sábado

Os fogos

Sou de uma pequena aldeia no sopé da Serra da Estrela. Os fogos florestais fazem parte das minhas memórias desde sempre. Lembro-me dos rebates de emergência do sino da igreja, bastante comum no Verão. A população saía em procissão (nomeadamente homens), de utensílios agrícolas às costas, para apagar o fogo. Eu e a minha mãe dormiamos na varanda, à cautela. De manhã ela saía de encontro ao meu pai desaparecido em combate, com comida e principalmente leite para lhe limpar a garganta do fumo. Todos os anos era assim, todos os anos o calor misturava-se com o fumo e as cinzas. Para mim Verão era fogo e vice-versa. Para mim o Verão trazia tardes a mirar o céu de rebolão negro e noites a mirar o clarão vermelho no horizonte. Com os anos os fogos diminuiram porque as florestas minguaram. As serranias já não tinham pinheiros, mas mato.

Há uns anos, quando estava de visita aos meus pais, o fogo apareceu. O som de rebate da minha infância e adolescência retornou. Contudo, a procissão de gente não ia para a batalha. Juntaram-se nos muros e comentaram. Telefonamos para os bombeiros e os olhos velhos do meu pai ficaram enovelados no fumo. O fogo ganhou.

Sem comentários: