sexta-feira

Afixe: o desaire do pensamento

A zanzar pela blogosfera e dou com este texto n'A barriga de um arquitecto emanado deste texto no Afixe.

Assunto: a última aberração americana: apoio governamental ao ensino de uma especulação metafísica (a Concepção Inteligente, uma "prima melhorada" do velho Criacionismo) lado a lado com uma teoria racional (teoria da Evolução Natural) em aulas de Ciência. Eu por duas vezes abordei este assunto, uma vez para clarificar Conceitos e outra vez para falar da brincadeira séria de um desempregado que exigia o ensino numa escola americana da Teoria do monstro esparguete, que ele afirmava tão meritória como a Concepção Inteligente.

O Afixe começa a derrapar logo no início da sua reflexão com o "ponhamos as duas teorias (e sublinho a palavra teorias) lado a lado...". Pode-se aplicar a palavra teoria aos dois sistemas, mas esta palavra terá uma conotação diferente. Esta diferença é fundamental. De um lado especulações sem qualquer fundamento, para lá de fé; do outro um sistema racional, empírico, que desde o momento em que Darwin (1858, penso) traçou as primeiras pinceladas tem acumulado provas científicas e aperfeiçoando-se como sistema explicativo. Este aperfeiçoar significa explicar melhor. As teorias científicas, incluindo esta, têm as suas lacunas, as suas áreas de sombra. Isto porque são uma constante busca de conhecer o mundo que nos rodeia, porque esse mundo é complexo, porque nós seres humanos não somos perfeitos, omnipotentes ou omniscientes. Aos cientistas isto não mete medo nenhum. É nestes buracos do conhecimento que um cientista labuta.

O histerismo dos evolucionistas, de que fala o Afixe, advém da desonestidade na discussão. Argumentar não é estranho para os cientistas, mas o tipo de argumentação que é feito é desonesto. O cientista não pode tentar provar ou desprovar Deus. O cientista testa e pensa e experimenta no racional e mensurável, porque só aí se pode criar conhecimento. Para lá disto é convicção. Discutir convicções é como discutir os gostos de cada um. Ver convicções a receber o mesmo aval que uma teoria testada inúmeras vezes até ter tal credibilidade que é ensinada nas escolas, é de pôr qualquer pessoa intelectualmente honesta em ataques de histerismo.

O Afixe comete outro erro crasso. O pensar que a Ciência desalojou Deus. Há cientistas ateus, mas há muitos que sentem no mundo um lado divino. Esse sentimento não é eliminado pelo seu trabalho, mas até alimentado. Ao conhecerem melhor o mecanismo que roda o mundo não conseguem deixar de se maravilhar pela sua beleza e harmonia. Há um milagre numa cadeia de ADN, uma subtileza na sua simplicidade criadora de complexidade. Há um tremor sublime quando se olha uma estrela e não é por se saber a distância à Terra e a sua constituição, que diminui a sua existência fantástica. Quanto mais se aprende, mais se respeita, mais se ama, mais se contempla o que está para lá dos nossos sentidos. Quem será? Talvez Deus. Para conhecer é necessário um método e um intelecto rigoroso. Mas depende de cada um o deslumbramento.

Se o Afixe se sente atrofiado pela ciência e o seu materialismo, pode acreditar no que quiser, direito dele, mas não se pode aceitar misturar no mesmo pacote uma especulação metafísica e uma teoria cientifíca como se fossem duas faces de uma mesma moeda. Se querem ensinar a Concepção Inteligente nas escolas, façam-no, mas em aulas de Religião ou Especulação ou Sonhos. Numa aula de ciência ensina-se ciência, numa aula de biologia ensina-se o estudo racional da vida. Finalmente deve-se informar os alunos claramente dos fundamentos e métodos do que lhes é ensinado: a primeira é gente que pensa, definindo um pensamento, que perdura em cogitação sem prova; na segunda gente que pensa e que demonstra a outro pensante, que repensa e testa, num ciclo que retém as partes do pensamento que sobrevivem às argumentações e testes de muita gente a pensar e a testar livremente na mesma coisa. Estás a ver Afixe?

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