quarta-feira
Um exemplo típico do progresso humano, digo eu
Diz-nos o maradona.
Se os fofinhos se vão, não há salvamento para os feios, repelentes, pequenos, despercebidos. É pôrmo-nos todos no cais, de lencinho branco a dizer adeus. Shite. Mega-shite.
terça-feira
Coerência
Houve a discussão sobre a Procriação Medicamente Assistida (PMA) e agora discute-se pela blogosfera a proposta do Minsitério da Educação de que os pais dos alunos participem na avaliação dos professores.
Segundo percebi, a minha pessoa tem o direito inalienável de conceber sem pai uma criança, mesmo sendo fértil, que se eu não quiser ter sexo com um homem é o meu direito de o fazer por PMA, sou maior de idade e só isso é o suficiente para me fazer uma pessoa séria e responsável, me equipar completamente para ser mãe de alguém, que tem o dever de me ter como mãe e pai, mas depois de ser mãe sou completamente incapaz de fazer uma crítica séria e responsável e imparcial à forma como o meu filho é ensinado na escola. Em que ponto do percurso é que o meu QI desceu? É um efeito secundário da maternidade?
Segundo percebi, a minha pessoa tem o direito inalienável de conceber sem pai uma criança, mesmo sendo fértil, que se eu não quiser ter sexo com um homem é o meu direito de o fazer por PMA, sou maior de idade e só isso é o suficiente para me fazer uma pessoa séria e responsável, me equipar completamente para ser mãe de alguém, que tem o dever de me ter como mãe e pai, mas depois de ser mãe sou completamente incapaz de fazer uma crítica séria e responsável e imparcial à forma como o meu filho é ensinado na escola. Em que ponto do percurso é que o meu QI desceu? É um efeito secundário da maternidade?
segunda-feira
O sentido de humor inglês e alemão
An English couple have a child. After the birth, medical tests reveal that the child is normal, apart from the fact that it is German. This, however, should not be a problem. There is nothing to worry about. As the child grows older, it dresses in lederhosen and has a pudding bowl haircut, but all its basic functions develop normally. It can walk, eat, sleep, read and so on, but for some reason the German child never speaks. The concerned parents take it to the doctor, who reassures them that as the German child is perfectly developed in all other areas, there is nothing to worry about and that he is sure the speech faculty will eventually blossom. Years pass. The German child enters its teens, and still it is not speaking, though in all other respects it is fully functional. The German child's mother is especially distressed by this, but attempts to conceal her sadness. One day she makes the German child, who is now 17 years old and still silent, a bowl of tomato soup, and takes it through to him in the parlour where he is listening to a wind-up gramophone record player. Soon, the German child appears in the kitchen and suddenly declares, "Mother. This soup is a little tepid." The German child's mother is astonished. "All these years," she exclaims, "we assumed you could not speak. And yet all along it appears you could. Why? Why did you never say anything before?" "Because, mother," answers the German child, "up until now, everything has been satisfactory."
Excerto de um artigo de Stewart Lee, no Guardian, em que discute o humor ingles e alemão.
Assim:
The flexibility of the English language allows us to imagine that we are an inherently witty nation, when in fact we just have a vocabulary and a grammar that allow for endlessly amusing confusions of meanings.
Mas o alemão:
In English there are many words that have double or even triple meanings, and whole sitcom plot structures have been built on the confusion that arises from deploying these words at choice moments. Once again, German denies us this easy option. There is less room for doubt in German because of the language's infinitely extendable compound words. In English we surround a noun with adjectives to try to clarify it. In German, they merely bolt more words on to an existing word. Thus a federal constitutional court, which in English exists as three weak fragments, becomes Bundesverfassungsgericht, a vast impregnable structure that is difficult to penetrate linguistically, like that Nazi castle in Where Eagles Dare. The German language provides fully functional clarity. English humour thrives on confusion.
Além disso, anedotas sobre o corpo e funções corporais não funcionam porque:
A German theatre director explained that this was because the Germans did not find the human body smutty or funny, due to all attending mixed saunas from an early age.
Finalizando:
I looked back over the time I had spent in Hannover and suddenly found situations that had seemed inexplicable, even offensive at the time, hilarious in retrospect. On my first night in Hannover I had gone out drinking with some young German actors. "You will notice there are no old buildings in Hannover," one of them said. "That is because you bombed them all." At the time I found this shocking and embarrassing. Now it seems like the funniest thing you could possibly say to a nervous English visitor. Since watching jokes I co-wrote for our German production withering in the translation process, all their contrived weaknesses exposed, I have stopped writing jokes as such, and feel I am a better stand-up because of it. I try now to write about ideas, that would be funny in any language, and don't rely on pull- back and reveals and confusion of meaning. Germany kicked away my comedy crutches and taught me to walk unaided. I am hugely grateful to the Germans.
Corroboro. Eu aprendi muito. As minhas piadas são muito mais inteligentes agora. O problema é que ninguém as compreende. Às vezes nem percebem que estou a brincar.
Excerto de um artigo de Stewart Lee, no Guardian, em que discute o humor ingles e alemão.
Assim:
The flexibility of the English language allows us to imagine that we are an inherently witty nation, when in fact we just have a vocabulary and a grammar that allow for endlessly amusing confusions of meanings.
Mas o alemão:
In English there are many words that have double or even triple meanings, and whole sitcom plot structures have been built on the confusion that arises from deploying these words at choice moments. Once again, German denies us this easy option. There is less room for doubt in German because of the language's infinitely extendable compound words. In English we surround a noun with adjectives to try to clarify it. In German, they merely bolt more words on to an existing word. Thus a federal constitutional court, which in English exists as three weak fragments, becomes Bundesverfassungsgericht, a vast impregnable structure that is difficult to penetrate linguistically, like that Nazi castle in Where Eagles Dare. The German language provides fully functional clarity. English humour thrives on confusion.
Além disso, anedotas sobre o corpo e funções corporais não funcionam porque:
A German theatre director explained that this was because the Germans did not find the human body smutty or funny, due to all attending mixed saunas from an early age.
Finalizando:
I looked back over the time I had spent in Hannover and suddenly found situations that had seemed inexplicable, even offensive at the time, hilarious in retrospect. On my first night in Hannover I had gone out drinking with some young German actors. "You will notice there are no old buildings in Hannover," one of them said. "That is because you bombed them all." At the time I found this shocking and embarrassing. Now it seems like the funniest thing you could possibly say to a nervous English visitor. Since watching jokes I co-wrote for our German production withering in the translation process, all their contrived weaknesses exposed, I have stopped writing jokes as such, and feel I am a better stand-up because of it. I try now to write about ideas, that would be funny in any language, and don't rely on pull- back and reveals and confusion of meaning. Germany kicked away my comedy crutches and taught me to walk unaided. I am hugely grateful to the Germans.
Corroboro. Eu aprendi muito. As minhas piadas são muito mais inteligentes agora. O problema é que ninguém as compreende. Às vezes nem percebem que estou a brincar.
Austrália só à lei da asneira
Apetece-me a indignação. Estive a pensar o que mais me fez rugas na testa nos últimos tempos.
Há a constante da minha vida a quem chamo a enciclopédia de informação inútil (EII). A EII é uma italiana que tem a mania de me interromper a fala ou o pensamento com informação inútil. Por exemplo: Estou eu animadíssima a ver um apanhado de canções de bollywood (confesso, confesso que gosto imenso de ver as canções dos filmes de bollywood, as vozes agudíssimas das meninas e toda a gente a saracotear-se feliz e contente, sobre comboios e prados e jantares de arroz e dahl), quando o refrão é, sei lá, "bahra", e ela levanta a fuça e diz "quer dizer amor para todos...", espeta o dedo no ar "... e vem, quer dizer vem". Eu, que tenho muito mau feitio, digo "vem ou vem-se?", ela faz que não nota o meu tom de bombardeiro e remete o nariz ao dicionário de sueco-espanhol. Há inúmeros exemplos, desde enumerar Papas quando estamos a discutir algo relacionado com o Vaticano, elucidar-me sobre a capital da Mongólia, já não sei porquê, explicar-me as diferenças dos dialectos italianos (teve piada a primeira, segunda e até a terceira lição, mas a certo momento era cursinho), explicar-me medicamente assistida que o arroz faz prisão de ventre, quando eu digo inocentemente que gosto tanto de arroz que podia comê-lo todos os dias, etc., etc., etc. Tudo informações absolutamente inúteis e que só vêm sobrecarregar a minha vida pejada de outras informações inúteis. Que cruz, que cruz...
Na semana passada, a irritação nova foi no cinema. Os reclames antes do filme, na Alemanha, demoram uns bons 20 minutos. Como não sou burra de todo, estudei a situação em cada cinema e agora só vou o xis tempo azado para me livrar. A não ser que esteja acompanhada por não habitués, que são uns palonços e fazem-me sempre desejar ir sozinha ao cinema. Nestas minhas idas a ver os filmes portugueses fui, excepto uma vez, com companhia e apanhei tudo. Um dos reclames era de alguma associação de turismo que nos convidava a ir visitar a Austrália. Como é de esperar estava cheiínho de gente bem disposta e sorridente. A senhora que fazia de aborígene, se realmente tinha algum sangue aborígene, estaria tão misturado que já é um caso de antepassado homeopático. Isto irritou-me. À primeira irritou-me um bocadinho, à segunda muito, à terceira comecei a resmungar. Cada vez que via o reclame, menos conseguia ignorar que os australianos são uns racistas de merda e eu queria era que um daqueles bichos muito venenosos e de dentes muito aguçados, que abundam por aquelas bandas, os mandasse pró caralho que os pariu.
Pronto, já me indignei. Isto é tão inútil e bom quanto o ioga.
Há a constante da minha vida a quem chamo a enciclopédia de informação inútil (EII). A EII é uma italiana que tem a mania de me interromper a fala ou o pensamento com informação inútil. Por exemplo: Estou eu animadíssima a ver um apanhado de canções de bollywood (confesso, confesso que gosto imenso de ver as canções dos filmes de bollywood, as vozes agudíssimas das meninas e toda a gente a saracotear-se feliz e contente, sobre comboios e prados e jantares de arroz e dahl), quando o refrão é, sei lá, "bahra", e ela levanta a fuça e diz "quer dizer amor para todos...", espeta o dedo no ar "... e vem, quer dizer vem". Eu, que tenho muito mau feitio, digo "vem ou vem-se?", ela faz que não nota o meu tom de bombardeiro e remete o nariz ao dicionário de sueco-espanhol. Há inúmeros exemplos, desde enumerar Papas quando estamos a discutir algo relacionado com o Vaticano, elucidar-me sobre a capital da Mongólia, já não sei porquê, explicar-me as diferenças dos dialectos italianos (teve piada a primeira, segunda e até a terceira lição, mas a certo momento era cursinho), explicar-me medicamente assistida que o arroz faz prisão de ventre, quando eu digo inocentemente que gosto tanto de arroz que podia comê-lo todos os dias, etc., etc., etc. Tudo informações absolutamente inúteis e que só vêm sobrecarregar a minha vida pejada de outras informações inúteis. Que cruz, que cruz...
Na semana passada, a irritação nova foi no cinema. Os reclames antes do filme, na Alemanha, demoram uns bons 20 minutos. Como não sou burra de todo, estudei a situação em cada cinema e agora só vou o xis tempo azado para me livrar. A não ser que esteja acompanhada por não habitués, que são uns palonços e fazem-me sempre desejar ir sozinha ao cinema. Nestas minhas idas a ver os filmes portugueses fui, excepto uma vez, com companhia e apanhei tudo. Um dos reclames era de alguma associação de turismo que nos convidava a ir visitar a Austrália. Como é de esperar estava cheiínho de gente bem disposta e sorridente. A senhora que fazia de aborígene, se realmente tinha algum sangue aborígene, estaria tão misturado que já é um caso de antepassado homeopático. Isto irritou-me. À primeira irritou-me um bocadinho, à segunda muito, à terceira comecei a resmungar. Cada vez que via o reclame, menos conseguia ignorar que os australianos são uns racistas de merda e eu queria era que um daqueles bichos muito venenosos e de dentes muito aguçados, que abundam por aquelas bandas, os mandasse pró caralho que os pariu.
Pronto, já me indignei. Isto é tão inútil e bom quanto o ioga.
domingo
sábado
Os meus cortes no CNECV
Li com muito interesse os pareceres do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV) sobre a Procriação Medicamente Assistida (PMA) e mais ainda as declarações de voto. De 1993 a 2004, o CNECV emitiu 4 pareceres, em que acrescentou reflexões, mas também modificou o sentido de outras. Estes e as declarações de voto dos seus membros são ricas no introduzir-nos nos limites, no raio de acção ético, físico, médico, os receios da classe médica ou do filósofo relativamente ao que a PMA traz em termos de manipular o nascimento de uma criança. Geralmente o que está escrito são os receios, pois só foram redigidas as discordâncias. Os meus cortes seguintes focalizam-se em dois pontos que achei absurdos. Porquê? Porque me apeteceu imergir no absurdo, mas acentuo que esta é uma visão parcial. Os pareceres são muito mais que isto e cada um dos que me lêem podem, por si, ver a visão global das reflexões do CNECV aqui, incluindo as que ligo acima. Para 2004, para obter as declarações de voto e um relatório sobre a PMA usar esta mesma porta.
A medicina permite ao ser humano ultrapassar os seus limites físicos naturais. Se na maioria das áreas médicas isto é considerado uma benesse do engenho humano, nas áreas da sexualidade e da procriação, antigos mistérios criadores de mitos e deusas, de medos e superstições, a habituação às novas possibilidades não é fácil. É o big bang do ser humano e até onde podemos manipular esse momento chave sem desvirtuarmos a nossa alma? Não falo só da alma de quem nasce ou de quem manipula a vida, mas a consciência de todos nós, do espírito colectivo que defende a nossa existência sagrada. Isto sem religião. Esta nossa sociedade actual baseia-se na importância de cada ser-humano, na sua existência única e valiosa. A escravatura, o atirar bébés deficientes ou somente indesejados de um penhasco, o ter muitos filhos no intuíto de juntar mãos de trabalho, o vender pessoas, são tudo actos ultrapassados nos nossos parâmetros justos de vida, porque cada ser-humano é em si um ser da maior importância. Nunca em momento algum o indíviduo mereceu tanta protecção colectiva.
A pessoa subiu ao panteão do sagrado. Um panteão laico, como só assim poderia ser, pois na religião Deus é o maior. Mas ainda assim, as religiões foram atrás da conceptualização e o ser humano ascendeu por arrasto.
Contudo, há ideias que mudam muito devagar. Tabús. Onde colocar o sexo? Procriar sem sexo?*
Reprodução com a utilização de um espermatozóide que não do elemento masculino do casal?
O Prof. Doutor Daniel Serrão pode negar à vontade (declaração de voto de Julho de 2004), mas está a falar de adultério médico. Os fantasmas masculinos são muito poderosos.
Respeito mais o seu argumento de que a actividade do médico é curar doenças, neste caso esterilidade/infertilidade, sendo que a reprodução heteróloga (dádiva de gâmetas por um terceiro elemento) não cura nada. Mascara a deficiência. Contudo, ainda assim, usar uma prótese não devolve à pessoa o membro em falta, mas permite-lhe uma vida similar à que teria com o dito. Nunca ouvi ou vi médico arengar sobre este mascaramento.
A analogia que ele faz no fim da citação está, na minha opinião, incorrecta. Para se adequar seria: "É como se dissesse que se eu assumir as consequências de ser preso não se me pode negar o direito de me roubar ou até de me matar." Agora já não tem muito sentido...
Mas ainda assim, os pruridos do Daniel Serrão sobre a reprodução heteróloga não os coloco totalmente de parte. Ironicamente, com base naquilo, que eu no início desta minha labuta, negava a pés juntos: que as pessoas, tendo pais carinhosos, tivessem a necessidade de saber dos pais biológicos. Segundo o que percebi da minha pesquisa, há um processo durante o desenvolvimento da criança em que ela faz a identificação biológica. É uma ligação às origens que é importante para a pessoa. Não só as pessoas que nasceram por PMA, mas pessoas adoptadas procuram por essa informação. A maior parte deles nem querem conhecer os pais cara-a-cara. Querem somente saber coisas como a cor dos olhos, o cabelo... Para estas pessoas que sentem este desligamento entre elas e quem lhes deu origem genética, o momento deles serem pais é ainda mais intenso do que para a maior parte de nós, porque é a primeira vez que têm uma ligação biológica com alguém. Como estás a ver, Helena, I surrender. Assim, na reprodução heteróloga, é importante que a criança tenha acesso ao seu eu biológico. Não sei até que ponto soluções esquisitíssimas, como o caso no Reino Unido, em que uma irmã vai criar a criança, a outra deu o óvulo e a terceira deu o útero, pode curto-circuitar o processo de identificação biológica da criança. Ela irá conhecer todos os intervenientes na sua concepção, mas serão intervenientes a mais?... Aqui preciso de assistência.
Tudo é muito simples e muito complicado. Isto são assuntos extremamente delicados, que se decidirmos reflectir sobre eles, nos vai deixar com enxaquecas do diabo. Na minha opinião, a lei não contempla toda a gente que de uma forma justa poderiam aceder à PMA. Contudo, um aspecto desta lei agrada-me sumamente: que esteja baseada em muita reflexão e discussão, integrando o melhor possível o interesse de pais e crianças, de forma a que exista uma base ética para a nossa sociedade, o princípio da dignidade humana protegido. Sem estarem com o disparate: se os outros fazem, também o fazemos nós. Se a nível individual eu não vou atrás de quem se amande de um prédio, agrada-me que os legisladores da sociedade portuguesa, a que pertenço, também o não façam.
Se me apetecer, continuo com os meus cortes, mas, neste momento em que escrevo, sinto-me muito cansada de reflectir sobre isto. Talvez seja o momento de eu contemplar outras coisas.
* Confesso que me divertiu. O sexo, o acto que só deve ser cometido (porque para os católicos o sexo comete-se) para efeitos procriativos. Onde metê-lo, quando a procriação não se faz com recurso ao sexo? Ficarão os católicos obscenamente felizes por se poder evitar o acto impuro? Os católicos não são pessoas para se alegrarem com a possibilidade das suas mais invías ambições se poderem alcançar. Eles são mais do estilo de infernizar. Eles são mais do distribuir cruzes e dizer: "Esta é a tua cruz para a vida. Foi-te dada por Deus."
A medicina permite ao ser humano ultrapassar os seus limites físicos naturais. Se na maioria das áreas médicas isto é considerado uma benesse do engenho humano, nas áreas da sexualidade e da procriação, antigos mistérios criadores de mitos e deusas, de medos e superstições, a habituação às novas possibilidades não é fácil. É o big bang do ser humano e até onde podemos manipular esse momento chave sem desvirtuarmos a nossa alma? Não falo só da alma de quem nasce ou de quem manipula a vida, mas a consciência de todos nós, do espírito colectivo que defende a nossa existência sagrada. Isto sem religião. Esta nossa sociedade actual baseia-se na importância de cada ser-humano, na sua existência única e valiosa. A escravatura, o atirar bébés deficientes ou somente indesejados de um penhasco, o ter muitos filhos no intuíto de juntar mãos de trabalho, o vender pessoas, são tudo actos ultrapassados nos nossos parâmetros justos de vida, porque cada ser-humano é em si um ser da maior importância. Nunca em momento algum o indíviduo mereceu tanta protecção colectiva.
A pessoa subiu ao panteão do sagrado. Um panteão laico, como só assim poderia ser, pois na religião Deus é o maior. Mas ainda assim, as religiões foram atrás da conceptualização e o ser humano ascendeu por arrasto.
Contudo, há ideias que mudam muito devagar. Tabús. Onde colocar o sexo? Procriar sem sexo?*
Não será inútil salientar a harmonia que deve existir entre relação afectiva e o acto procriativo, bem como recordar que a relação afectiva e erótica, encarada na sua duração, é o contexto que dá sentido à relação sexual, tomada como acto mais pontual. A relação procriativa, fora deste contexto, contém perigos que não se devem subestimar.
A mesma consideração, contudo, pode ser abordada na base de uma análise da acção em geral e do acto sexual em particular. Em nosso parecer, o conceito de acto humano deve ser entendido, não de modo pontual mas englobante, como o conjunto dos segmentos ou das partes de uma acção significativa única. Ou seja, se qualquer acto verdadeiramente humano nunca é algo de puramente físico, mas incorpora sempre um sentido, é também este sentido que, sendo unificado, constitui em acto único os segmentos ou partes em que esse acto se deixa decompor. O conjunto do acto sexual e das intervenções de RMA [Reprodução medicamente assistida = PMA] pode considerar-se como integrado numa significativa única de amor do casal.
Relatório-Parecer sobre reprodução medicamente assistida de 1993 - 3/CNE/93
Reprodução com a utilização de um espermatozóide que não do elemento masculino do casal?
No projecto parental de um certo homem e de uma certa mulher não é o esperma que fecunda é a pessoa humana toda que assume a paternidade e a executa, no plano biológico, através do espermatozóide fecundante.
Como também, no projecto parental de um certo homem e de uma certa mulher, a maternidade não é, apenas, o óvulo fecundado, mas sim a pessoa feminina toda, com as riquíssimas transformações biológicas e espirituais do estado maternal que começam na fecundação e duram por toda a vida.
No projecto conjugal estas transformações estão integradas na conjugalidade desta mulher e deste homem.
Quando o casal aceita a contaminação do seu projecto pessoal, a dois, por um terceiro membro, anónimo ou não, é legítimo afirmar que a conjugalidade está desfeita (...)
A alínea h) do preâmbulo do projecto de Lei "justifica" a dádiva de sémen com uma afirmação inaceitável - não pode negar-se (a dádiva de gâmetas masculinos) sempre que assumidas todas as consequências que podem resultar de tal acto pelos potenciais "beneficiários". É como se dissesse que se eu assumir as consequências de ser preso não se me pode negar o direito de roubar ou até de matar.
Declaração de voto de 29 de Julho de 1997 de Daniel Serrão relativo ao parecer 23/CNEV/98 sobre o projecto de proposta de lei relativo à Procriação Medicamente Assistida
O Prof. Doutor Daniel Serrão pode negar à vontade (declaração de voto de Julho de 2004), mas está a falar de adultério médico. Os fantasmas masculinos são muito poderosos.
Respeito mais o seu argumento de que a actividade do médico é curar doenças, neste caso esterilidade/infertilidade, sendo que a reprodução heteróloga (dádiva de gâmetas por um terceiro elemento) não cura nada. Mascara a deficiência. Contudo, ainda assim, usar uma prótese não devolve à pessoa o membro em falta, mas permite-lhe uma vida similar à que teria com o dito. Nunca ouvi ou vi médico arengar sobre este mascaramento.
A analogia que ele faz no fim da citação está, na minha opinião, incorrecta. Para se adequar seria: "É como se dissesse que se eu assumir as consequências de ser preso não se me pode negar o direito de me roubar ou até de me matar." Agora já não tem muito sentido...
Mas ainda assim, os pruridos do Daniel Serrão sobre a reprodução heteróloga não os coloco totalmente de parte. Ironicamente, com base naquilo, que eu no início desta minha labuta, negava a pés juntos: que as pessoas, tendo pais carinhosos, tivessem a necessidade de saber dos pais biológicos. Segundo o que percebi da minha pesquisa, há um processo durante o desenvolvimento da criança em que ela faz a identificação biológica. É uma ligação às origens que é importante para a pessoa. Não só as pessoas que nasceram por PMA, mas pessoas adoptadas procuram por essa informação. A maior parte deles nem querem conhecer os pais cara-a-cara. Querem somente saber coisas como a cor dos olhos, o cabelo... Para estas pessoas que sentem este desligamento entre elas e quem lhes deu origem genética, o momento deles serem pais é ainda mais intenso do que para a maior parte de nós, porque é a primeira vez que têm uma ligação biológica com alguém. Como estás a ver, Helena, I surrender. Assim, na reprodução heteróloga, é importante que a criança tenha acesso ao seu eu biológico. Não sei até que ponto soluções esquisitíssimas, como o caso no Reino Unido, em que uma irmã vai criar a criança, a outra deu o óvulo e a terceira deu o útero, pode curto-circuitar o processo de identificação biológica da criança. Ela irá conhecer todos os intervenientes na sua concepção, mas serão intervenientes a mais?... Aqui preciso de assistência.
Tudo é muito simples e muito complicado. Isto são assuntos extremamente delicados, que se decidirmos reflectir sobre eles, nos vai deixar com enxaquecas do diabo. Na minha opinião, a lei não contempla toda a gente que de uma forma justa poderiam aceder à PMA. Contudo, um aspecto desta lei agrada-me sumamente: que esteja baseada em muita reflexão e discussão, integrando o melhor possível o interesse de pais e crianças, de forma a que exista uma base ética para a nossa sociedade, o princípio da dignidade humana protegido. Sem estarem com o disparate: se os outros fazem, também o fazemos nós. Se a nível individual eu não vou atrás de quem se amande de um prédio, agrada-me que os legisladores da sociedade portuguesa, a que pertenço, também o não façam.
Se me apetecer, continuo com os meus cortes, mas, neste momento em que escrevo, sinto-me muito cansada de reflectir sobre isto. Talvez seja o momento de eu contemplar outras coisas.
* Confesso que me divertiu. O sexo, o acto que só deve ser cometido (porque para os católicos o sexo comete-se) para efeitos procriativos. Onde metê-lo, quando a procriação não se faz com recurso ao sexo? Ficarão os católicos obscenamente felizes por se poder evitar o acto impuro? Os católicos não são pessoas para se alegrarem com a possibilidade das suas mais invías ambições se poderem alcançar. Eles são mais do estilo de infernizar. Eles são mais do distribuir cruzes e dizer: "Esta é a tua cruz para a vida. Foi-te dada por Deus."
quarta-feira
Quase Livre
Walk Away dos Franz Ferdinand
I sold my innocence for pride, crush the end within my stride
Said Im strong now I know that Im a leader
I love the sound of you walking away, you walking away
Mascara bleeds a blackened tear
Oh, and I am cold, yes Im cold, but not as cold as you are
I love the sound of you walking away, you walking away
I love the sound of you walking away, walking away, hey, hey
Why dont you walk away? Why dont you walk away?
Why dont you walk away? No buildings will fall down
Dont you walk away? No quake will split the ground
Dont you walk away? The sun won't swallow the sky
Dont you walk away? Statues will not cry
Dont you walk away? Why dont you walk away?
Why dont you walk away?
Why dont you walk away?
I cannot turn to see those eyes, as apologies may rise
I must be strong and stay an unbeliever
And love the sound of you walking away, you walking away
Mascara bleeds into my eye
Oh, and Im not cold, I am old, at least as old as you are
And as you walk away, oh as you walk away
And as you walk away, my headstone crumbles down
As you walk away, the Hollywood winds will howl
As you walk away, the Kremlins falling
As you walk away, Radio 4 is static
As you walk away, oh, as you walk away
Oh, as you walk away, oh, as you walk away, hey
The stab of stilettos
On a silent night
Stalin smiles and Hitler laughs
Churchill claps Mao Tse-Tung on the back
terça-feira
As longas do novo cinema português em Hamburgo
O que é bom sempre se acaba. Terminou o certame do novo cinema português em Hamburgo. Um grande obrigado ao Instituto Camões e à Associação Luso-Hanseática, que apoiaram a iniciativa. No global, relativamente às longas-metragem, vi dois filmes extraordinários e uma seca. O que a minha pessoa se lembrou de escrever sobre cada um segue já a seguir:
"Kiss me" - Uma xaropada. Pessoal, não é por se pôr uma mulher belíssima num filme que este resulta! Ouviram? Aprendam a usar a banda sonora. Esta deve ser um acompanhamento de bom gosto, não uma forma de ridicularizar ou um empecilho. Christ! Os momentos em que a música está no sítio certo é na verdade quando esta é também personagem: a Laura (Marisa Cruz) a cantar o Kiss Me, na cena do Rachmaninov, no baile ou nos tangos. De resto um desastre auditivo de bradar às Valquírias e pedir-lhes vingança.
Os actores são bons. A Marisa Cruz surpreendeu-me. Todos conseguem vestir bem as personagens que têm e se alguma cena corre menos bem a culpa é do argumento ou da montagem. Os meus parabéns.
A ideia subjacente ao filme é boa, poderia ter resultado. Mas não resulta. O filme é como ir em primeira do Porto a Tavira. Quando a coisa está a ganhar velocidade dá-se conta que é só um declive no terreno. O alemão ao meu lado estava também entediado. Pensei em perguntar-lhe se tinha um canivete. Cortávamos os pulsos para nos entretermos. Mas lá conseguimos sobreviver e no fim saltamos por cima dumas portuguesas empinocadas e amandamo-nos para a liberdade do Verão. Ah, aragem, kiss me!
"A costa dos murmúrios" - é um filme perfeito. Poderia parar aqui porque não há palavras para a perfeição. Se continuo estrago tudo.
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Não, eu escrevo, eu escrevo. Começo pela banda sonora que eu sou peixe que morre pelo ouvido. É perfeita. Estou tramada. Só me sai este adjectivo. É um filme muito português no sentido de ser intimista. Tudo fala por dentro, pelos olhos e pelos diálogos esparsos. Cada cena dá um pouco mais de cada personagem, que pode ser por um sorriso, por uma frase, por um enquadramento, pelo maneio de uma cintura, pelo timbre da voz, tudo no sítio certo, na medida certa. A história é-nos dada no passo de um passeio à beira-mar, somos mantidos em competência na expectativa, lembrados nos momentos adequados de que algo está para vir, deixados em união docemente dolorosa com aquelas vidas no écran. Cada migalha é comida com deleite respeitoso. No fim percebe-se o quanto tudo foi absolutamente disposto da forma mais... perfeita. Estou apaixonada pela Beatriz Batarda. Que é... Pois. Gostava de abraçar o Luís (Filipe Duarte) e salvá-lo. Agora um grande suspiro e a lágrima que não chegou a desprender na sala do cinema.
"Alice" - Lisboa e Mário e Luísa.
Quando me conhecem as pessoas geralmente perguntam-me se sou de Lisboa. Há como um brio por mostrarem que sabem a capital de Portugal e devem saber que, por norma, não erram. Ficam sempre com um ar desiludido quando digo que não. Mas aí devem também saber do Porto ou do Algarve, pelo que fazem a pergunta que os atola: "Então de onde és?" Eu digo muito devagarinho. Que cara triste fazem. Venho então em seu auxílio: formo, traço um rectângulo e digo: aqui é Lisboa, aqui é o Porto e eu sou daqui. Ficam muito contentes e dizem o nome da minha cidade devagar e mal. Mais tarde hei-de dizer como Lisboa é linda, o sol, o rio, o casario, mas que nunca moraria lá. Só faço visita a lugares seleccionados. Quem não foi a Lisboa não me entende. Mas a minha amiga francesa perguntou em "Alice": "É Lisboa?". "Sim , é." E fez um ar entendido, como se eu tivesse absoluta razão de não pôr qualquer hipótese de lá morar, no meu jeito decisivo e fatal. Lisboa é muito fria em "Alice", tão indiferente esta Lisboa molhada, cinza e azul.
Essa amiga francesa também me perguntou em mais uns tons de Sassetti combinados aos olhos e ao perfil triste de Mário, se a história ia acabar bem. Respondi-lhe: "É um filme português." enquanto abanava a cabeça. Foi este fatalismo que me enterrou no fim, sabendo que Mário não ia voltar atrás, que Mário iria caminhar em frente naquele preciso momento, refazer a vida com Luísa, naquele momento. O queixo começou-me a tremer e, no genérico, eu chorei desconsoladamente por ser tão fatal.
Beatriz Batarda e Nuno Lopes são incríveis. Sem palavras. Só eles, é a sensação que dá. Só eles poderiam ser o Mário e a Luísa. Dar corpo à dor, à perda, à solidão, à esperança. Que inveja, que alguém seja tão bom no que faz.
"Kiss me" - Uma xaropada. Pessoal, não é por se pôr uma mulher belíssima num filme que este resulta! Ouviram? Aprendam a usar a banda sonora. Esta deve ser um acompanhamento de bom gosto, não uma forma de ridicularizar ou um empecilho. Christ! Os momentos em que a música está no sítio certo é na verdade quando esta é também personagem: a Laura (Marisa Cruz) a cantar o Kiss Me, na cena do Rachmaninov, no baile ou nos tangos. De resto um desastre auditivo de bradar às Valquírias e pedir-lhes vingança.
Os actores são bons. A Marisa Cruz surpreendeu-me. Todos conseguem vestir bem as personagens que têm e se alguma cena corre menos bem a culpa é do argumento ou da montagem. Os meus parabéns.
A ideia subjacente ao filme é boa, poderia ter resultado. Mas não resulta. O filme é como ir em primeira do Porto a Tavira. Quando a coisa está a ganhar velocidade dá-se conta que é só um declive no terreno. O alemão ao meu lado estava também entediado. Pensei em perguntar-lhe se tinha um canivete. Cortávamos os pulsos para nos entretermos. Mas lá conseguimos sobreviver e no fim saltamos por cima dumas portuguesas empinocadas e amandamo-nos para a liberdade do Verão. Ah, aragem, kiss me!
"A costa dos murmúrios" - é um filme perfeito. Poderia parar aqui porque não há palavras para a perfeição. Se continuo estrago tudo.
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Não, eu escrevo, eu escrevo. Começo pela banda sonora que eu sou peixe que morre pelo ouvido. É perfeita. Estou tramada. Só me sai este adjectivo. É um filme muito português no sentido de ser intimista. Tudo fala por dentro, pelos olhos e pelos diálogos esparsos. Cada cena dá um pouco mais de cada personagem, que pode ser por um sorriso, por uma frase, por um enquadramento, pelo maneio de uma cintura, pelo timbre da voz, tudo no sítio certo, na medida certa. A história é-nos dada no passo de um passeio à beira-mar, somos mantidos em competência na expectativa, lembrados nos momentos adequados de que algo está para vir, deixados em união docemente dolorosa com aquelas vidas no écran. Cada migalha é comida com deleite respeitoso. No fim percebe-se o quanto tudo foi absolutamente disposto da forma mais... perfeita. Estou apaixonada pela Beatriz Batarda. Que é... Pois. Gostava de abraçar o Luís (Filipe Duarte) e salvá-lo. Agora um grande suspiro e a lágrima que não chegou a desprender na sala do cinema.
"Alice" - Lisboa e Mário e Luísa.
Quando me conhecem as pessoas geralmente perguntam-me se sou de Lisboa. Há como um brio por mostrarem que sabem a capital de Portugal e devem saber que, por norma, não erram. Ficam sempre com um ar desiludido quando digo que não. Mas aí devem também saber do Porto ou do Algarve, pelo que fazem a pergunta que os atola: "Então de onde és?" Eu digo muito devagarinho. Que cara triste fazem. Venho então em seu auxílio: formo, traço um rectângulo e digo: aqui é Lisboa, aqui é o Porto e eu sou daqui. Ficam muito contentes e dizem o nome da minha cidade devagar e mal. Mais tarde hei-de dizer como Lisboa é linda, o sol, o rio, o casario, mas que nunca moraria lá. Só faço visita a lugares seleccionados. Quem não foi a Lisboa não me entende. Mas a minha amiga francesa perguntou em "Alice": "É Lisboa?". "Sim , é." E fez um ar entendido, como se eu tivesse absoluta razão de não pôr qualquer hipótese de lá morar, no meu jeito decisivo e fatal. Lisboa é muito fria em "Alice", tão indiferente esta Lisboa molhada, cinza e azul.
Essa amiga francesa também me perguntou em mais uns tons de Sassetti combinados aos olhos e ao perfil triste de Mário, se a história ia acabar bem. Respondi-lhe: "É um filme português." enquanto abanava a cabeça. Foi este fatalismo que me enterrou no fim, sabendo que Mário não ia voltar atrás, que Mário iria caminhar em frente naquele preciso momento, refazer a vida com Luísa, naquele momento. O queixo começou-me a tremer e, no genérico, eu chorei desconsoladamente por ser tão fatal.
Beatriz Batarda e Nuno Lopes são incríveis. Sem palavras. Só eles, é a sensação que dá. Só eles poderiam ser o Mário e a Luísa. Dar corpo à dor, à perda, à solidão, à esperança. Que inveja, que alguém seja tão bom no que faz.
segunda-feira
Incompletudes: cadê o essencial?
Noutra área, que não a social, tive que ler legislação. Para além de ter dificuldades com a escrita em si, que é peculiarmente artificial e ardilosa (Um pesadelo. Chegava ao ponto de pedir a opinião a diferentes colegas e concluírem diferentemente!), também por vezes concluía que perdia-se o essencial. Preocupadíssimos em definir tintim por tintim quando, onde e como, perdiam o porquê.
Eu penso que os legisladores têm o hábito de perder-se. Tal como nós quando começamos a discutir nos começamos a atolar nas incertezas. Da forma que estamos a olhar o problema é impossível, porque há sempre excepções. Neste caso: um casal não é garante de uma família feliz e uma família monoparental não implica um meio inadequado para uma criança crescer saudável. Depende, depende, não sei, talvez. Como aconteceu com o Miguel Silva, acabamos por não conseguir definir nenhuma posição porque o ser humano não é matemática.
Portantos... Na minha humilde opinião deve-se pegar no problema doutra forma. Como? Definindo o essencial. O porquê desta lei deve ser: as pessoas que se apresentam têm um projecto parental com potencial para formar uma criança saudável, feliz? A lei não devia limitar a resposta a casais heterossexuais unidos no matrimónio. A decisão devia ser tomada na altura do processo, com as pessoas à frente. Podia-se aí avaliar das capacidades psicológicas, do egoísmo (como o definiu a Helena), etc.
A limitação a casais casados, convenhamos, é pobre, muito pobre do tipo de relações que os seres humanos podem formar. Exemplo verdadeiro: uma mulher heterossexual chegou ao momento da sua vida em que o relógio biológico começou a apitar. Os desencontros amorosos da vida não lhe deram nenhuma relação estável com um homem. Ela resolve que é agora ou nunca, quer ser mãe e procura um pai para a criança. Um que pareça ter bons genes (ui, que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida - CNECV - já vai dizer que ela instrumentalizou o homem) e bom pai (ela queria um pai para a criança). A escolha caiu num amigo homossexual. Ele aceitou, não sei se esfusiante, se calmo, se se ajoelhou a agradecer a Virgem. Aqui não havia infertilidade, portanto fizeram uma inseminação artificial caseira, que para meu espanto resultou. Tiveram uma criança. Não são casados, nunca tiveram sexo, não é provável que o venham a ter, mas são pais de uma criança. Tenho de averiguar se o menino é mesmo saudável e não está traumatizado com o inusitado. Este é um exemplo de um casal a quem o Estado diz que não é ético que sejam pais. Provavelmente há muitas pessoas que concordam. Eu não. Fico contente que não os tenham podido impedir. Tomem seus conservadores de meia-tigela!
Gostaria de saber se as propostas de lei incluem a reprodução heteróloga (quando um ou ambos dos gâmetas não são do casal)? No parecer de 1993, o CNECV é peremptoriamente contra, mas em 2004 aceita "Excepcionalmente e por ponderadas razões estritamente médicas...". Quanto às mães de substituição, o parecer de 1993 rejeita a sua existência e o de 2004 é omisso. De novo, podem existir soluções entre indivíduos que não são instrumentalizantes da pessoa humana (uma das enormes procupações do CNECV), mas somente soluções de amor. Imaginem, por exemplo, que o casal tenha o apoio familiar e uma irmã ou um irmão fazem a dação dos gâmetas. Será assim um horror tão grande? Mesmo mães de substituição: eu emprestava o meu útero à minha irmã, na boa. Por ela, porque a amo. Será assim tão horrível? A criança seria um tesouro ainda maior para mim. O laço seria maior do que somente tia genética. Instrumentalizem-me, por favor!
Haverá mais variantes, que nem me passam pela cabeça, que podem ser analisadas caso-a-caso. Não terá mais lógica assim, do que fazer presunções e imposições num ponto demasiadamente longínquo do processo? Fazer uma regra única para tanta diversidade é caminho certo para injustiças (até para a criança, quem sabe?). Vamos decidir quem, quando houver cara e sentimento no processo. Será impossível?
Eu não li a legislação proposta, mas provavelmente na sua sempre presente linguagem circunvoluta tem tudo o que disse, só que mais, só para empatar. Este pessoal que legisla devia frequentar um curso sobre ser simples e nunca perder o que importa de vista.
P.S.: O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida no seu parecer de 1993 diz que ético é "o comportamento que visa, promove ou respeita a realização de si próprio, na relação constitutiva com e para os outros, no quadro de instituições justas. Essa necessidade ética de auto-realização pessoal e social (que se revela na consciência do direito e da responsabilidade de cada pessoa na construção da vida, própria e dos outros) exige a liberdade necessária para o seu pleno exercício. Essa liberdade obriga a que nenhuma pessoa seja usada como meio ou instrumento, para o quer que seja." Eu não quero ser mázinha, mas segundo este pedaço de literatura, a procriação pode ser abolida totalmente, para férteis e não férteis. A mulher é sempre instrumento e então quando a sociedade portuguesa obriga a mulher a conceber sem ela querer... Onde está a ética? Ah, pois. Esqueci-me: o potencial de uma pessoa e a mulher, que é pessoa já formada, mas sem liberdade de não ser instrumento às mãos de "instituições justas"... Será assim?
Eu penso que os legisladores têm o hábito de perder-se. Tal como nós quando começamos a discutir nos começamos a atolar nas incertezas. Da forma que estamos a olhar o problema é impossível, porque há sempre excepções. Neste caso: um casal não é garante de uma família feliz e uma família monoparental não implica um meio inadequado para uma criança crescer saudável. Depende, depende, não sei, talvez. Como aconteceu com o Miguel Silva, acabamos por não conseguir definir nenhuma posição porque o ser humano não é matemática.
Portantos... Na minha humilde opinião deve-se pegar no problema doutra forma. Como? Definindo o essencial. O porquê desta lei deve ser: as pessoas que se apresentam têm um projecto parental com potencial para formar uma criança saudável, feliz? A lei não devia limitar a resposta a casais heterossexuais unidos no matrimónio. A decisão devia ser tomada na altura do processo, com as pessoas à frente. Podia-se aí avaliar das capacidades psicológicas, do egoísmo (como o definiu a Helena), etc.
A limitação a casais casados, convenhamos, é pobre, muito pobre do tipo de relações que os seres humanos podem formar. Exemplo verdadeiro: uma mulher heterossexual chegou ao momento da sua vida em que o relógio biológico começou a apitar. Os desencontros amorosos da vida não lhe deram nenhuma relação estável com um homem. Ela resolve que é agora ou nunca, quer ser mãe e procura um pai para a criança. Um que pareça ter bons genes (ui, que o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida - CNECV - já vai dizer que ela instrumentalizou o homem) e bom pai (ela queria um pai para a criança). A escolha caiu num amigo homossexual. Ele aceitou, não sei se esfusiante, se calmo, se se ajoelhou a agradecer a Virgem. Aqui não havia infertilidade, portanto fizeram uma inseminação artificial caseira, que para meu espanto resultou. Tiveram uma criança. Não são casados, nunca tiveram sexo, não é provável que o venham a ter, mas são pais de uma criança. Tenho de averiguar se o menino é mesmo saudável e não está traumatizado com o inusitado. Este é um exemplo de um casal a quem o Estado diz que não é ético que sejam pais. Provavelmente há muitas pessoas que concordam. Eu não. Fico contente que não os tenham podido impedir. Tomem seus conservadores de meia-tigela!
Gostaria de saber se as propostas de lei incluem a reprodução heteróloga (quando um ou ambos dos gâmetas não são do casal)? No parecer de 1993, o CNECV é peremptoriamente contra, mas em 2004 aceita "Excepcionalmente e por ponderadas razões estritamente médicas...". Quanto às mães de substituição, o parecer de 1993 rejeita a sua existência e o de 2004 é omisso. De novo, podem existir soluções entre indivíduos que não são instrumentalizantes da pessoa humana (uma das enormes procupações do CNECV), mas somente soluções de amor. Imaginem, por exemplo, que o casal tenha o apoio familiar e uma irmã ou um irmão fazem a dação dos gâmetas. Será assim um horror tão grande? Mesmo mães de substituição: eu emprestava o meu útero à minha irmã, na boa. Por ela, porque a amo. Será assim tão horrível? A criança seria um tesouro ainda maior para mim. O laço seria maior do que somente tia genética. Instrumentalizem-me, por favor!
Haverá mais variantes, que nem me passam pela cabeça, que podem ser analisadas caso-a-caso. Não terá mais lógica assim, do que fazer presunções e imposições num ponto demasiadamente longínquo do processo? Fazer uma regra única para tanta diversidade é caminho certo para injustiças (até para a criança, quem sabe?). Vamos decidir quem, quando houver cara e sentimento no processo. Será impossível?
Eu não li a legislação proposta, mas provavelmente na sua sempre presente linguagem circunvoluta tem tudo o que disse, só que mais, só para empatar. Este pessoal que legisla devia frequentar um curso sobre ser simples e nunca perder o que importa de vista.
P.S.: O Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida no seu parecer de 1993 diz que ético é "o comportamento que visa, promove ou respeita a realização de si próprio, na relação constitutiva com e para os outros, no quadro de instituições justas. Essa necessidade ética de auto-realização pessoal e social (que se revela na consciência do direito e da responsabilidade de cada pessoa na construção da vida, própria e dos outros) exige a liberdade necessária para o seu pleno exercício. Essa liberdade obriga a que nenhuma pessoa seja usada como meio ou instrumento, para o quer que seja." Eu não quero ser mázinha, mas segundo este pedaço de literatura, a procriação pode ser abolida totalmente, para férteis e não férteis. A mulher é sempre instrumento e então quando a sociedade portuguesa obriga a mulher a conceber sem ela querer... Onde está a ética? Ah, pois. Esqueci-me: o potencial de uma pessoa e a mulher, que é pessoa já formada, mas sem liberdade de não ser instrumento às mãos de "instituições justas"... Será assim?
sexta-feira
Mais curtas
"As melhores", anunciavam no folheto do cinema. Se eu não adormeci nas primeiras, que não foram etiquetadas de melhores então estas iam ser o máximo. Não é que foram? Não estou muito habituada a ter as expectativas alcançadas, pelo que ainda me sinto estupefacta. E isto já foi na segunda-feira.
Uma eu já sabia que era muito boa. "A suspeita" (1999) de José Miguel Ribeiro e já aviso: se não viram não merecem respirar. É um filme "stop-motion" e é perfeito. Outro que nem consigo acreditar que gostei é o "I'll see you in my dreams" (2004) de Miguel Angél Vivas. É um filme de zombies. Eu detesto filmes de zombies. No género prefiro vampiros. Pelo menos são sexy e inteligentes. É impossível ter pachorra para pessoal tão mal vestido e que só grunhe. Mas aqui os zombies suportam-se bem. A impressão que dá é que um grupinho juntou-se à volta de uns copos e começou, na brincadeira, a arquitectar um gozo de filme. E saiu muito bem. Além disso, agora quando encontro o amigo que foi comigo começamos a dizer as palavras iniciais [finais], mais ou menos, assim: "Árvores, árvores e mais árvores. Estou farto desta aldeia, mas o que eu já não posso é com a merda dos zombies!" O suspense está muito bem montado e está sempre a surpreender. Além do humor. Amei o "História trágica com final feliz" (2005) de Regina Pessoa, ainda que o meu amigo tenha achado uma coisa batida. É desenho animado. O "Cinemaamor" (1999) de Jacinto Lucas Pires é uma delícia, assim como um refresco numa esplanada no Verão. Para completar e também não é mau (o seu favorito, disse o senhor que organizou o certame): "A drogaria" (2001) de Elsa Bruxelas.
Para além das curtas há as longas. Mas isso faço outro poste. Depois de ver "Alice". Estou cheia de expectativa.
Uma eu já sabia que era muito boa. "A suspeita" (1999) de José Miguel Ribeiro e já aviso: se não viram não merecem respirar. É um filme "stop-motion" e é perfeito. Outro que nem consigo acreditar que gostei é o "I'll see you in my dreams" (2004) de Miguel Angél Vivas. É um filme de zombies. Eu detesto filmes de zombies. No género prefiro vampiros. Pelo menos são sexy e inteligentes. É impossível ter pachorra para pessoal tão mal vestido e que só grunhe. Mas aqui os zombies suportam-se bem. A impressão que dá é que um grupinho juntou-se à volta de uns copos e começou, na brincadeira, a arquitectar um gozo de filme. E saiu muito bem. Além disso, agora quando encontro o amigo que foi comigo começamos a dizer as palavras iniciais [finais], mais ou menos, assim: "Árvores, árvores e mais árvores. Estou farto desta aldeia, mas o que eu já não posso é com a merda dos zombies!" O suspense está muito bem montado e está sempre a surpreender. Além do humor. Amei o "História trágica com final feliz" (2005) de Regina Pessoa, ainda que o meu amigo tenha achado uma coisa batida. É desenho animado. O "Cinemaamor" (1999) de Jacinto Lucas Pires é uma delícia, assim como um refresco numa esplanada no Verão. Para completar e também não é mau (o seu favorito, disse o senhor que organizou o certame): "A drogaria" (2001) de Elsa Bruxelas.
Para além das curtas há as longas. Mas isso faço outro poste. Depois de ver "Alice". Estou cheia de expectativa.
Incompletudes: o quebra-cabeças
Eu matuto e matuto e hei-de matutar ainda mais com todo o material que facultaste, Helena. Prometi a mim mesma não menosprezar o sofrimento que as pessoas expressam por não saber quem são os pais biológicos.
Puseste este excerto na caixa de comentários do Tempo dos Assassinos:
Mas devo dizer que me é impossível ler isto e o sobrolho não me começar a resvalar para um certo cepticismo: "A pessoa está a romancear!" - grita o meu eu interno. Sou inevitavelmente lançada à minha perspectiva fria do que é um espermatozóide e um óvulo. Sim, é um livro e na perspectiva de que pode ter erros de impressão eu posso dar valor ao seu conhecimento. Mas o resto não consigo. Cheguei ao ponto em que simplesmente aceito, sem conseguir entender o sentimento, deste amor pelos genes.
Gostei imenso do texto do Miguel Silva no Tempo dos Assassinos. É um texto equilibrado de muito do que eu penso. Até agora sempre senti que os problemas sentidos pelas crianças em famílias "alternativas" estava ligado ao dedo em riste da moralzinha da sociedade. O meio social que não se coíbe de demonstrar que estão ali prevaricadores, à criança que ela é diferente. Há uma certa idade em que ser diferente é um peso e na minha linha de pensamento, era este peso que traumatizava as pessoas.
Já agora uma confissão. Quando referiste os entendidos na matéria ainda me enervei mais. Tenho um mau-querer aos entendidos das psicoses humanas. Na minha adolescência tive depressão e procurei os ditos e nunca percebi o que é que eles andavam a fazer (quando faziam algo). Mas dou a mão à palmatória: faziam uns organigramas muito bonitos. Um dia declarei à minha família que estava pronta a tratar do caso pelas minhas mãos, tudo menos aturar incompetências obscuras. O meu pai ainda torceu o nariz, mas eu fi-lo ver que para falar para as paredes era muito mais económico eu fazê-lo por conta própria. E cá estou a levar a vida. Não sou feliz todos os dias, mas ninguém o é. Vou embalada pelo meu racionalismo e pelo meu senso que a vida tomamo-la nas nossas mãos. A nossa vida é nossa responsabilidade e a cena do coitadinho deixa-me sem paciência ou empatia. É a melhor maneira de alguém me ver de costas.
Puseste este excerto na caixa de comentários do Tempo dos Assassinos:
http://www.guardian.co.uk/Archive/Article/0,4273,4416955,00.html
Our storytelling is not only a social and cultural activity. We ourselves embody, a narrative. Sperm is not just fertiliser: it is a book, in which is written half the recipe for a new human being. When my donor's sperm fertilised my mother's egg, he ensured that his genes were passed on, to me. Most people would accept that an individual's personal development is the story of the interaction of genetic predisposition with environment. And there are kinds of genetic inheritance which have nothing to do with personal mythology: recessive genes for incurable diseases are not susceptible to interpretation.
Each of us owns our personal history. Not just the the funny things we said when we were little, but the darker and half-hidden story in the genes, that story which we cannot read but whose narrative will inescapably unfold in our own lifetimes and be passed to our own children.
Mas devo dizer que me é impossível ler isto e o sobrolho não me começar a resvalar para um certo cepticismo: "A pessoa está a romancear!" - grita o meu eu interno. Sou inevitavelmente lançada à minha perspectiva fria do que é um espermatozóide e um óvulo. Sim, é um livro e na perspectiva de que pode ter erros de impressão eu posso dar valor ao seu conhecimento. Mas o resto não consigo. Cheguei ao ponto em que simplesmente aceito, sem conseguir entender o sentimento, deste amor pelos genes.
Gostei imenso do texto do Miguel Silva no Tempo dos Assassinos. É um texto equilibrado de muito do que eu penso. Até agora sempre senti que os problemas sentidos pelas crianças em famílias "alternativas" estava ligado ao dedo em riste da moralzinha da sociedade. O meio social que não se coíbe de demonstrar que estão ali prevaricadores, à criança que ela é diferente. Há uma certa idade em que ser diferente é um peso e na minha linha de pensamento, era este peso que traumatizava as pessoas.
Já agora uma confissão. Quando referiste os entendidos na matéria ainda me enervei mais. Tenho um mau-querer aos entendidos das psicoses humanas. Na minha adolescência tive depressão e procurei os ditos e nunca percebi o que é que eles andavam a fazer (quando faziam algo). Mas dou a mão à palmatória: faziam uns organigramas muito bonitos. Um dia declarei à minha família que estava pronta a tratar do caso pelas minhas mãos, tudo menos aturar incompetências obscuras. O meu pai ainda torceu o nariz, mas eu fi-lo ver que para falar para as paredes era muito mais económico eu fazê-lo por conta própria. E cá estou a levar a vida. Não sou feliz todos os dias, mas ninguém o é. Vou embalada pelo meu racionalismo e pelo meu senso que a vida tomamo-la nas nossas mãos. A nossa vida é nossa responsabilidade e a cena do coitadinho deixa-me sem paciência ou empatia. É a melhor maneira de alguém me ver de costas.
quarta-feira
incompletudes
Helena,
este assunto está-me a incomodar. Achas mesmo que as pessoas inférteis resolvem submeter-se a um processo de fertilização (que segundo ouvi é tudo menos um passeio ao parque, especialmente para as mulheres) porque estão preocupados com a falência da segurança social? Não te parece que o que a Associação Portuguesa de Infertlidade está a fazer é a falar a linguagem de político-economicista? Porque é para esses político-economicistas que dirigem a carta?
Quanto aos interesses da criança: está-se a exigir das pessoas que estão dependentes de ajuda exterior para serem pais que sejam ideais. Quem adopta e quem é infértil tem que estar a um nível de perfeição que não existe. Uma criança merece o ideal, mas em primeiro este não existe e quem define este ideal? O Estado e parece que é ser-se casado, mulher e homem. Eu fui uma criança cheia de sorte. Caí num casamento ideal que até o Ratzinger iria abençoar. Não gostei. Além disso, tenho assim uma panca em resultado da experiência. Mas sou resiliente e tento fazer as pazes com as imperfeições dos meus pais. Contudo, eles amaram-me e eu parece-me que à distância a que escrevo é o que podemos pedir aos nossos pais, que tomem conta de nós e nos amem. A sua imperfeição é um daqueles escolhos da vida. Mas presumo que a criança tem direito a que os pais andem com umas pás a protegê-la da vida, inclusivamente deles próprios. Vamos a ver o resultado.
Quanto ao direito da criança saber de onde veio o espermatozóide, não me consigo livrar da imagem de uma mulher que desejou e amou um ser antes dele mesmo nascer. Cuidou dele até que um dia ele pergunta quem é o seu pai biológico e ela explica que não sabe, que veio de um banco de esperma. O que me estás a dizer é que essa criança tem o direito e até é compreensível que ela amasse o amor da mãe e diga que a sua vida a protegê-lo e a cuidar dele vale menos que um espermatozóide. E o facto dele não saber de onde vem esse espermatozóide é uma miséria, mas o igualar de uma vida de amor a um espermatozóide já não.
Deve ser da minha formação científica, mas para mim tem um valor imensuravelmente superior a entrega de alguém que cria uma criança, que duas células que mais não são que os planos de construção. A valia que eu dou ao conhecimento da sua proveniência é para o caso de erros nos planos, ou seja, caso médico. Esta obsessão por estas duas células parece-me coisa primitiva. Além de mesquinhez. Então, tem-se uma vida inteira pela frente e perde-se tempo com alguém porque talvez tenha o sobrolho parecido com o nosso? Eu amo os meus pais pelo que foram na minha vida, não porque corro o risco de doar aos meus filhos o narigão do meu pai ou o mau feitio da minha mãe.
Para mim a miséria é este enaltecimento da biologia em detrimento dos sentimentos. Há pessoas que querem amar uma criança e precisam de ajuda. Em vez de a terem recebem bofetadas na cara porque não são perfeitas. Pode-se dizer que são os escolhos da vida. Azar. Azar se não encontraste o par da tua vida, azar se és infértil. A solução existe, mas azar. Quem pode, pode e nem tem de ser perfeito. Aos outros, podem ter toda a capacidade de amar e cuidar, que isso não interessa um pinchavelho. O que interessa é a biologia. É irónico, que eu, uma cientista, dê valor à alma como entidade acima da biologia e que sejam os leigos a agarrarem-se a duas células e a acreditarem que é nelas que se encerra a essência da sua alma. Que almas microscópicas andam por aí.
este assunto está-me a incomodar. Achas mesmo que as pessoas inférteis resolvem submeter-se a um processo de fertilização (que segundo ouvi é tudo menos um passeio ao parque, especialmente para as mulheres) porque estão preocupados com a falência da segurança social? Não te parece que o que a Associação Portuguesa de Infertlidade está a fazer é a falar a linguagem de político-economicista? Porque é para esses político-economicistas que dirigem a carta?
Quanto aos interesses da criança: está-se a exigir das pessoas que estão dependentes de ajuda exterior para serem pais que sejam ideais. Quem adopta e quem é infértil tem que estar a um nível de perfeição que não existe. Uma criança merece o ideal, mas em primeiro este não existe e quem define este ideal? O Estado e parece que é ser-se casado, mulher e homem. Eu fui uma criança cheia de sorte. Caí num casamento ideal que até o Ratzinger iria abençoar. Não gostei. Além disso, tenho assim uma panca em resultado da experiência. Mas sou resiliente e tento fazer as pazes com as imperfeições dos meus pais. Contudo, eles amaram-me e eu parece-me que à distância a que escrevo é o que podemos pedir aos nossos pais, que tomem conta de nós e nos amem. A sua imperfeição é um daqueles escolhos da vida. Mas presumo que a criança tem direito a que os pais andem com umas pás a protegê-la da vida, inclusivamente deles próprios. Vamos a ver o resultado.
Quanto ao direito da criança saber de onde veio o espermatozóide, não me consigo livrar da imagem de uma mulher que desejou e amou um ser antes dele mesmo nascer. Cuidou dele até que um dia ele pergunta quem é o seu pai biológico e ela explica que não sabe, que veio de um banco de esperma. O que me estás a dizer é que essa criança tem o direito e até é compreensível que ela amasse o amor da mãe e diga que a sua vida a protegê-lo e a cuidar dele vale menos que um espermatozóide. E o facto dele não saber de onde vem esse espermatozóide é uma miséria, mas o igualar de uma vida de amor a um espermatozóide já não.
Deve ser da minha formação científica, mas para mim tem um valor imensuravelmente superior a entrega de alguém que cria uma criança, que duas células que mais não são que os planos de construção. A valia que eu dou ao conhecimento da sua proveniência é para o caso de erros nos planos, ou seja, caso médico. Esta obsessão por estas duas células parece-me coisa primitiva. Além de mesquinhez. Então, tem-se uma vida inteira pela frente e perde-se tempo com alguém porque talvez tenha o sobrolho parecido com o nosso? Eu amo os meus pais pelo que foram na minha vida, não porque corro o risco de doar aos meus filhos o narigão do meu pai ou o mau feitio da minha mãe.
Para mim a miséria é este enaltecimento da biologia em detrimento dos sentimentos. Há pessoas que querem amar uma criança e precisam de ajuda. Em vez de a terem recebem bofetadas na cara porque não são perfeitas. Pode-se dizer que são os escolhos da vida. Azar. Azar se não encontraste o par da tua vida, azar se és infértil. A solução existe, mas azar. Quem pode, pode e nem tem de ser perfeito. Aos outros, podem ter toda a capacidade de amar e cuidar, que isso não interessa um pinchavelho. O que interessa é a biologia. É irónico, que eu, uma cientista, dê valor à alma como entidade acima da biologia e que sejam os leigos a agarrarem-se a duas células e a acreditarem que é nelas que se encerra a essência da sua alma. Que almas microscópicas andam por aí.
4 da manhã e às 11 curtas
É aquilo que não se pensa até se experimentar. Por agora, em Hamburgo, amanhece às 4 da manhã. Isto dá cabo de uma noite na farra. Nunca tinham pensado nisso, pois não? Eu também não, até ver o céu a aclarar e eu com a Maria Joana numa mão e a bionade* na outra e a noite, fucking hell, só agora começou ou é impressão minha? Deixamos a rua e dirigimo-nos para algum bar-discoteca. O seguimento é entre portas que estamos transformados em vampiros. Quando sairmos havemos de pôr os óculos escuros, se nos lembramos de os trazer, descer até ao Fishmarkt e beber um cappuccino ou outra proprocionalidade de café e leite, que isto pra quem tem a boca feita em papel tanto faz, algo quente sabe sempre bem, desde que seja quente. Depois, se conseguirmos não adormecer no autocarro e acordar nos arrabaldes, havemos de chegar rápido e incólumes a casa e com sorte até nos deitamos depois de lavar os dentes. Com sorte e com algum juízo.
Este sábado estivemos a jogar um jogo de sociedade até tarde, pelo que quando emergimos da boca do metro o céu já se tingia. O rio de gente corria ao contrário. Ando sempre ao contrário? Localizamos os outros companheiros por telemóvel e dirigimo-nos para o centro da coolness: pudel. Mais tarde, já no Fishmarkt, um chico-esperto debitou a ideia de apanharmos a linha 62 do barco e fazer a volta. Normalmente teria dito que não, mas às 11h havia uma sessão única de curtas portuguesas no cinema Abaton. Não estava nada à espera de conseguir assistir numa hora tão matutina de um Domingo, mas já eram 8h e se eu esticasse a noite... O sol estava amigo, na proa o vento cortava, Blankenese do lado direito, zona rica, à esquerda o porto de contentores. No retorno, rendida ao convés pelo frio, vi-me rodeada de famílias bem dormidas. A menina de lenço comia compenetrada a sandes, as crianças eram bem comportadas, os pais eram feios, os homens gordos, as mulheres magras, os louros envelhecem mal. Os meus companheiros dormitavam de caras esparramadas sobre os braços em cruz. O sol bateu-me na cara e eu fechei os olhos, num prazer duplo. Chegamos: Adeus, boa noite.
Meto-me num café, como um super-pequeno-almoço. Meto mais cafeína no corpo e penso que estou a cometer um erro. Filmes portugueses neste estado? Vou adormecer no cinema, está visto. O primeiro filme é de 1929. É de Manuel de Oliveira. Não Manoel. Mudou de nome como a antiga primeira dama. Se eu me tornar famosa o que farei eu com o meu nome? Não tenho "u" para mudar para "o", e duplicar o "t" no meu caso seria ridículo. "Douro faina fluvial": é interessante ver pessoas em 1929 a trabalhar no cais do Douro no Porto, os barcos a serem carregados e descarregados, as pessoas são encardidas e simpáticas. O realizador constrói pequenas histórias e eu sorrio. Segue-se "Rio Vermelho" de Raquel Freire e de novo o Douro, mas hoje, e o Douro parece limpo e as pessoas nadam nele e alguém nasce nele e chama-se Maria do Além. "Respirar (debaixo d'água)" de António Ferreira, já tinha visto, foi no que se descobriu o natural Alexandre Pinto, a história é bonita e triste, como é um primeiro amor. "Portugal já faz automóveis", de novo Manuel de Oliveira, em 1938, um senhor mostra o carro orgulhoso, abre as várias portas. Acho que já vi algo assim, uma publicidade americana dos anos 50: uma dona de casa abria os vários electrodomésticos. Antes das feministas e da queima dos soutiens. Há uma avenida perfeita, o empedramento incólume, tílias a toda à volta, como na terra onde cresci. O senhor conduz o carro à volta e pára muito junto à câmara. O senhor é corredor. Num enquadramento as taças que ganhou dispõem-se sobre o capot. Rio-me. Estarei enganada se pensar que o Manuel de Oliveira está a gozar? Talvez seja demasiamente simples. Mas quem sabe: este é o Manuel, não o Manoel.
Gostei imenso. Não adormeci.
* refrigerante biológico.
Este sábado estivemos a jogar um jogo de sociedade até tarde, pelo que quando emergimos da boca do metro o céu já se tingia. O rio de gente corria ao contrário. Ando sempre ao contrário? Localizamos os outros companheiros por telemóvel e dirigimo-nos para o centro da coolness: pudel. Mais tarde, já no Fishmarkt, um chico-esperto debitou a ideia de apanharmos a linha 62 do barco e fazer a volta. Normalmente teria dito que não, mas às 11h havia uma sessão única de curtas portuguesas no cinema Abaton. Não estava nada à espera de conseguir assistir numa hora tão matutina de um Domingo, mas já eram 8h e se eu esticasse a noite... O sol estava amigo, na proa o vento cortava, Blankenese do lado direito, zona rica, à esquerda o porto de contentores. No retorno, rendida ao convés pelo frio, vi-me rodeada de famílias bem dormidas. A menina de lenço comia compenetrada a sandes, as crianças eram bem comportadas, os pais eram feios, os homens gordos, as mulheres magras, os louros envelhecem mal. Os meus companheiros dormitavam de caras esparramadas sobre os braços em cruz. O sol bateu-me na cara e eu fechei os olhos, num prazer duplo. Chegamos: Adeus, boa noite.
Meto-me num café, como um super-pequeno-almoço. Meto mais cafeína no corpo e penso que estou a cometer um erro. Filmes portugueses neste estado? Vou adormecer no cinema, está visto. O primeiro filme é de 1929. É de Manuel de Oliveira. Não Manoel. Mudou de nome como a antiga primeira dama. Se eu me tornar famosa o que farei eu com o meu nome? Não tenho "u" para mudar para "o", e duplicar o "t" no meu caso seria ridículo. "Douro faina fluvial": é interessante ver pessoas em 1929 a trabalhar no cais do Douro no Porto, os barcos a serem carregados e descarregados, as pessoas são encardidas e simpáticas. O realizador constrói pequenas histórias e eu sorrio. Segue-se "Rio Vermelho" de Raquel Freire e de novo o Douro, mas hoje, e o Douro parece limpo e as pessoas nadam nele e alguém nasce nele e chama-se Maria do Além. "Respirar (debaixo d'água)" de António Ferreira, já tinha visto, foi no que se descobriu o natural Alexandre Pinto, a história é bonita e triste, como é um primeiro amor. "Portugal já faz automóveis", de novo Manuel de Oliveira, em 1938, um senhor mostra o carro orgulhoso, abre as várias portas. Acho que já vi algo assim, uma publicidade americana dos anos 50: uma dona de casa abria os vários electrodomésticos. Antes das feministas e da queima dos soutiens. Há uma avenida perfeita, o empedramento incólume, tílias a toda à volta, como na terra onde cresci. O senhor conduz o carro à volta e pára muito junto à câmara. O senhor é corredor. Num enquadramento as taças que ganhou dispõem-se sobre o capot. Rio-me. Estarei enganada se pensar que o Manuel de Oliveira está a gozar? Talvez seja demasiamente simples. Mas quem sabe: este é o Manuel, não o Manoel.
Gostei imenso. Não adormeci.
* refrigerante biológico.
terça-feira
Da indignidade
N'O mundo perfeito:
Os objectos, as ideias, os valores não são apenas o que deles compreendermos, mas o que realmente são. Podemos pensá-los e usá-los de diferente forma, nas não os modificamos. As putas e os clientes podem gostar do que fazem, mas isso não torna a prostituição defensável. Nem a pedofilia. Nem o tráfico. Nem a corrupção.
Um adolescente compreende facilmente a Alegoria da Caverna. Sabe distinguir entre objecto real e a sua sombra, o que é real e o que fazemos parecer real. Aquilo que julgamos ser e o que realmente somos. O bem e o mal, o certo e o errado; o claro e escuro convivem e geram equilíbrios. É essa a natureza dos opostos: equilibrarem-se. A vida resulta desse equilíbrio. Mas o claro não é escuro nem o escuro claro. A indignidade da prostituição não reside na prática de sexo, mas na inadequação desse consumo ao que é imaterial num corpo. É muito bom que o corpo possa ser usado para atingir satisfação, saciedade. Mas nem tudo o faço do meu corpo ou do corpo alheio o nobilita.
Mas o que é dignidade? Ainda n´O mundo perfeito:
A dignidade é um princípio moral, mas por aqui também me meto em trabalhos. O que é um princípio? E a moral? Adiante, para facilitar a comunicação, digamos que a dignidade implica que encaremos a nossa existência humana exactamente como se encara o símbolo do nosso clube de futebol. Orgulhamo-nos do que simboliza. Não queremos queremos vê-lo sujo nem rasgado. Não queremos que o usem para fins inapropriados, que o desrespeitem. O nosso clube de futebol não é o melhor na medida em que ganha os jogos todos. Não; mesmo que perca é bom, está é em baixo de forma. O nosso clube de futebol é um valor indiscutível. Como um diamante. O valor de um diamante não depende da sua utilidade. Pode nunca sair de um saco de veludo e mantém o valor. É riqueza. A dignidade é mais ou menos isso. Como se fôssemos um clube de futebol cuja claque somos nós. Como se fôssemos, para nós, a garantia de um diamante dentro de um saco de veludo, dentro de uma gaveta.
Os objectos, as ideias, os valores não são apenas o que deles compreendermos, mas o que realmente são. Podemos pensá-los e usá-los de diferente forma, nas não os modificamos. As putas e os clientes podem gostar do que fazem, mas isso não torna a prostituição defensável. Nem a pedofilia. Nem o tráfico. Nem a corrupção.
Um adolescente compreende facilmente a Alegoria da Caverna. Sabe distinguir entre objecto real e a sua sombra, o que é real e o que fazemos parecer real. Aquilo que julgamos ser e o que realmente somos. O bem e o mal, o certo e o errado; o claro e escuro convivem e geram equilíbrios. É essa a natureza dos opostos: equilibrarem-se. A vida resulta desse equilíbrio. Mas o claro não é escuro nem o escuro claro. A indignidade da prostituição não reside na prática de sexo, mas na inadequação desse consumo ao que é imaterial num corpo. É muito bom que o corpo possa ser usado para atingir satisfação, saciedade. Mas nem tudo o faço do meu corpo ou do corpo alheio o nobilita.
Mas o que é dignidade? Ainda n´O mundo perfeito:
A dignidade é um princípio moral, mas por aqui também me meto em trabalhos. O que é um princípio? E a moral? Adiante, para facilitar a comunicação, digamos que a dignidade implica que encaremos a nossa existência humana exactamente como se encara o símbolo do nosso clube de futebol. Orgulhamo-nos do que simboliza. Não queremos queremos vê-lo sujo nem rasgado. Não queremos que o usem para fins inapropriados, que o desrespeitem. O nosso clube de futebol não é o melhor na medida em que ganha os jogos todos. Não; mesmo que perca é bom, está é em baixo de forma. O nosso clube de futebol é um valor indiscutível. Como um diamante. O valor de um diamante não depende da sua utilidade. Pode nunca sair de um saco de veludo e mantém o valor. É riqueza. A dignidade é mais ou menos isso. Como se fôssemos um clube de futebol cuja claque somos nós. Como se fôssemos, para nós, a garantia de um diamante dentro de um saco de veludo, dentro de uma gaveta.
domingo
Quem somos
Nós somos os insatisfeitos
As promessas incapazes de cumprimento
Os que fazem as malas quando a vida é perfeita
Os que amam eternamente num momento
Os que partem corações, principalmente o seu
Os que só querem ser felizes
A vida está a apanhar-nos
Mas nós temos as almas ciganas
Nós somos a geração Z.
As promessas incapazes de cumprimento
Os que fazem as malas quando a vida é perfeita
Os que amam eternamente num momento
Os que partem corações, principalmente o seu
Os que só querem ser felizes
A vida está a apanhar-nos
Mas nós temos as almas ciganas
Nós somos a geração Z.
sábado
Tributo à geração Z
Eu.
A minha vida, os planos traçados ou não traçados, mas orgulhosamente só numa aventura chamada vida.
O egoísmo e a individualidade dá-me razão e caminho.
Selemos os destinos na solidão.
A única liberdade que importa é a da escolha.
A minha vida, os planos traçados ou não traçados, mas orgulhosamente só numa aventura chamada vida.
O egoísmo e a individualidade dá-me razão e caminho.
Selemos os destinos na solidão.
A única liberdade que importa é a da escolha.
sexta-feira
Religião, Portugal, Final Séc. XVIII
Em geral os portugueses observam com muito rigor o lado exterior da religião, talvez mais do que os espanhóis. Quem come carne na Quaresma tem mesmo de ser muito instruído. Ouvi com prazer uma vez que a questão foi lançada: seria maior pecado comer carne na Quaresma ou infringir o sexto Mandamento? A conclusão em termos gerais foi que o último pecado seria uma ninharia em relação ao primeiro. Não obstante, a nação e mesmo o povo mais vulgar não é tão fanático como em Espanha. Podia contar uma série de coisas a este respeito, mas contento-me apenas com algumas. Assisti em Setúbal a uma procissão onde dois capitães de navios, um inglês e um dinamarquês, ao passar o Espírito Santo não tiraram o chapéu. Ninguém se preocupou com o caso, apenas um marinheiro português perguntou: quem são aqueles ali com os chapéus na cabeça? São ingleses, fideputas, replicou o outro, e com o palavrão a coisa ficou resolvida. Quando o príncipe de Waldeck foi sepultado, ouvi dizer a um homem do povo: era um herege, mas um muito bom homem. Em seguida misturei-me com a multidão e não ouvi senão louvores e elogios ao amável Príncipe que foi precisamente levado para o cemitério protestante, soube mesmo que ele declinou o habitual convite para se tornar católico que lhe foi feito à hora da morte e verifiquei que, para meu grande espanto, esse acto obteve de um modo geral a aprovação de todos, na medida em que cada pessoa deveria viver e morrer na sua fé. O português considera qualquer estrangeiro um herege e é atencioso e prestável para com ele, chega mesmo a admirar-se quando vê estrangeiros católicos. Este traço mostra já como a nação, provavelmente em virtude do seu contacto com os ingleses, perdeu o seu fanatismo há muito tempo.
Em Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, págs. 134-5, de Heinrich Friedrich Link, Biblioteca Nacional, Lisboa, 2005
Consequentemente
Apesar da boa lavoura a gente do povo é muito pobre e o motivo está à vista quando ao longe se avista a cidade [Coimbra em 1798]: a quantidade de conventos e igrejas.
Em Notas de uma viagem a Portugal e através de França e Espanha, pág. 193, de Heinrich Friedrich Link, Biblioteca Nacional, Lisboa, 2005.
quinta-feira
A morte da internet
Nos EUA anuncia-se um desastre internético: Vídeo na NetFreedom.
Será? Propagar-se-á? Devemos preocupar-nos?
Será? Propagar-se-á? Devemos preocupar-nos?
quarta-feira
Guerra de 1948 na Palestina, designada pelos Israelitas como Guerra pela Independência, designada pelos Palestinianos como O Desastre
Numa primeira fase desenrolou-se entre os judeus e os árabes da Palestina e numa segunda fase entre Israel e os países árabes limítrofes. Nesta guerra criaram-se milhares de refugiados palestinianos, situação que se mantém até hoje. Os palestinianos foram desde então ignorados pelos israelitas (até às intifadas, em que foi impossível continuar o exercício de ignoranço) e utilizados pelos árabes como desculpa para as suas estratégias políticas. Por um lado aos países árabes desagradava-lhes ter como vizinho um país não árabe que consideravam uma nova força intrusa do Ocidente e, por outro lado, tinham pretensões territoriais à Palestina. Aos israelitas era preferível ver na sua história a luta de David (Israel) contra Golias (os estados árabes), do que a luta pelo mesmo território de dois povos: um povo autóctone e um povo imigrante, ambos incapazes de aceitar o outro.
Irreversível
Resolvemos ver o filme Irréversible de Gaspar Noé com Monica Bellucci e Vincent Cassel (2002). Todos sabiamos da cena de violação que dura 9 minutos. Todos concordamos que neste ponto punhamos o filme em rápido e nos poupávamos a célebre cena choque. Pobres ingénuos. Quando se vai ao inferno não há zonas frias.
Ainda o filme não tinha começado e eu só com o genérico já estava como quando estou na montanha russa, a fase da subida na expectativa enervante da descida. Não há imagem, são só as letras vermelhas a acenderem-se num fundo preto, com uma batida que promete pesadelo.
O filme começa no desenlace de toda a tragédia e anda para trás. O preto e o vermelho persistem. A vingança, a caça, a violação... Esta cena começa com Alex (Bellucci) a caminhar de costas. Sensual, fluida, o som dos saltos. Ela quer passar a estrada. Uma mulher diz-lhe que é mais seguro usar a passagem subterrânea. Ela fá-lo e o túnel é demasiado vermelho e longo. Acontece; nós passamos rápido a cena, mas para mim o pior foi o fim, pior que a violação. Não há palavras que possam descrever o horror da maldade ou o que para mim me surgiu como sacrificial. E este mote do sacrifício fortifica-se ao continuar-se para trás e ao conhecer Alex. Esta minha visão pode e será muito pessoal, mas Alex surge-me não só uma mulher, mas a essência da mulher. Tal como uma imagem fala por mil palavras, Alex incorpora as mulheres e é assim que o que lhe acontece me surgiu sacrificial, uma imolação da mulher. A imagem não me larga, o filme não me larga, o desconforto não me larga, Alex naquela imagem de volúpia em que conhece a sua gravidez não me larga.
Gostei imenso do filme como filme. É impossível dizer que gostei do inferno. Penso no dito de Oscar Wilde de que não há livros morais ou imorais. Só bons ou maus livros. Pois...
Ainda o filme não tinha começado e eu só com o genérico já estava como quando estou na montanha russa, a fase da subida na expectativa enervante da descida. Não há imagem, são só as letras vermelhas a acenderem-se num fundo preto, com uma batida que promete pesadelo.
O filme começa no desenlace de toda a tragédia e anda para trás. O preto e o vermelho persistem. A vingança, a caça, a violação... Esta cena começa com Alex (Bellucci) a caminhar de costas. Sensual, fluida, o som dos saltos. Ela quer passar a estrada. Uma mulher diz-lhe que é mais seguro usar a passagem subterrânea. Ela fá-lo e o túnel é demasiado vermelho e longo. Acontece; nós passamos rápido a cena, mas para mim o pior foi o fim, pior que a violação. Não há palavras que possam descrever o horror da maldade ou o que para mim me surgiu como sacrificial. E este mote do sacrifício fortifica-se ao continuar-se para trás e ao conhecer Alex. Esta minha visão pode e será muito pessoal, mas Alex surge-me não só uma mulher, mas a essência da mulher. Tal como uma imagem fala por mil palavras, Alex incorpora as mulheres e é assim que o que lhe acontece me surgiu sacrificial, uma imolação da mulher. A imagem não me larga, o filme não me larga, o desconforto não me larga, Alex naquela imagem de volúpia em que conhece a sua gravidez não me larga.
Gostei imenso do filme como filme. É impossível dizer que gostei do inferno. Penso no dito de Oscar Wilde de que não há livros morais ou imorais. Só bons ou maus livros. Pois...
terça-feira
Vingança?
Sabem aquele meu amigo croata de que falo antes? Hoje telefonou-me animadíssimo. Arranjou um par de bilhetes para o Portugal - Irão! Deu-me a entender que é muito difícil arranjar bilhetes para o mundial e que vai ser fabuloso. Eu estou com medo. Será um complot para me fazer ter o pior dia da minha vida? Será que vai lá estar aquele louco do presidente deles? Será que posso mostrar os calcanhares? Será que eles sabem jogar futebol? Será que os portugueses vão perder ignominiosamente? Será que o Cristiano Ronaldo vai tirar a camisola?
segunda-feira
Novela
Menina muito gira, muito imatura, a fazer-se de loura, rodeada de moços babados.
Amigo meu croata perde o jogo para moço babado português.
Amigo meu croata vem chorar no meu ombro.
Eu digo-lhe que não fique assim, que os homens portugueses têm sex appeal poderoso. Não é culpa dele que os croatas sejam geneticamente mais virados para lutas fraticidas.
Amigo meu croata não acha piada.
Eu resolvo fazer de irmã mais velha e meter juízo na cabecinha tonta da menina imatura.
Moço babado português não acha piada.
Suspense para o próximo episódio: qual deles me vai cortar o pescoço primeiro?
Amigo meu croata perde o jogo para moço babado português.
Amigo meu croata vem chorar no meu ombro.
Eu digo-lhe que não fique assim, que os homens portugueses têm sex appeal poderoso. Não é culpa dele que os croatas sejam geneticamente mais virados para lutas fraticidas.
Amigo meu croata não acha piada.
Eu resolvo fazer de irmã mais velha e meter juízo na cabecinha tonta da menina imatura.
Moço babado português não acha piada.
Suspense para o próximo episódio: qual deles me vai cortar o pescoço primeiro?
Bush & Rumsfeld debaixo de fogo
Escândalos às dezenas: casos de corrupção, o desvendar do nome de uma antiga agente da CIA (ilegal) porque tinham uma trica com o marido, escutas ilegais autorizadas pelo presidente, mentiras sobre mentiras a descoberto e a pergunta que nos vem à cabeça é: como é que quase destituíram um presidente por ter recebido os favores sexuais de uma estagiária, algo que não afecta o governo do país, e o Presidente Bush continua placidamente pouco incomodado no poleiro? País estranho, os EUA.
Começou a cheirar a apuros com uma trupe de generais reformados que, em Abril, criticaram duramente o Secretário de Defesa Rumsfeld e pediram a sua demissão. Contudo, nos últimos dias, Bush e Rumsfeld receberam na cara as críticas e as perguntas que deveriam ter sido feitas há muito. A 1 de Maio, Stephen Colbert foi o protagonista de uma rábula brilhante no Jantar Anual de Correspondentes da Casa Branca, pondo a nú a Administração Bush e os próprios média, que em modo de auto-censura dão cobertura à presente administração. No dia 4, Ray McGovern, um antigo agente da CIA, encostou Rumsfeld à parede quanto às mentiras deliberadas relativamente às famosas, e não encontradas, Armas de Destruição Maciça. Fabuloso. Os americanos começam a acordar. Sai de cima, meeenina! :-)
Se não viram Stephen Colbert na sua rábula, por amor de Deus, é imperdível -> ligação, ligação!
No Truthdig, tudo sobre McGovern, incluindo o vídeo com o afrontamento a Rumsfeld. Vejam também a entrevista com Paula Zahn para apreciar a forma como os jornalistas tratam quem tem a coragem de afrontar os elementos deste governo Bush. Além disso, relativamente a Colbert, os média praticamente ignoraram-no e quando foram criticados por isso, a razão dada foi: ele não teve piada. Ok, alguém critica Bush na cara e não é notícia porque os jornalistas não se riram? Say it again!
Agora estou a imaginar que sou o Jon Stewart. Filho da puta, este gajo tem o trabalho mais fácil do mundo. Ele só tem que ficar à espera e aquela gente é tão incrivelmente bobo da corte que ele facilmente tem o programa feito. Em Portugal, os pobres do Contra-Informação têm que suar as estopinhas. Ninguém vai à caça e acerta na cara do amigo, o Sócrates não parece um retardado, nem diz que um dos seus ministros é a Virgem. A notícia é que o Freitas do Amaral chega ao fim do dia cansado e o Expresso na sua esperteza saloia escreveu: Freitas do Amaral cansado no MNE. E pimbas, grande confusão. Que seca. Se não fosse os EUA para nos entreter, o que seria de nós?
Começou a cheirar a apuros com uma trupe de generais reformados que, em Abril, criticaram duramente o Secretário de Defesa Rumsfeld e pediram a sua demissão. Contudo, nos últimos dias, Bush e Rumsfeld receberam na cara as críticas e as perguntas que deveriam ter sido feitas há muito. A 1 de Maio, Stephen Colbert foi o protagonista de uma rábula brilhante no Jantar Anual de Correspondentes da Casa Branca, pondo a nú a Administração Bush e os próprios média, que em modo de auto-censura dão cobertura à presente administração. No dia 4, Ray McGovern, um antigo agente da CIA, encostou Rumsfeld à parede quanto às mentiras deliberadas relativamente às famosas, e não encontradas, Armas de Destruição Maciça. Fabuloso. Os americanos começam a acordar. Sai de cima, meeenina! :-)
Se não viram Stephen Colbert na sua rábula, por amor de Deus, é imperdível -> ligação, ligação!
No Truthdig, tudo sobre McGovern, incluindo o vídeo com o afrontamento a Rumsfeld. Vejam também a entrevista com Paula Zahn para apreciar a forma como os jornalistas tratam quem tem a coragem de afrontar os elementos deste governo Bush. Além disso, relativamente a Colbert, os média praticamente ignoraram-no e quando foram criticados por isso, a razão dada foi: ele não teve piada. Ok, alguém critica Bush na cara e não é notícia porque os jornalistas não se riram? Say it again!
Agora estou a imaginar que sou o Jon Stewart. Filho da puta, este gajo tem o trabalho mais fácil do mundo. Ele só tem que ficar à espera e aquela gente é tão incrivelmente bobo da corte que ele facilmente tem o programa feito. Em Portugal, os pobres do Contra-Informação têm que suar as estopinhas. Ninguém vai à caça e acerta na cara do amigo, o Sócrates não parece um retardado, nem diz que um dos seus ministros é a Virgem. A notícia é que o Freitas do Amaral chega ao fim do dia cansado e o Expresso na sua esperteza saloia escreveu: Freitas do Amaral cansado no MNE. E pimbas, grande confusão. Que seca. Se não fosse os EUA para nos entreter, o que seria de nós?
sábado
O medo de morrer
Os meus pais têm medo de morrer. Não há nada que mais me aflija, que este medo que os rodeia. Queria podê-los proteger, mas sei que da mesma forma que eles não me puderam proteger da vida, eu não os poderei proteger da morte.
A morte para mim ainda não é medo. Ainda é fascinação. Deitada no silêncio da noite, ouço o meu respirar baixinho. Faço-o roufenho, magnifico-o, amplifico a cadência e imagino quando parar para sempre. Imagino aquele momento do último exalar. Imagino o último pensamento. Nisto adormeço.
A morte para mim ainda não é medo. Ainda é fascinação. Deitada no silêncio da noite, ouço o meu respirar baixinho. Faço-o roufenho, magnifico-o, amplifico a cadência e imagino quando parar para sempre. Imagino aquele momento do último exalar. Imagino o último pensamento. Nisto adormeço.
Inteligência da merdaleja
O edifício onde trabalho é inteligente. O edifício onde trabalho é uma merda. As persianas é que decidem quando fechar e abrir. Já aconteceu ser meio-dia e deixarem-me às escuras. Ou então tenho o sol a bater de frente no monitor e não acontece nada. Tem um sistema de ventilação que significa que a certa altura abrem-se uns orifícios na janela e uma portinhola acima da porta e é uma corrente de ar de fazer pneumonia. Isto inclui o Inverno. Com tanto buraco, no Inverno está frio (chego a andar de cascol), mas como é só vidros, no Verão é um forno. E isto é Norte de Alemanha onde calor, daquele de fazer suar, é muito de vez em quando. Agora imaginem. O que é que eles fazem nos dias de abafo a sério? Mandam-nos para casa. Juro. Ainda bem que não há muitos dias de calor senão o que seria da produtividade! Como eu sou uma tipa com imensa sorte, nesses dias ou estou de férias ou a fazer serviço fora. Só eu.
Eu queixei-me, outros queixaram-se, há meses! Recebemos ontem uma cartinha no correio electrónico. Srs. trabalhadores fizemos medições de humidade, temperatura e quejandos. O ambiente neste edifício está na gama de conforto. Resmunguei a manhã toda. Não aguentei. Tive de perguntar: essa gama de conforto é para os pinguins? Não me responderam. Eu estou fula! Segunda vou mandá-los à merda.
Eu queixei-me, outros queixaram-se, há meses! Recebemos ontem uma cartinha no correio electrónico. Srs. trabalhadores fizemos medições de humidade, temperatura e quejandos. O ambiente neste edifício está na gama de conforto. Resmunguei a manhã toda. Não aguentei. Tive de perguntar: essa gama de conforto é para os pinguins? Não me responderam. Eu estou fula! Segunda vou mandá-los à merda.
sexta-feira
O que é que as mulheres querem num homem?
Se por acaso estão a pensar que estou a ser incoerente com o meu poste "Geração sem guia" eu explico. O nú é natural. Na minha maneira de ver, o problema não está no nudismo. O problema está em carregar as imagens, por tudo e por nada, com uma carga altamente sexual. A criança lida bem com o nú e só passa a lidar mal devido aos tabús dos adultos. É o meu caso. Eu não vou à sauna, não consigo lidar de uma forma natural com o nú. Para castigo e provavelmente de uma forma justa apanhei com a alcunha "cato" (de católica). Para além da ironia que me acerta sendo agnóstica, isto demonstra o quanto somos a educação, mesmo que de uma forma racional consigamos em certa medida rearranjarmo-nos. Mas há limites.
quinta-feira
Geração sem guia
O tempo anda depressa. Com trinta anos, a minha idade de crescer pouco teve a ver com a da minha sobrinha seis anos mais nova e é de um país extra-terrestre comparada com a minha sobrinha dezassete anos mais nova. Sento-me no sofá ao lado da geração mais nova e peço-lhes que me expliquem o que estão a ver na televisão. É aborrecido. Não resisto. Pego numa revista. Que chata tia, estás sempre a ler!
As minhas sobrinhas, do que me é possível ver, são saudáveis, têm pais que lhes deram/dão apoio. Não será como as meninas deste artigo* que me deixou numa tristeza funda. A situação descrita é nos EUA, mas será só lá? Resumido: meninas no inicio da adolescência fazem sexo oral a colegas, vários numa mesma sessão. Parece que é uma moda. A cronista compara a sua idade de crescer com esta idade de agora e ainda que ela tenha uns 20 anos mais que eu, ela está mais perto do meu crescer. É habitual as pessoas ficarem surpreendidas com o saber das crianças. Sabem tudo. Nós não eramos assim, pois não? Só que o que aquele artigo me diz é o perigo de saberem demais de algo e de menos de outro. Sabem tudo sobre sexo, mas não sabem como o incorporar nas suas vidas. Sabem tudo sobre a mecânica e nada sobre o emocional. O segundo é normal, são crianças, adolescentes, estão a crescer. Contudo, com tanta informação, eles precisam dos pais presentes que lhes traduzam o que ainda não dá para compreenderem completamente. Antes, a sociedade era proibitiva, fechada, claustrofóbica. Contudo, tinha o positivo de serem os adolescentes a procurar e isto, de alguma forma, protegia-os de saber demasiadamente cedo. Agora com a informação a ser despejada literalmente sobre as pessoas, de tal forma que só fechando os olhos é que não se vê, se os pais não estão presentes para dar uma moldura à pintura, parece que pode acontecer o que é descrito no artigo. Crianças perdem a noção da realidade em programas aberrantes, como a MTV descrita aqui, que eu de vez em quando espreito como se estivesse a ver figuras circenses do século XIX, a mulher barbuda dos dias de hoje; crianças descompreendem as canções que têm letras destas:
Ain't my job
To fuck you on your birthday
Ain't my job
To fuck you on your birthday anymore
Mas isto é suave...
“You make a nigga wanna fuck your ass on the couch / While we’re still in the club, show your pussy love / Work that clit / Cum girl.”
Estas músicas são ouvidas por adolescentes. Eu sou adulta. Eu sei rir-me com as idiotices da MTV, a mim desgosta-me estas letras, eu não preciso de ser cool, as mulheres magrelas das revistas de moda não me afectam, não sou pressionada pelos meus pares, eu, afinal, tenho mais caminho percorrido. Eu sou eu, daquela forma que se alcança quando se é adulto.
Mas os adolescentes andam à procura deles mesmos e andam-se a perder e a aleijar-se. Talvez me engane. Talvez não seja assim. Talvez seja só na América. Se calhar estou fora. Mas se calhar até não e a única solução são os pais. Que chata tia, não percebes nada disto! Talvez não, mas faz-me triste.
* via Voz do Deserto
As minhas sobrinhas, do que me é possível ver, são saudáveis, têm pais que lhes deram/dão apoio. Não será como as meninas deste artigo* que me deixou numa tristeza funda. A situação descrita é nos EUA, mas será só lá? Resumido: meninas no inicio da adolescência fazem sexo oral a colegas, vários numa mesma sessão. Parece que é uma moda. A cronista compara a sua idade de crescer com esta idade de agora e ainda que ela tenha uns 20 anos mais que eu, ela está mais perto do meu crescer. É habitual as pessoas ficarem surpreendidas com o saber das crianças. Sabem tudo. Nós não eramos assim, pois não? Só que o que aquele artigo me diz é o perigo de saberem demais de algo e de menos de outro. Sabem tudo sobre sexo, mas não sabem como o incorporar nas suas vidas. Sabem tudo sobre a mecânica e nada sobre o emocional. O segundo é normal, são crianças, adolescentes, estão a crescer. Contudo, com tanta informação, eles precisam dos pais presentes que lhes traduzam o que ainda não dá para compreenderem completamente. Antes, a sociedade era proibitiva, fechada, claustrofóbica. Contudo, tinha o positivo de serem os adolescentes a procurar e isto, de alguma forma, protegia-os de saber demasiadamente cedo. Agora com a informação a ser despejada literalmente sobre as pessoas, de tal forma que só fechando os olhos é que não se vê, se os pais não estão presentes para dar uma moldura à pintura, parece que pode acontecer o que é descrito no artigo. Crianças perdem a noção da realidade em programas aberrantes, como a MTV descrita aqui, que eu de vez em quando espreito como se estivesse a ver figuras circenses do século XIX, a mulher barbuda dos dias de hoje; crianças descompreendem as canções que têm letras destas:
Ain't my job
To fuck you on your birthday
Ain't my job
To fuck you on your birthday anymore
Mas isto é suave...
“You make a nigga wanna fuck your ass on the couch / While we’re still in the club, show your pussy love / Work that clit / Cum girl.”
Estas músicas são ouvidas por adolescentes. Eu sou adulta. Eu sei rir-me com as idiotices da MTV, a mim desgosta-me estas letras, eu não preciso de ser cool, as mulheres magrelas das revistas de moda não me afectam, não sou pressionada pelos meus pares, eu, afinal, tenho mais caminho percorrido. Eu sou eu, daquela forma que se alcança quando se é adulto.
Mas os adolescentes andam à procura deles mesmos e andam-se a perder e a aleijar-se. Talvez me engane. Talvez não seja assim. Talvez seja só na América. Se calhar estou fora. Mas se calhar até não e a única solução são os pais. Que chata tia, não percebes nada disto! Talvez não, mas faz-me triste.
* via Voz do Deserto
quarta-feira
terça-feira
Foi firmada a coligação em Israel
No Haaretz.
Leram o artigo? Estamos muito não optimistas, não é? Enfim, o mesmo. Fico-me por uma citação, que continua actual depois de mais umas eleições.
Sistema eleitoral israelita
É evidente que o absurdo sistema eleitoral israelita já não é capaz de produzir maiorias funcionais e governos eficientes. Isto é reflexo somente da estrutura de caleidoscópio de uma sociedade fragmentada. Nestas condições, a tarefa árdua de produzir uma coligação, quase invariavelmente, produz um governo paralisado em equilíbrios políticos internos. O segundo governo de Sharon é um caso típico do enunciado. Em vez de servir como um meio de resolver o conflito palestiniano, ou mesmo outro qualquer conflito interno, o sistema político é tão disfuncional que se torna o maior obstáculo. O governo é incapaz de responder às ânsias de paz da população. Pois, independentemente das lealdades partidárias e de acordo com a maioria dos estudos, uma larga maioria dos israelitas apoiaria um acordo de paz baseado nos parâmetros de Clinton - dois estados, retirada dos territórios, grande desmantelamento dos colonatos, duas capitais em Jerusalém - mas eles não confiam nem no seu sistema político nem, claro, na liderança palestiniana para chegar a uma acomodação a esses parâmetros. O que talvez explique os resultados de uma sondagem realizada em 2002 pelo Centro Steinmetz para a Paz da Universidade de Telavive, que indicava que 67% dos judeus israelitas, convencidos da incapacidade do seu sistema político para produzir soluções, apoiariam uma acção americana para recrutar uma Aliança Internacional que coagiria as partes a aprovar tal acordo.
Em Cicatrizes de Guerra, Feridas de Paz. A Tragédia Israelo-Árabe de Shlomo Ben-Ami ("Scars of War, Wounds of Peace: The Israeli-Arab Tragedy", pág. 290, Oxford University Press, 2006)
Tradução minha
Leram o artigo? Estamos muito não optimistas, não é? Enfim, o mesmo. Fico-me por uma citação, que continua actual depois de mais umas eleições.
Sistema eleitoral israelita
É evidente que o absurdo sistema eleitoral israelita já não é capaz de produzir maiorias funcionais e governos eficientes. Isto é reflexo somente da estrutura de caleidoscópio de uma sociedade fragmentada. Nestas condições, a tarefa árdua de produzir uma coligação, quase invariavelmente, produz um governo paralisado em equilíbrios políticos internos. O segundo governo de Sharon é um caso típico do enunciado. Em vez de servir como um meio de resolver o conflito palestiniano, ou mesmo outro qualquer conflito interno, o sistema político é tão disfuncional que se torna o maior obstáculo. O governo é incapaz de responder às ânsias de paz da população. Pois, independentemente das lealdades partidárias e de acordo com a maioria dos estudos, uma larga maioria dos israelitas apoiaria um acordo de paz baseado nos parâmetros de Clinton - dois estados, retirada dos territórios, grande desmantelamento dos colonatos, duas capitais em Jerusalém - mas eles não confiam nem no seu sistema político nem, claro, na liderança palestiniana para chegar a uma acomodação a esses parâmetros. O que talvez explique os resultados de uma sondagem realizada em 2002 pelo Centro Steinmetz para a Paz da Universidade de Telavive, que indicava que 67% dos judeus israelitas, convencidos da incapacidade do seu sistema político para produzir soluções, apoiariam uma acção americana para recrutar uma Aliança Internacional que coagiria as partes a aprovar tal acordo.
Em Cicatrizes de Guerra, Feridas de Paz. A Tragédia Israelo-Árabe de Shlomo Ben-Ami ("Scars of War, Wounds of Peace: The Israeli-Arab Tragedy", pág. 290, Oxford University Press, 2006)
Tradução minha
segunda-feira
Conversa do castanho e do verde
Estávamos na varanda a observar os brotos das árvores. Uma semana mais e não conseguiremos ver o prédio em frente e nem seguir os eventos no ninho da pomba. "A minha última primavera na Alemanha.", suspiro eu nostálgica. "Portugal não é verde?", pergunta-me a vizinha lituana. "É castanho", lamento-me eu. "Como é na Nigéria?", pergunto ao namorado. "É muito verde onde não há pessoas e muito castanho onde as há".
Conversa que surgiu da homenagem Lisboa 1506
Um amigo meu alemão resolveu pedir à avó que lhe permitisse ler as cartas que ela recebeu do marido durante e após a II Guerra Mundial. Um mergulho na história da Alemanha e dele. O avô foi um juiz bem sucedido no aparelho nazi. Foi preso pelo exército soviético e acabou por morrer numa das suas prisões. A avó fugiu com as filhas pela mão, numa grande caminhada de terror à frente do exército soviético, do que é hoje Polónia para o que é hoje a Alemanha. Nunca conseguiu falar desses momentos. Segundo o que ele me disse, o avô nunca assumiu nenhum mal na sua conduta. Ele tinha sido, na sua consciência, um homem responsável, honesto, que tinha feito o seu dever para com a pátria e a família. O meu amigo falou-me de um livro que andava a ler de um Sebastian Haffner, um alemão com um começo de vida quase a papel químico da do avô. A mesma cidade, bairros parecidos, a mesma escola, a mesma formação. Contudo, um fugiu para a Grã-Bretanha antes da guerra e o outro tornou-se nazi. "Porquê?", pergunta-se*. As minhas perguntas são outras. Disse-lhe: "Eu quero saber como era a Alemanha antes da guerra por alguém que o viveu. Achas que esse livro pode responder-me?". "Sim, penso que sim. Mas tens que ter umas luzes da história da Alemanha." Ok, wikipédia.
* Lembrou-me o filme "Capote". A certa altura Truman Capote, o escritor de renome, diz de Perry Smith, o assassino: It's as if Perry and I grew up in the same house. And one day he went out the back door and I went out the front.
* Lembrou-me o filme "Capote". A certa altura Truman Capote, o escritor de renome, diz de Perry Smith, o assassino: It's as if Perry and I grew up in the same house. And one day he went out the back door and I went out the front.
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