma regra única para tanta diversidade é caminho certo para injustiças (até para a criança, quem sabe?). Vamos decidir quem, quando houver cara e sentimento no processo. Será impossível?"
Claro que não. Falta é vontade de aceitar coisas tão simples como escolha e responsabilização.

abrunho disse...

Eu se calhar pareço uma liberal louca. Mas eu nem sou assim tão liberal. Aquele meu parágrafo sobre o aborto foi uma provocação.

Contudo, penso que para haver justiça em situações que mexem com a vida das pessoas, quando os valores morais e espirituais não são consensuais, é que as decisões sejam tomadas pelos técnicos que contactam realmente com as pessoas. Que falam com elas, que apercebem motivações, receios, anseios, esperanças e expectativas.

É o mesmo na adopção e no aborto. Dar cara e sentimento ao processo, decidindo o melhor para cada caso.

O CNECV é essencial para fazer uma análise demorada e amadurada dos problemas éticos (o parecer de 1997 é uma leitura interessantíssima, principalmente porque tem em anexo textos de vários dos membros que o votaram).

O Eduardo Pitta disse no poste dele que Portugal mostrou atraso ao deliberar que só casais podem aceder à PMA. Contudo, após ler os pareceres do CNECV eu respeito que muitos assim o pensem. Não concordo, mas respeito e penso que este tipo de análise profunda e as preocupações éticas que se movem por trás desta lei não são atraso. São de respeitar. De novo: ainda que não se concorde.

abrunho disse...

Eu não sou liberal, mas preocupa-me a justiça. Que as sensibilidades diletantes de uns não impeçam a felicidade de outros. Quando alguém tem um comportamento que não faz ninguém mais infeliz, ninguém tem nada com isso.

É só isto. É só por isto que me enervo. Se alguém me mostra que estou a defender um comportamento que afecta outros negativamente, eu salto atrás e repenso.

É uma tragédia que não sejamos felizes.

CA disse...

Ser ético não é só mostrar preocupação com as crianças. É pensar o alcance dos princípios que se definem.

Um bom princípio seria não impor na PMA princípios que não se deseje impor na procriação não assistida. Um mau princípio é sobrevalorizar as garantias de felicidade da criança. E isto por três razões: primeiro, porque a felicidade de uma criança não pode ser garantida à priori por nada; segundo porque acabaremos a criar uma sociedade hipercontroladora, em que será o estado a controlar a fertilidade de cada um, obrigando-o a provar que está apto para gerar crianças felizes; terceiro porque ao colocar a criança como centro absoluto da família se cria um ambiente que não respeita os pais e é profundamente deseducador para a própria criança.

abrunho disse...

O caso ca é que eu até concordaria com algumas restrições na procriação não assistida, se tal fosse possível. Mas não é, porque estariamos a entrar na tal sociedade hiper-controladora, o que seria uma caixa de pandora. Há pessoas que não deveriam ter filhos e é uma pena que os tenham.

Neste caso pode haver controlo, só que muito bem doseado e sempre a ter em conta todos os envolvidos: criança, pais, dadores. Nem que seja porque os envolvidos precisam de ter uma certa fortaleza mental. É um processo que precisa de muito acompanhamento psicológico, pelo sofrimento que traz (físico também para a mãe) e pela frustração, pois os níveis de sucesso são baixos.

Algo que ninguém fala, mas que os pareceres do CNECV me chamaram à atenção é que a PMA é um processo extremamente caro. O Eduardo Pitta teve a gentileza de me mandar as propostas de lei, mas ainda não as li, pelo que não sei até que ponto o SNS vai patrocinar a PMA. O CNECV aconselha a que não se faça, sendo que há prioridades mais importantes. Que o Estado só se empenhe economicamente com a criança que vai nascer.

CA disse...

Abrunho

Uma sociedade hipercontroladora acabaria por criar pessoas muito mais infelizes do que aquelas que se propõe evitar. Basta ver o modo como os totalitarismos comunistas manipularam as questões da procriação.

Controlar a PMA do modo que algumas pessoas propõem é já criar uma sociedade hipercontroladora. Acontece é que quem propõe as regras de controlo nunca se viu realmente na situação que se propõe controlar.

Pretender controlar o processo com o argumento de que é preciso fortaleza mental parece-me um daqueles casos do escuteiro que obriga a velhina a atravessar a rua mesmo quando ela não quer, porque assim faz uma boa acção a ajudá-la a atravessar. A maior parte do que se propõe só aumentaria as dificuldades de quem precisa da PMA. Só ficam a ganhar aqueles que preferem que a PMA desapareça. E acredite que há muita gente que pretende efectivamente isso.

Quanto ao financiamento pelo SNS isso deve ser visto dentro de uma política mais global. Mas se, quando tão poucas crianças nascem em Portugal, não é prioritário ajudar os casais que se dispõem a ter filhos a resolver os problemas de saúde, então não sei o que será.

Quanto ao CNECV, é formado por pessoas bem intencionadas mas que por vezes transportam para lá posições teóricas pré formadas. Parece-me que por vezes falta sentido prático e experiência com os assuntos.

abrunho disse...

O problema de natalidade em Portugal não se resolve com as pessoas inférteis. Mas isto não é o essencial.

Se leres o que eu já escrevi, o que eu defendo é que no processo de falar com as pessoas é que se toma a decisão. Eu já disse, há pessoas que não deviam ter filhos. Imagina que aparece um casal que acabou de perder o único filho num acidente e agora quer ter um filho por PMA numa de substituição. Isto é um caso em que este casal deve ouvir um não. Eles precisam de chorar o filho perdido primeiro. Este caso tomei eu conhecimento numa situação em que queriam adoptar. Foi dramático, porque ainda por cima eram pessoas de posses e entraram pelo centro de acolhimento como se o facto de serem ricos os habilitasse a sair imediatamente de criança debaixo do braço. Foi horrível.

Eu tenho um casal amigo que anda há 4 anos a tentar ter um filho. Eu estou longe, mas chegam-me aos ouvidos o sofrimento. A última vez que estive com ela aconselhei-a a entrar num processo de adopção.

abrunho disse...

Relativamente ao CNECV, li os quatro pareceres emitidos e surgiram-me muito honestos.

No parecer 23/CNECV/98 é escrito:
O CNECV tem consciência de que se trata de matéria complexa e difícil. Por isso o parecer que ora emite foi precedido de ponderada reflexão, em que foram consideradas diversificadas fontes de informação, incluindo depoimentos de especialistas em PMA e noutras áreas, que o Conselho convidou para o efeito.

Eu não digo que concordo totalmente com o CNECV, mas uso as suas reflexões para a minha própria reflexão.

CA disse...

Abrunho

O que escreves parece-me bárbaro. Repara:
"Imagina que aparece um casal que acabou de perder o único filho num acidente e agora quer ter um filho por PMA numa de substituição. Isto é um caso em que este casal deve ouvir um não. Eles precisam de chorar o filho perdido primeiro."

O que quer dizer "numa de substituição"? Como é que se avalia isso? E isso é mau? Para quem? E em que te baseias para dizer tal coisa? És tu ou um técnico que pode decidir sobre o que é melhor para aquela família? Como é que eles alguma vez poderão provar a alguém que estão em condições de ter um filho? Trata-se de retirar ao casal um direito básico que é decidir quando é que quer ter filhos, a troco de uma teoria psicológica que diz que para eles talvez não seja bom terem filhos. E tens consciência que o técnico que vai avaliar o casal pode ter menos formação e maturidade do que o casal que vai avaliar? Ora quando se está numa área como a psicologia, pode acontecer que um casal maduro e em óptimas condições para ter um filho seja avaliado por um(a) psicólogo(a) recém formado e cheio de preconceitos que os "chumbe".

"Eu tenho um casal amigo que anda há 4 anos a tentar ter um filho. Eu estou longe, mas chegam-me aos ouvidos o sofrimento. A última vez que estive com ela aconselhei-a a entrar num processo de adopção."

Eu tenho estado a viver um processo destes nos últimos anos. Também nos candidatámos à adopção. Mas acredita: a adopção não é uma alternativa à PMA. São processos profundamente distintos. A adopção é algo de que se pode falar como hipótese a um casal infértil, mas não é algo que se possa oferecer como alternativa. Além de que nem todos os que estão preparados para ter filhos biológicos estão preparados para adoptarem. Porque adoptar não é só ter um filho. É ser capaz de acolher com a criança um passado por vezes mal conhecido, com todos os problemas e riscos que podem vir desse passado. É não ter todos os vínculos e experiências dos primeiros tempos de vida da criança. É sempre mais complicado reparar algo que começou mal do que fazer de novo.

Nestas questões da PMA tem faltado a perspectiva dos casais inférteis. Espero que a Associação Portuguesa de Infertilidade ajude a suprir essa falta. Infelizmente chega tarde para influenciar significativamente a legislação. Mas ninguém melhor do que esses casais conhece os detalhes, os custos (de todos os tipos) e também os impactos de certas normas nas suas possibilidades de ter filhos.

Quanto às pessoas envolvidas na elaboração da legislação andam em geral muito a leste disto tudo. Aliás o processo tem-se arrastado pela falta de capacidade técnica a esse nível. Sejamos francos: sobre PMA só a Igreja católica tem um pensamento estruturado e muitos elementos do CNECV limitam-se a tentar justifiar algumas dessas posições, sem terem uma perspectiva global. Quanto aos partidos a pobreza é atroz. Na última legislatura era confrangedor ver Ferro Rodrigues a defender o aborto livre e a assinar uma proposta de lei do PS sobre PMA que quase tratava os embriões como pessoas. Um embrião PMA tem 1001 direitos e protecções. Um embrião fora da PMA pode ser liquidado com a pílula do dia seguinte vendida sem receita médica. Só há pouco tempo os partidos de esquerda perceberam que ao proteger o embrião como quase pessoa estavam a pôr implicitamente em causa o aborto. Não é que eu seja partidário do aborto: isto apenas indica a superficialidade com que por vezes se têm iniciativas legislativas.

abrunho disse...

Barbaro? Barbaro seria uma crianca nascer nestas condicoes!

Quem decide? Na pratica tecnicos. Nos processos de adopcao as pessoas sao avaliadas, no sentido de dar a crianca o melhor lar possivel. Os tecnicos nao vao inventar o que nao existe. O casal em concreto de que falei era obvio. Ate um cego ia ver que estavam mal. Quem no seu juizo perfeito lhes poria uma crianca ao cuidado? So alguem completamente incompetente.

Substituicao significa substituicao. Incapazes de lidar com a perda de um filho tentam arranjar outro que preencha o vazio. E isto justo para a segunda crianca? Qual a probabilidade disto dar muito mau resultado?

Teoria? Quer que lhe diga: basta bom-senso.

Eu acredito na responsabilizacao, em deveres e direitos. Os direitos tambem sao da crianca.

Eu quando falei com a minha amiga eu nao tomei posicao entre a PMA ou adopcao. Eu apresentei uma alternativa, que ao fim de 4 anos me pareceu mais aconselhavel do que continuar. Ela toma-a se quiser. Afinal e ela que se esta a submeter ao processo. Eu sou amiga e preocupo-me. Eu perguntei se ela tinha algo contra a adopcao e ela disse-me que nao. Disse-lhe: Porque nao te inscreves para adopcao, que o processo ainda demora muito tempo. Nem lhe disse para ao fim de 4 anos ela desistir.

Eu na adopcao estou do lado da crianca. Sao pessoas pequenas com um passado e precisam de uma compreensao e uma capacidade de empatia maior. So deve adoptar quem esta aberto a isso. Se o ca nao se sente preparado para lidar com o passado de uma crianca, quem sou eu para lhe dizer o que quer que seja? Nao e isso que esta em questao. Mas se entrar num processo de adopcao eu espero que o ca seja bem e rigorosamente avaliado nas suas capacidades para ser um bom pai.

Eu nao o conheco, nem quero comandar directamente a sua vida. Mas o ca vive em sociedade e esta tem bases eticas que nos regem para uma vida mais digna, para um maior respeito entre uns e outros. Neste caso, entre pais e filhos, entre tecnicos de saude e pacientes, entre seres humanos. Nao posso acreditar numa sociedade que impoe os moralismos da maioria, mas tambem nao posso aceitar uma sociedade que nao proteja os desprotegidos. Neste caso, a crianca.

Nao tenho quaisquer duvidas que varios dos elementos do CNECV estao imbuidos de sentimentos catolicos. Mas eles justificam bem as posicoes que tomam. Leu o parecer de 1997? Concorde-se ou nao, esta ali um texto com alicerces. O ca pode discordar, mas de credito ao outro, que pode pensar diferente, mas nao e parvo.

No dia seguinte nao me parece que haja tempo suficiente para um embriao...

Eu nao discuti em lado nenhum os pormenores tecnicos da PMA. Eu nao tenho uma visao tao elevada do embriao como os membros do CNECV. As pessoas formadas tem para mim sempre muito mais valor que um embriao nos estadios iniciais. A minha preocupacao e a crianca e os pais. Pessoas com pensamentos, sentimentos. Contudo, eu desejaria que pessoas adultas fossem responsaveis pelos seus actos e a que eles podem conduzir. As pessoas nao podem esperar que a sociedade lhes acoberte impavida e serenamente todos os actos. Principalmente quando ha outros em risco ou a dignidade da pessoa humana. Ai sim, seriamos barbaros.

Eu desejo-lhe as maiores felicidades. Sinceramente.

CA disse...

Abrunho

"Mas o ca vive em sociedade e esta tem bases eticas que nos regem para uma vida mais digna"

Nessas bases éticas tem que haver racionalidade e objectividade. Isso é profundamente contraditório com "Teoria? Quer que lhe diga: basta bom-senso." No fundo quer legislar com base no "bom-senso"? Não bastam os exemplos de sentenças sobre crianças que tem havido em Portugal, em que o "bom-senso" dessas sentenças é posto em causa pelos psicólogos, para mostrar que só "bom-senso" não chega?

"No dia seguinte nao me parece que haja tempo suficiente para um embriao..."

A fecundação pode ocorrer 20 minutos depois da relação sexual e a partir daí as duas células começam o processo de fusão para dar um zigoto. Este zigoto é a primeira célula de um possível novo ser e fica formado em menos de 30 horas. Quando a pílula é tomada, se já tiver ocorrido a fecundação, ela irá actuar sobre o útero para o tornar inapto para a nidação. Mas o zigot desenvolve-se e acaba por morrer por lhe terem tirado a possibilidade de nidar. O valor do embrião é igual ao dos embriões da PMA.

Quanto ao CNECV e às posições católicas, não tenho dúvidas que são bem fundamentadas mas o que digo é que não vêem determinados aspectos. São parciais.

CA disse...

Abrunho

"Eu desejo-lhe as maiores felicidades. Sinceramente."

Obrigado.

abrunho disse...

Em primeiro lugar ca quando eu escrevi "Teoria? Quer que lhe diga: basta bom-senso.", estava a escreve-lo no contexto dum casal que em luto pelo unico filho tentam resolver a sua dor de uma forma nao etica. Por favor, nao extrapole de forma a por na minha escrita o que eu nao defendi. Alem disso, ja ha varios comentarios que eu tenho a sensacao que o ca nao esta a discutir ideias comigo, mas com uma outra personagem que nao conheco, mas que me foi dado representar.

Por outro lado: legislar, o pensar principios eticos, o aplicar principios eticos, o aplicar legislacao, sao momentos diferentes na aplicacao de principios de justica. Se nos dois primeiros pontos se definem conceitos abrangentes a uma populacao, nos ultimos dois esta-se perante um caso concreto, o que implica para o decisor que com base nos principios delineados na legislacao, com base em especialistas, tenha que usar o seu bom senso comum (no sentido em que esta no dicionario: a aplicacao da razao de uma forma adaptada as circunstancias) para decidir. Esta forma de funcionamento das nossas instituicoes e' inalienavel, a nao ser que ache que a justica e' mais bem servida se for decidida por uns computadores.

O ser humano e' um ser subjectivo, com necessidades subjectivas. Assim, o que eu defendi nos meus postes e' que o momento do legislar e' cedo para definir, preto no branco, quem pode concorrer a PMA.

A outra ideia a brotar dos meus postes foi a importancia de preservar os direitos da crianca a nascer.

Nada mais eu discuti relativamente `a nova lei.

O ca esta' muito chateado porque dao 1001 direitos ao embriao no PMA em contraponto com a pilula do dia seguinte. O ca esquece-se que e' so' esta brecha de alguns dias que e' dada na possibilidade de abortar. A partir daqui o embriao torna a ser rei e senhor, excepto em casos definidos, mas em que a mulher, mesmo assim so' pode abortar se conseguir ultrapassar todos os escolhos que lhe sao postos `a frente. Nao estou aqui a defender o aborto livre. De novo tem de existir a responsabilizacao das pessoas, mas a objectividade do que se proibe e do que se permite nao se adequa `a subjectividade do ser humano e do que e' melhor em cada situacao.

O PMA e os embrioes que cria tem a particularidade, comparativamente ao aborto, de que estes embrioes estao a ser manipulados por outras pessoas, que tem as suas consciencias, as suas questoes filosoficas. Dentro da classe medica, este poder sobre a vida, a reproducao, o bem de um relativamente ao todo da humanidade e' obviamente dificil. Eles querem definir limites de forma a proteger o mundo da simbologia humana, do que nao pertence `a razao ou `a biologia, talvez o que chamamos a alma.

abrunho disse...

Incluindo a deles.

CA disse...

Abrunho

Parece-me que o cerne da questão está em saber se, quando duas pessoas decidem ter um filho, essa decisão deve ser apenas deles ou devem estar condicionadas a um parecer externo. Se a resposta for a favor de poder haver um veto externo ao casal haverá que dizer o que é que deve ser avaliado, independentemente da verificação ser feita por psicólogos, por exemplo.

Do que percebi a Abrunho acha que a decisão não pode ser só do casal e deve ser sujeita a uma autorização externa. Eu penso que a decisão deve ser só do casal.

Interpretei bem o seu pensamento?

abrunho disse...

Eu penso que deve haver autorizacao externa.

CA disse...

No Pontos de Vista eu já tinha esboçado algumas ideias para pôr isso em prática no caso geral. Estaria de acordo com uma lei segundo aquelas linhas para reger qualquer nova gravidez?

abrunho disse...

Sim.

abrunho disse...

Ja' fui ao seu "Pontos de Vista" dar o meu contributo `a sua discussao, que nao diria ser um absurdo, mas caminhar no fio da navalha.

CA disse...

Obrigado. Penso que é positiva a clarificação das posições. Já respondi lá.

abrunho disse...

Agora que ja' colocamos supense na discussao, vamos `a explicacao, que eu antes resolvi responder muito simples, pois andavamos a escrever comentarios longuissimos onde nos andavamos a perder.

Eu mostrei-me contra a parte da lei que restringe a PMA a um homem e mulher casados. Penso que ha' outros projectos parentais validos. Portanto, ao colocar a questao nestes termos, estes projectos tem de ser validados. Este e' o principio de toda a minha discussao relativamente `as PMA.

Relativamente ao controle da concepcao, e' uma ideia em abstracto que me atrai (nunca na forma obviamente extremada do seu poste: "...testes geneticos para confirmar que o pai consta da licenca e' o pai biologico"! Ja' agora: qual seria o objectivo disto? Ou foi so' mesmo um toquezinho rosa-choque?).

Diga-me: como e'? Quando se inscreveu para a PMA nao teve entrevistas com tecnicos para aferir da sua (e sua companheira) saude fisica e psicologica? Nao os informaram dos riscos, nao os aconselharam, nao lhes falaram de alternativas?

O meu pensar nao e' policial, e' de um conversar e conversando chegar `a melhor solucao. Entre todos os intervenientes, sendo que os principais sao os progenitores, com a futura crianca em mente. Com a possibilidade aberta de ser dito aos proponentes que o projecto parental que representam nao ser o melhor. O ca vai agora gritar: "com que criterios, quem?" Ja' e' feito para a adopcao, por isso ha-os e gente com experiencia a aplica-los.

Abrindo-se isto `a concepcao natural, como disse antes, seria o tal caminhar no fio da navalha. A concepcao natural e' um homem e mulher. E' impossivel andar com uns radares a impedir um homem e uma mulher de procriar. Podem so estar a fazer sexo... ou amor.

A ideia em abstracto anima-me (termos a certeza que todas as pessoas sao queridas e amadas desde a sua concepcao), mas na pratica concedo a sua impossibilidade.

Agora e' uma questao de egoismo, porque da maneira que a discussao e' feita, ou ha' controle e ha' mais pessoas a poderem usufruir da PMA, ou nao ha' e esta e' so' para casal casado. Sendo que mesmo neste caso, vai haver controle, porque queira ou nao ca, ha' mais gente a participar.

abrunho disse...

ca,

se ainda andar por aí:

sabe aquela cena de já existir um embrião no dia a seguir ao sexo?

Demora 10 horas aos pobres espermatozóides para chegarem aos canais de falópios. Quando o espermatozóide feliz encontra o óvulo, então sim demora mais ou menos 20 minutos a penetrá-lo. Em cerca de 11 horas as duas células mergem e formam o zigoto. Portantos, mínimo para a formação de um embrião: cerca 21h.

Isto é mais para a minha própria elucidação. :-)