quarta-feira
A queda de Hitler
Acabei de ler "Downfall - Until the final hour", um livro de Traudl Junge com Melissa Mueller. A primeira foi uma das secretárias de Adolf Hitler durante dois anos e meio até ao suicídio do ditador e à queda da Alemanha. Com base neste livro, um filme foi realizado no ano passado e esteve nomeado nos Óscars para melhor filme estrangeiro.
O filme é alemão ("Der Untergang"), mas apesar do meu conhecimento em alemão ser tal que eu compreenderia metade, ainda assim, caso fosse este o impedimento, poderia ter visto o filme, já que esteve num cinema perto de mim com legendas em inglês. Mas não fui e senti que não podia ir. Não, de forma alguma eu não me queria colocar numa situação em que qualquer sentimento de compreensão, piedade, empatia, por minúsculo que fosse (ainda que quem ali estivesse fosse um actor excepcional, ou talvez exactamente por ser Bruno Ganz) surgisse por Hitler. Um homem moralmente miserável, um homem magnético que com esse poder começou o resvalar de tal horror que assombrará a Europa por muito tempo. Um homem... Foi repulsa instintiva, foi medo de contaminação.
O livro meteu menos medo, pois o controle da imaginação é mais conseguido se não existir a imagem num filme, que entrando pelos olhos, atinge directo, sem contexto e cru, àqueles instintos básicos. Os que olhando para um ser humano em sofrimento condoem-se.
Hitler pelos olhos de uma jovem secretária. A oportunidade de perceber o magnetismo que esse homem, aparentemente de aparência ridícula, produzia nos que o cercavam. Traudl Junge escreveu sobre o seu convívio com Hitler logo após a derrota alemã, aos 27 anos. Numa altura em que: "Era maravilhoso viver sob a democracia americana. Não me tinha apercebido de que não ouvia música de compositores polacos ou russos, que não podia ler literatura de autores judeus... que tanto tinha sido banido ou era tabu. De repente o mundo intelectual abriu-se novamente. Em Munique os teatros e os cabarés reabriam... Na verdade existia uma nova sensação de vida no ar. A profecia de Hitler do fim da Alemanha e do retorno do país às sua origens agrárias não se concretizou... Claro, os americanos trouxeram a sua música... e os seus autores. Hemingway, por exemplo. Na altura, tinhamos de mourejar e poupar, mas a vida era gratificante."
Tinha 22 anos ao entrar ao serviço de Hitler. A sua escrita é geralmente descritiva, distante, ingénua. Diz Traudl Junge que mais tarde, ao reler, sentiu-se zangada consigo própria pela quase ausência de auto-crítica. Contudo, para mim foi interessante, talvez mais informativo do que um texto a pedir desculpas, numa auto-censura que me deixaria incerta sobre a honestidade nos acontecimentos descritos. Ao escrever sobre o seu primeiro encontro com Hitler: "Nós entramos na sala, que era enorme, e colocamo-nos à frente da secretária. Hitler veio ao nosso encontro sorrindo, ergueu o braço lentamente em saudação e seguidamente apertou a mão a cada uma de nós. A sua voz era profunda e cheia ao perguntar-nos o nome e de onde vinhamos. Eu fui a última e era a única de Munique. Ele perguntou a minha idade de novo, sorriu uma vez mais, voltou o olhar penetrante sobre todas nós, elevou o braço em saudação pela segunda vez - e fomos mandadas embora sem pelo menos termos tido a oportunidade de pronunciarmos o nosso "Heil, mein Fuehrer". Fora, o feitiço quebrou-se e pudemos relaxar por fim. Comentamos a forma como ele apertava as mãos, o seu olhar fascinante, a sua figura e todos os outros pormenores que nos pareceram tão significantes neste encontro importante."
Num dos poucos momentos de análise: "Eu tinha entrado neste meio [o espaço de vivência de Hitler] com tão poucos pré-conceitos e ideias pré-concebidas que eu suguei a atmosfera de positivismo que me envolvia como um bebé suga o leite da mãe. Desde o fim da guerra que frequentemente me questiono como foi possível não ter nunca tido quaisquer reservas ao contactar com aquelas pessoas. Então lembro-me que a barreira e o arame farpado também nos separavam de quaisquer dúvidas, rumores ou diferentes opiniões políticas do exterior; dou-me conta de que eu não tinha pontos de comparação e não podia ter sentido conflitos. Quando comecei a trabalhar para o Fuehrer (...) Julius Schaub disse-me que eu não podia discutir o meu trabalho com ninguém e eu sabia que estas ordens eram dadas a todos, desde o soldado ao general."
O livro contém um prefácio e um posfácio que mostram também a tarefa penosa do relembrar e do remorso e acaba com Traudl Junge: "Hoje eu estou de luto por duas coisas: pelo destino dos milhões de pessoas que foram assassinadas pelos Nazis. E por aquela rapariguinha a quem lhe faltava a confiança e o bom senso para falar contra eles no momento certo."
Achei o livro interessantíssimo pelo que me revelou sobre como uma rapariga alemã pensou (ou melhor, como não pensou) e como viveu junto a Hitler, perceber que tipo de poder, de imagem tinha este homem sobre as pessoas comuns, que tipo de pessoas conviviam com ele. Tentar perceber a cegueira e como evitar um mal deste tipo.
Nota: as traduções são minhas do inglês.
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